terça-feira, 12 de maio de 2009

11 campeonatos em 15 anos

1 E pronto, lá veio mais um tetra e agora o FC Porto já só está a sete títulos de campeão nacional do historial do Benfica e com seis de avanço sobre o Sporting. Coisa impensável há duas décadas, mas que confirma também internamente o estatuto ímpar, a nível internacional, que os portistas adquiriram e onde já têm larga vantagem sobre a história longínqua do Benfica. Nestes últimos 20 anos, o FC Porto foi campeão por 14 vezes e por 11 vezes nos últimos quinze: mudaram os treinadores, mudaram os jogadores, mudou o estádio, mudaram os heróis e símbolos do clube, mas o espírito de conquista manteve-se sempre inalterável. E, para felicidade nossa, os adversários directos, em lugar de tentar perceber as razões do êxito azul-e-branco e tentar imitá-las, preferem, à boa maneira portuguesa, gastar a sua argumentação a tentar denegrir o mérito das vitórias, atribuindo-as sempre a factores estranhos. Nestes quatro anos do tetra, a única vez que o Benfica conseguiu incomodar o FC Porto foi quando, com a preciosa colaboração do Ministério Público e do Conselho de Disciplina da Liga, e contando com a ignorância arrogante do Sr. Platini, por pouco afastava o FC Porto da Liga dos Campeões — na secretaria e em benefício próprio. Olhando a campanha europeia que um e outro fizeram esta época, é caso para dizer que, felizmente para o futebol português, a golpada não passou.
Um dos principais, senão o principal, obreiro deste título, como dos dois anteriores, foi, indiscutivelmente, Jesualdo Ferreira. Foi um treinador campeão em tudo: não apenas pôs a sua equipa a jogar o futebol mais competitivo e com ideias mais claras entre os três grandes, como foi também aquele que foi sempre mais sereno e com mais atitude de campeão. No discurso da vitória, Jesualdo voltou a ser lúcido e comedido, sem ponta de arrogância ou vaidade, a que muito poucos resistiriam no seu lugar. Mas, ao contrário do que ele disse, esta não foi a sua melhor equipa dos últimos três anos, e o seu grande mérito consistiu, exactamente, em ter conseguido manter a equipa no topo da competitividade, depois de uma primeira época em que perdeu trunfos tão importantes como Anderson e Pepe, e uma segunda época em que perdeu Ricardo Quaresma, Paulo Assunção e Bosingwa. Quaresma — responsável directo ou indirecto por metade dos golos da equipa na época passada — não foi, de forma alguma, substituído por Cristian Rodriguez e, menos ainda, é claro, pelo trapalhão do Mariano Gonzalez; Bosingwa eclipsava Fucile, sobretudo nesta temporada tão fraca do uruguaio; e Paulo Assunção só agora, que Fernando começa a mostrar melhorias na qualidade de passe, é que parece encontrar substituto à altura. Em contrapartida, Hulk foi a revelação do ano e Cissokho uma grande descoberta do professor (embora, ele, que ainda há quatro meses estava em Setúbal sem receber ordenado, assim que começou a brilhar no Dragão e a falar-se do interesse de clubes estrangeiros, nunca mais voltou a deslumbrar…).

Mas, como já n vezes o escrevi, onde esta equipa se revelou fraca foi no banco de suplentes. Jesualdo teve nove ou dez jogadores bons à disposição durante quase toda a época — e nem um só suplente à altura deles. Desdenhou de jogadores com provas dadas ou com promessas exibidas — Vieirinha, Léo Lima, Ibson, Luís Aguiar, Bruno Gama, Hélder Barbosa, Candeias, Pitbull — e construiu uma equipa só com dois médios ofensivos e um extremo de qualidade (Meireles, Lucho e Rodriguez, embora este irregularmente). Se, como diz Jesualdo e com razão, a equipa está manifestamente desgastada e presa por arames, é justamente porque o núcleo duro teve de chamar a si as despesas de uma época inteira. Ainda agora, no jogo do título, foi possível ver claramente como, para além do cansaço dos titulares habituais, a equipa teve ainda de se bater em inferioridade numérica contra a muito bem organizada equipa do Nacional, visto que, em termos práticos, foi como se jogasse com dez o jogo inteiro — porque tanto Tomás Costa, que jogou a primeira parte, como Farías, que o substituiu na segunda, produziram um jogo absolutamente nulo, conforme lhes é habitual e irreversível. Esse foi, pois, a meu ver, o grande mérito de Jesualdo Ferreira, em 2008/09: conseguir ser campeão, finalista da Taça e chegar aos quartos-de-final da Champions, quase a passar às meias, sem ninguém, absolutamente, capaz de render de vez em quando os nove ou dez jogadores com que ele contava sempre.

Se houver que escolher o jogador do título, para mim ele foi, indiscutivelmente, Bruno Alves. De há muito que venho chamando a atenção para ele, no meio de uma crítica doentiamente facciosa e clubística que insiste em ver em Bruno Alves apenas um caceteiro e um jogador supostamente desleal. Mas a verdade é que, como ainda anteontem se pôde observar contra o Nacional, ele é capaz de passar jogos inteiros sem cometer uma única falta — mesmo que pela frente tenha o melhor marcador do campeonato ou mesmo que tenha de enfrentar o Aguero ou o Forlán do Atlético de Madrid, ou o Tevez e o Rooney do MU. É hoje, em minha opinião, o segundo melhor jogador português, a seguir a Ronaldo, um dos melhores centrais da Europa e do Mundo, com um poder de impulsão que faz lembrar, para melhor, o Fernando Couto dos bons tempos. Corta sempre com calma e estilo, coloca bem a bola à distância, sai a jogar de cabeça erguida, entrega-se ao jogo como ninguém mais e ainda cobra livres e marca golos de cabeça. Neste campeonato, marcou até à data cinco golos, começando com o golo de livre em Alvalade, que foi o arranque para o título, e acabando com o golo de cabeça contra o Nacional, que confirmou o título. Em toda a época (em que não falhou um jogo europeu ou do campeonato), teve apenas um fatal deslize, e logo por azar em Manchester, oferecendo a Rooney um golo caído do céu. Mas, como é fácil de adivinhar, a SAD do FC Porto só tem que não se precipitar, na hora inevitável em que o vai vender no final da época, esperando tranquilamente sentada pela melhor oferta. Para mim, que me lembro da sua primeira e desastrada época ao serviço do clube, a evolução de Bruno Alves até se tornar um jogador de eleição é das coisas mais notáveis que vi nesse campo e, sem dúvida, um dos grandes méritos do trabalho de Jesualdo Ferreira. Se as pessoas gostassem verdadeiramente de futebol, podiam reconhecer isto, independentemente das simpatias clubísticas — assim como eu reconheço que não há ponta-de-lança como o Liedson no nosso campeonato, e há vários anos. Mas é certo e sabido que quando Bruno Alves estiver a jogar num dos grandes da Europa, já todos lhe irão reconhecer o estatuto.

2 O Boavista está à beira de cair na III divisão e, se isso acontecer, é o prenúncio do fim — com uma decisiva ajuda do CD da Liga, é verdade, mas também com culpas próprias por ter tido mais olhos que barriga. O Belenenses está também a um passo da segunda divisão e a queda pode também precipitar uma morte até hoje periclitantemente adiada. E serão dois campeões nacionais (dos cinco únicos que temos) a mergulhar nas profundezas de um abismo insondável. Talvez consiga ainda safar-se o histórico Vitória de Setúbal, mas também não vejo como é que poderá sobreviver a prazo um clube cuja única viabilidade económica depende de o governo lhe autorizar um negócio imobiliário ao pé do qual a aprovação do Freeport é perfeitamente banal. Valha-nos o também histórico Olhanense, que está quase à beira de regressar lá acima e voltar a pôr o Algarve no mapa do futebol português de I Divisão.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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