terça-feira, 5 de maio de 2009

Fim de conversa

1 E pronto, acabaram-se as conversas e as discussões. Este campeonato já está resolvido. Como sempre ou quase sempre, o azeite veio à tona e, lá no fundo, ficaram as águas sulfurosas das eternas discussões sobre árbitros e apitos e jogadas suspeitas — esse folclore de inveja com que todos os anos os incompetentes tentam justificar a sua incompetência e deitar fumo para os olhos dos que não querem mesmo ver.
O campeonato de 2008/09 está resolvido e está resolvido como vem sendo hábito: o FC Porto em primeiro, destacado e apesar de acumular a liderança clara com uma infinitamente melhor e mais desgastante campanha europeia; o Sporting em segundo, no seu certinho papel de Calimero, sempre chorando-se com os árbitros, mas praticando um futebol tão curto (Liedson à parte) que o semi-vazio das bancadas de Alvalade canta «eu sei porque fiquei em casa»; e o Benfica, o eterno e auto-proclamado campeão da «verdade desportiva» e da excelência de gestão, o clube que, a fazer fé nos jornais, todos os jogadores do mundo ambicionam representar um dia, a perder mais um «campeonato da segunda circular» e a olhar para trás, apreensivo, para ver se não perde mesmo o último lugar do pódio. Vira o disco e toca o mesmo. Eu próprio já começo a achar monótono.

Mas o que se há-de fazer por quem faz tão pouco por si próprio? Mesmo sabendo o líder cansado, exausto de competição ao mais alto nível e desfalcado de dois jogadores de tremenda influência na equipa, os seus rivais — jogando antes e com a possibilidade de o colocar sob pressão, entregaram o ouro ao bandido, antes mesmo de ouvirem as palavras «isto é um assalto ao título!». O Sporting, jogando para o título e para a Champions, foi a Coimbra (onde mora uma equipa muito organizada mas com um poder ofensivo nulo) e, em lugar de se atirar desde o início para cima deles em busca de um só golo que seria suficiente, jogou em soberbo pousio durante noventa insuportáveis minutos. Ainda gostava que alguém me explicasse como é que haverá tantos clubes de fora interessados num Miguel Veloso ou algum disponível para dar 22 milhões pelo João Moutinho! É uma atitude louvável, e até de sobrevivência, ter uma Academia para formar jovens jogadores e integrá-los na equipa principal. Mas isso não quer dizer que tudo o que sai de lá é um Cristiano Ronaldo em potência e que lhe basta fazer meia dúzia ou nem tanto de bons jogos, para logo ter as portas da Europa abertas de par-em-par. Caramba, eles não verão as transmissões televisivas dos jogos em Espanha, em Inglaterra, em Itália? Aquele Sporting de Coimbra, a quem, na hora decisiva, se exigia ambição e risco, talento e trabalho, foi o que se viu: um candidato ao segundo lugar nos anos bons.

E, depois de o Sporting ter deixado dois pontos em Coimbra, foi a vez de o Benfica entrar em campo — teoricamente ainda a perseguir o título, mas muito realisticamente a perseguir, sim, o segundo lugar de acesso à pré-liminatória da Champions. Aqueles jogadores, pagos a peso de ouro, sabem com certeza a importância financeira que uma presença na Champions tem para o clube e para as suas próprias carreiras. Sabiam que tinham uma oportunidade de ouro para ficarem encostados ao Sporting. Há menos de duas semanas, foi jogar ao mesmo estádio o modesto Paços de Ferreira, que, em caso de vitória, conseguiria a proeza de levar o clube à final da Taça: e, contra todos os vatícinios, eles conseguiram-no, porque se bateram por isso. Bem, eu não vi o jogo do Benfica com o Nacional, porque há tempos que desisti de ver os jogos do Benfica, por aboluta falta de interesse. Mas rezam todas as crónicas que foi mais um jogo de revoltar adeptos. Agora, os benfiquistas estão na fase dos «culpados» e, claro que Quique Flores é o suspeito mais à mão. Mas a verdade é que, por mais que se simpatize com ele, como é o meu caso, o «culpado» principal este ano só pode ser Rui Costa. Agora, que Vieira se afastou do que não percebia e deixou o futebol à gestão de Rui Costa, é este que deve responder: foi ele que escolheu Quique e que, com Quique, escolheu os jogadores, o tal plantel de luxo que iria ofuscar tudo à volta. Mas, pelo que tenho lido, parece que Rui Costa gasta mais tempo nos túneis a falar ou a reclamar com os árbitros do que a reclamar com os jogadores no Seixal.

E, estendida a passadeira vermelha pelos seus rivais, ao FC Porto bastou lançar mão da sua entranhada cultura de vitória para somar os três pontos contra o Marítimo e sentenciar de vez a coisa. Foi, claramente, um FC Porto esfarrapado e no limite das forças, desfalcado de Hulk e Lucho e que, quando cedo se viu sem Meireles, pareceu incapaz de segurar a vantagem conquistada logo a abrir, porque, como aqui escrevi desde o primeiro dia, Jesualdo Ferreira teve a desfaçatez de avançar para a época inteira apenas com dois médios de ataque — Lucho e Meireles — deitando fora Ibsen, Luís Aguiar, Léo Lima, etc. Olhando para aquele meio campo com Guarín e Tomás Costa, chego a pensar que foi uma bênção não termos passado o Manchester United: é que assim, sempre mantivemos intacto um prestígio que, de outra forma, logo seria estilhaçado às mãos do Arsenal. No Funchal e a vencer, valeu que o Marítimo teve de vir para a frente e o FC Porto aproveitou, em momentos cirúrgicos, a sua sabida capacidade de ataque instantâneo contra equipeas abertas. Assim matou o jogo e o campeonato. Daqui para frente, o objectivo único é arranjar três pontinhos onde der — de preferência já no próximo domingo e no Dragão — para poupar energias e recuperar algum jogador para o Jamor e a «dobradinha». E terá sido uma grande época!

2 O tipo que programou o Académica-Sporting para quase a mesma hora que o jogo do ano à escala planetária, devia ser fuzilado. Por dever de ofício, eu tive de dividir as atenções entre o concerto de música militar e a ópera de Milão, desesperando por não poder seguir integralmente cada suspiro desse fantástico Real Madrid-Barcelona. Dentro de dez anos ainda se falará em Espanha deste jogo, como durante muitos e muitos anos se falará, no mundo do futebol, desta fantástica equipa do Barcelona de Pepe Guardiola como uma das melhores de todos os tempos, em qualquer canto do mundo.

Quando, vai fazer três anos, antes do Mundial da Alemanha, A BOLA pediu aos seus colunistas que indicassem aquele que achavam que viria a emergir como o grande jogador desse Mundial, eu respondi Lionel Messi. Enganei-me, mas apenas por uma razão: porque o seleccionador argentino, Billardo, achou mais prudente deixar Messi no banco todo o Mundial, porque haverá sempre treinadores para acharem que os génios atrapalham as tácticas que eles tão genialmente conceberam. E este ano, quando, aqui também, se lançou uma espécie de campanha para que, em nome da Pátria, se declarasse, sem excepção, que o melhor jogador do mundo em 2008 tinha sido o Cristiano Ronaldo, eu respondi, quase a medo: «Pois, é um grande jogador sem dúvida, tem a imagem muito bem cuidada, as sobrancelhas muito bem depiladas, mas, quanto a ser o melhor do mundo, é uma chatice, mas há por aí um rapaz chamado Messi...»

Este sábado, em Chamartin, Lionel Messi, mais uma vez, mostrou àqueles que verdadeiramente gostam de futebol, independentemente de clubismos ou patriotismos idiotas, que o melhor jogador do mundo em 2006, 2007, 2008 e 2009, é ele e apenas ele. É certo que não ganhou ainda o respectivo troféu, mas daqui a vinte anos vos garanto que, quando se perguntar a alguém quem foram os cinco melhores jogadores do mundo de sempre, a resposta certa é: Pélé, Eusébio, Maradona, Cruyff e Messsi. Vou ficar a torcer para que amanhã, em Standford Bridge, esta espectacular equipa do Barcelona e o seu pequeno génio de Buenos Aires derrotem o futebol feio e deprimente do Chelsea. Para que haja alguma justiça, neste mundo onde há tão pouca.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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