terça-feira, 21 de abril de 2009

A ressaca

1 No FC Porto, há muito tempo que não há vitórias morais. Ali, joga-se sempre para ganhar e, quando se perde, perde-se: ninguém fica a consolar-se com a injustiça, a falta de sorte ou os erros de arbitragem. É este espírito, antes de tudo o mais, que marca a diferença de resultados entre os «azuis e brancos» e a restante concorrência a nível nacional. E é por isso que a eliminação às mãos do Manchester United — por mais injusto que o desfecho nos pareça, atendendo ao que se passou nos dois jogos — é uma derrota e ponto final. Não é o fim de um «sonho», como se escreveu, porque, verdadeiramente, o sonho nunca existiu. Mas foi o fim de uma hipótese, ténue e incrível, de ter afastado da mais importante competição mundial de clubes o campeão em título e mais rico clube do mundo. Para que isso acontecesse, era preciso, porém, dois momentos, dois jogos, de absoluta perfeição de todos, de uma tamanha competição e eficácia competitiva que as mais valias individuais do todo poderoso MU não conseguissem sobrepor-se a um jogo de equipa perfeito. Era preciso que o guarda-redes não falhasse nada que pudesse ser defendido, que a defesa fosse quase impenetrável, o meio-campo incansável e que o ataque não desperdiçasse golos possíveis. Isso não aconteceu, nem lá nem cá: lá, o FC Porto teve o adversário aos pés, mas, erros próprios (um golo oferecido e dois falhados, daqueles que não se podem desperdiçar) impediram uma vitória que teria resolvido logo a eliminatória; e cá, um fantástico pontapé de Ronaldo (que não deixou de ser um golo consentido por Helton, no primeiro remate à baliza dos ingleses), mais um desperdício de Lisandro e outro de Rolando, a par do «síndroma de Mamede» e dos efeitos devastadores da ausência de Jesualdo no banco e de Lucho no campo, ditaram uma vitória «científica» do MU, com um amargo sabor a «quase». Viu-se uma equipa absolutamente impecável na defesa (face a um ataque de meter terror), um grande meio-campo, mas depois falhou o ataque, jogador por jogador, e, uma vez mais, se demonstrou como a ausência de um guarda-redes fiável limita a equipa nos grandes jogos (não foi só o golo de Ronaldo, foi também a única outra oportunidade do Manchester, num pontapé dentro da pequena área e na sequência de um canto, com uma bola a pingar a um metro da baliza, que nenhum guarda-redes pode deixar de interceptar).
É verdade que a festa que os campeões do mundo fizeram no final e o ar de evidente alívio de sir Alex ficaram como sinal do respeito e temor que o FC Porto conseguiu impor ao gigante europeu. Mas isso é uma vitória moral. Saímos com honra, sim, caímos de pé, sim; mas saímos e caímos. Apenas com a convicção de que a equipa foi tão longe, ou mais ainda, do que era legítimo exigir-lhe. Não se pode ter sol na eira e chuva no nabal: vender o Anderson ao Manchester e depois ficarmo-nos a lamentar da sua decisiva acção a travar o nosso jogo a meio-campo. As coisas são como são.

2 De regresso à vidinha de todos os dias, aí temos o nosso campeonato, com as suas eternas discussões sobre arbitragem — que, ao que parece, é aquilo a que se reduz a apreciação do mérito do futebol que se vê. É verdade, sim, que ficou um penalty por marcar a favor da Académica, quando havia 0-0, no jogo contra o FC Porto. Mas também é verdade que um jogador da Académica, depois da mão na bola do Raul Meireles, ficou completamente isolado perante o Helton, com todas as condições para fazer golo e falhou: se tivesse marcado, conforme lhe competia, não havia discussão sobre o penalty. E também é verdade que o liner cortou uma jogada de golo do FC Porto por offside absolutamente inexistente e é verdade, sobretudo e para quem viu o jogo, que o FC Porto poderia ter vencido por cinco ou seis, se o Hulk, por exemplo, não estivesse a atravessar uma crise de forma e de crescimento. Só quem não entende nada de futebol ou quem esteja de má fé é que poderá sustentar que, sem aquele penalty não marcado, o FC Porto não teria vencido em Coimbra.

A ressaca da noite de quarta-feira não deve ter sido fácil de gerir, mas, com mais ou menos limitações e cansaço, mais ou menos inspiração e motivação, Jesualdo Ferreira conseguiu o suficiente para reerguer a equipa no caminho do que resta conquistar: o campeonato e a Taça de Portugal. Mais uma jornada passou e faltam só quatro vitórias até ao título de tetracampeão nacional.

3 O Vitória de Setúbal caminha para a segunda divisão e o Boavista caminha para a terceira. Não há milagres sem pão: não é possível manter a motivação dos jogadores nem o equilíbrio psicológico de uma equipa se os jogadores jogam sem receber e sem saber o que é o dia de amanhã. A excepção do Estrela da Amadora não passa disso mesmo e o que é preocupante é que possa haver dirigentes de clubes que olhem para o caso do Estrela como um exemplo de viabilidade desportiva dentro da anormalidade. É urgente que Hermínio Loureiro se defina na anunciada nova regra a entrar em vigor em Maio: ou é para ser finalmente a sério e sem olhar a quem, ou é para ser aplicada com «compreensão» e prolongar por mais um ano este indecente cenário dos clubes que competem sem pagar aos jogadores nem ao Fisco e Segurança Social. Afinal, isto é uma competição profissional ou uma quermesse?

4 Já começaram as notícias dos jogadores que desejam ardentemente ver-se com a camisola do Benfica para o ano que vem. Das extraordinárias vedetas que aí vêm rumo à Luz, tipo Fredy Adu ou Pablo Aimar. Já se preparam as manchetes de Verão, já se faz por esquecer os fiascos desta época com os anunciados triunfos da próxima. Nos «grandes» de Lisboa preparam-se eleições e, enquanto que no Sporting, o actual presidente se jura farto de desconsiderações e a mal resolvida oposição consta que prepara a candidatura de um ex-polícia a contas com a justiça, no Benfica o actual presidente já vai investindo forte e feio contra uns eternos e não nomeados ambiciosos que podem ter o desplante de lhe querer disputar o lugar. Eis um problema que não se põe no FC Porto.

Enfim, já cheira a «defeso», já há espuma e maresia no ar, já se anuncia o Verão. Mais um ano que acaba, mais sonhos que morrem e se enterram e outros que nascem e se alimentam de novas ilusões. O ciclo do futebol segue ao lado e próximo do ciclo da vida. E sempre gostei disso.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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