quinta-feira, 23 de abril de 2009

Não ir na onda dos enganos

A crise está aí, com garras bem afiadas. Não se vai embora, seguindo os conselhos dos oráculos que atiram para cima dos ombros dos cidadãos em dificuldades a obrigação de a driblar. Veio para ficar.
Certamente compete a todos perguntar o que cada um pode fazer para ajudar a mandá-la dar uma grande curva. Ora isso obriga a reflectir acerca da abundância de discursos, lamúrias e medidas acerca dos efeitos, sem tocar nas suas causas e factores, a não embarcar e ir na sua onda. Porventura fazendo de conta que vamos, mas indo sempre do outro lado, nem que ele pareça ser o de fora.

Em todos os locais podemos e devemos agir contra a crise. Ensinando a dedicação ao trabalho, o apego emocional às instituições, o sentido e espírito de corpo, a gratificação nos resultados duramente alcançados, o envolvimento pessoal num ambiente de labor porfiado. Colocando as relações e conexões diante das desagregações, a serenidade diante do frenesim, a cultura diante da frivolidade, a profundidade diante da superficialidade, as convicções diante das tentações, os princípios e valores diante dos interesses e manhas, a humildade diante da arrogância, a probidade e sensatez diante da agitação e estardalhaço, a perseverança diante da desistência, a filosofia diante da imbecilidade, a substância diante da vacuidade, a espiritualidade diante da futilidade, a dignidade diante da baixeza, a superação diante da resignação, a simplicidade diante da presunção, a sinceridade diante da falsidade, a verdade diante da mentira, a nobreza diante da vileza, a essência diante da aparência, a civilidade diante da venalidade, a responsabilidade diante da leviandade, a força da firmeza diante da cedência à fraqueza, o estudo diante da preguiça, a disciplina e o esforço diante da folia e do carpe diem, o brio e pundonor diante do abandono e desleixo, a procura diante da sorte, o mérito cimeiro diante do nivelamento rasteiro, o conhecimento diante da ignorância, a dúvida diante da certeza, a admiração diante do pasmo, a discrição diante da exibição, a correcção diante da simulação, a luz diante da escuridão, a liberdade diante da servidão, a autonomia diante da dependência, a sanidade diante da demência, a sabedoria diante da irracionalidade, a lucidez e a decência diante da ligeireza e maledicência, o carácter diante da habilidade, a tranquilidade diante da deriva, a legalidade diante dos jeitos, os deveres diante dos direitos, a modéstia diante da vaidade, o comedimento diante da excentricidade, a alvura diante da sujidade, o trigo diante do joio, as normas e regras diante do regabofe e laxismo, a frontalidade diante do calculismo, a verticalidade diante do oportunismo, a ética e deontologia diante do relativismo, a autenticidade diante da hipocrisia, a lealdade e fidelidade diante da traição, a amizade diante da intriga, a rectidão diante da esperteza, a palavra corajosa diante da cobardia ardilosa, a honradez e integridade diante da desonestidade e imoralidade, a sensibilidade diante da brutidade, a solidariedade diante da indiferença, a humanidade diante da animalidade.

Mas... é necessário tudo isto? Não vejo outra solução. Ademais não nos basta a esperança, por ser um sentimento ambivalente. Pode brotar dela o optimismo para ultrapassar a tristeza e a desgraça do presente e para confiar na vinda de um futuro risonho. Mas pode, do mesmo jeito, convidar ao conformismo e comodismo, à demissão e passividade, à aceitação daquilo que nos aflige, a não agir, a esperar e a entregar-se à lotaria do que há-de vir, sem nos mobilizarmos activamente para vencer o que nos afronta e buscar o que nos falta.

Neste Abril de crenças traídas, de tantas ilusões perdidas e criaturas estupefactas ou adormecidas, procuremos a elevação e altura e não o abaixamento e rasura. Como disse Nietzsche, devemos fugir do gorduroso odor ao estábulo, isto é, da manada, a sete pés. Para não nos deixarmos contaminar. Corramos, pois, atrás do espírito de Abril, contra a manipulação e alienação, o adormecimento e aviltamento, a indolência e a sonolência.

Jorge Olímpio Bento n' A Bola.

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