DIZEM-ME que as minhas palavras têm a forma de pedras aguçadas. E aconselham-me a não ser radical, sob pena de correr sérios riscos. Eu agradeço o reparo e aviso. Mas não consigo calar-me e fechar os olhos à desvergonha e cinismo das circunstâncias. Como carapaça agarrada à condição, trago comigo a sina de usar termos à medida do contexto.
Assim gosto de evocar o mérito, o suor, o empenho e dignidade. Amo o desporto e detesto a batota; aprecio a política e abomino a farsa. Subscrevo a definição de «trabalho» que vem nos dicionários económicos: «Esforço individual ou colectivo destinado a produzir um bem ou um serviço». Defendo a «democracia» por me lembrar que ela e o Estado existem por causa das pessoas, que estas são anteriores e criaram aqueles para o seu serviço e dignificação. Por isso recuso a corrupção, mas adiro à sua definição, elaborada pelo velho e sempre actual Aristóteles: «Alteração do estado das coisas, modificação e desvio de conteúdo, originando o desvirtuamento do homem». E também louvo a definição registada nos dicionários da nossa língua: «acto de apodrecer, de estragar ou desnaturar». O leitor por certo partilha o meu gosto e está farto de tapar o nariz ao intenso fedor que lavra no país.
Portanto gosto de palavras que nos incitem a repudiar a corrupção, a tomar a decisão de não permitirmos que ela faça parte do dia-a-dia, de não cairmos na indiferença, resignação, negligência e permissividade. Para não ficarmos podres, desvirtuados, desnaturados, putrefactos, nauseabundos. Eis porque aplaudo atitudes, medidas e palavras que combatam a fraude, o contrabando de influências, a promiscuidade, a hipocrisia, o servilismo, o lambe-botismo, o conúbio das oligarquias que medram com a pobreza e o sofrimento.
Nós somos criação de palavras e frases, até porque «no princípio era o verbo». Escolhamos, pois, as que criam o nosso bom-nome, elevação e honorabilidade. E actuemos de acordo com elas. Avivemos a inquietude, o alerta constante e a interrogação pronta. Alijemos o insuportável peso da despergunta que é timbre de acuados e medrosos, de bajuladores e outros infra-humanos.
Aqui e agora, obriguemo-nos a usar palavras cortantes como pedaços de vidro. As que expõem a revolta que nos consome, as traições que contra nós cometem, as mentiras, falsidades e petas que nos vendem, as farsas que para nós representam, a poeira imunda que nos atiram aos olhos. As que discordam, porque o facto de todos estarem de acordo não transforma o falso em verdadeiro. Ademais a sabedoria desalinha e tende a provocar discórdia; unânime é quae sempre a ignorância. Não há bom senso nas maiorias; caso contrário, teriam razão os milhões de moscas que poisam e vegetam em tudo quanto é dejecto e trampa.
Porque as palavras expressam o que ainda não somos ou não temos, deitemos fora as que ignoram as coisas elevadas e afundam no vazio e perda. Apeguemo-nos às que fazem sol de noite, acendem fogueiras na água, pintam de cores o orvalho, criam plantas no deserto. Usemos com firmeza as que mostram alguns indivíduos iguais a ratos de esgoto, baratas e insectos com propensão a escória e a habitar os desvãos da indecência. As que revelam as lesmas e afins que vegetam na lascívia do ínfimo e rasteiro e abrem caminhos de gosma com a sua conduta. As que apontam os parasitas e toda a casta de sanguessugas da nossa boa-fé, os trapos que resvalam para o nada moral.
Digamos palavras que quebram o silêncio dos ofendidos, falam por eles, são os seus olhos, erguem o chão até ao apogeu infinito e deste fazem matéria de ensino. São essas as da competência mais entendida e sábia em pessoas do que em livros, alicerçadas mais em inutensílios do que no utilitarismo e pragmatismo do quotidiano, mais inclinadas a louvar um poema do que a construção de uma central nuclear.
Nesta Páscoa ressuscitemos as palavras que tomam por gente comum os sujeitos inviáveis, os poetas da sensibilidade essencial, ética, estética e vertical. Elas reinventam o melhor que há em nós e se vai apagando e perdendo, por acção do tempo e corrupção dos seus agentes.
Jorge Olímpio Bento n' A Bola.
Assim gosto de evocar o mérito, o suor, o empenho e dignidade. Amo o desporto e detesto a batota; aprecio a política e abomino a farsa. Subscrevo a definição de «trabalho» que vem nos dicionários económicos: «Esforço individual ou colectivo destinado a produzir um bem ou um serviço». Defendo a «democracia» por me lembrar que ela e o Estado existem por causa das pessoas, que estas são anteriores e criaram aqueles para o seu serviço e dignificação. Por isso recuso a corrupção, mas adiro à sua definição, elaborada pelo velho e sempre actual Aristóteles: «Alteração do estado das coisas, modificação e desvio de conteúdo, originando o desvirtuamento do homem». E também louvo a definição registada nos dicionários da nossa língua: «acto de apodrecer, de estragar ou desnaturar». O leitor por certo partilha o meu gosto e está farto de tapar o nariz ao intenso fedor que lavra no país.
Portanto gosto de palavras que nos incitem a repudiar a corrupção, a tomar a decisão de não permitirmos que ela faça parte do dia-a-dia, de não cairmos na indiferença, resignação, negligência e permissividade. Para não ficarmos podres, desvirtuados, desnaturados, putrefactos, nauseabundos. Eis porque aplaudo atitudes, medidas e palavras que combatam a fraude, o contrabando de influências, a promiscuidade, a hipocrisia, o servilismo, o lambe-botismo, o conúbio das oligarquias que medram com a pobreza e o sofrimento.
Nós somos criação de palavras e frases, até porque «no princípio era o verbo». Escolhamos, pois, as que criam o nosso bom-nome, elevação e honorabilidade. E actuemos de acordo com elas. Avivemos a inquietude, o alerta constante e a interrogação pronta. Alijemos o insuportável peso da despergunta que é timbre de acuados e medrosos, de bajuladores e outros infra-humanos.
Aqui e agora, obriguemo-nos a usar palavras cortantes como pedaços de vidro. As que expõem a revolta que nos consome, as traições que contra nós cometem, as mentiras, falsidades e petas que nos vendem, as farsas que para nós representam, a poeira imunda que nos atiram aos olhos. As que discordam, porque o facto de todos estarem de acordo não transforma o falso em verdadeiro. Ademais a sabedoria desalinha e tende a provocar discórdia; unânime é quae sempre a ignorância. Não há bom senso nas maiorias; caso contrário, teriam razão os milhões de moscas que poisam e vegetam em tudo quanto é dejecto e trampa.
Porque as palavras expressam o que ainda não somos ou não temos, deitemos fora as que ignoram as coisas elevadas e afundam no vazio e perda. Apeguemo-nos às que fazem sol de noite, acendem fogueiras na água, pintam de cores o orvalho, criam plantas no deserto. Usemos com firmeza as que mostram alguns indivíduos iguais a ratos de esgoto, baratas e insectos com propensão a escória e a habitar os desvãos da indecência. As que revelam as lesmas e afins que vegetam na lascívia do ínfimo e rasteiro e abrem caminhos de gosma com a sua conduta. As que apontam os parasitas e toda a casta de sanguessugas da nossa boa-fé, os trapos que resvalam para o nada moral.
Digamos palavras que quebram o silêncio dos ofendidos, falam por eles, são os seus olhos, erguem o chão até ao apogeu infinito e deste fazem matéria de ensino. São essas as da competência mais entendida e sábia em pessoas do que em livros, alicerçadas mais em inutensílios do que no utilitarismo e pragmatismo do quotidiano, mais inclinadas a louvar um poema do que a construção de uma central nuclear.
Nesta Páscoa ressuscitemos as palavras que tomam por gente comum os sujeitos inviáveis, os poetas da sensibilidade essencial, ética, estética e vertical. Elas reinventam o melhor que há em nós e se vai apagando e perdendo, por acção do tempo e corrupção dos seus agentes.
Jorge Olímpio Bento n' A Bola.
Sem comentários:
Enviar um comentário