sábado, 14 de março de 2009

Questão de mérito

Toda a gente sabe que o treinador é o primeiro responsável pelas derrotas. E pelos empates, já agora. E pelas vitórias pírricas, como aquela do ano passado sobre o Schalke 04, que não chegou para evitar o afastamento da Champions na marcação de grandes penalidades. Na verdade, os treinadores são os culpados por tudo o que corre mal e raramente recolhem os créditos pelo que corre bem. Ora, os oitavos-de-final da Liga dos Campeões correram bem ao FC Porto, mesmo tendo corrido mal. Mesmo com a lesão de Fucile no aquecimento do jogo de Madrid, mesmo com o frango monumental de Helton antes do intervalo, mesmo com as inúmeras oportunidades desperdiçadas por Lisandro, Hulk e Rodríguez nos dois jogos, mesmo assim, o FC Porto chegou aos quartos-de-final. E desta vez, o mérito é de Jesualdo Ferreira. Como se pode ler aqui por baixo, foi ele quem desenhou o plano que permitiu anular Forlán e Aguero, que secou Simão e Maxi Rodriguez e que foi capaz de encontrar um caminho entre Leo Franco e os postes da baliza do Atlético de Madrid, deixando o FC Porto entre as oito melhores equipas da Europa com um dos plantéis mais jovens e inexperientes da competição. Claro que haverá sempre quem diga que Jesualdo não é Mourinho, mas é Mourinho que vai ver os quartos num plasma.

Chaves para os quartos

Como é que o FC Porto conseguiu dominar completamente a mesma equipa que no espaço de uma semana venceu o Barcelona e empatou com o Real Madrid no Santiago Bernabéu? Na verdade, há mais do que uma resposta certa para a questão, mas O JOGO encontrou-as quase todas nos apontamentos de Jesualdo Ferreira sobre o Atlético de Madrid, que teve oportunidade de espreitar durante uma conversa com o treinador do FC Porto. Ainda assim, se for mesmo preciso encontrar uma resposta única para o apuramento dos portistas para os quartos-de-final da Liga dos Campeões, ela pode ser encontrada em "A Arte da Guerra" do general chinês Sun Tzu. "Conhece o teu inimigo e conhece-te a ti próprio". De facto, conhecer o Atlético de Madrid, perceber as suas forças e fraquezas e enquadrá-las nas características do plantel portista foi fundamental para o sucesso da eliminatória. Da observação dos jogos dos colchoneros, Jesualdo Ferreira retirou duas ideias-chave: o Atlético de Madrid conta com quatro avançados muito fortes, apoiados num sistema defensivo débil, característico do futebol espanhol e partilhado por técnicos como Quique Flores que utiliza dois pivôs defensivos.

Em contrapartida, no ataque, o Atlético é particularmente forte, muito por culpa da mobilidade dos avançados, com Simão e Maxi a procurarem os espaços interiores, levando consigo os laterais e libertando terreno para as entradas de Aguero e Forlán nas alas. Uma movimentação que o FC Porto tratou de limitar fixando a defesa zonal, indiferente às movimentações da bola e dos jogadores adversários, e jogando num sistema 4+1, com Fernando a juntar-se ao quarteto defensivo para garantir superioridade numérica.

No ataque, em contrapartida, Jesualdo Ferreira fixou Lisandro e Rodríguez em cada uma das faixas, dando a Hulk liberdade... condicional: o avançado progredia livremente mas sempre pelo lado oposto ao da bola. Com isso forçava a abertura da defesa do Atlético, que se via forçado a duplicar a marcação ao jogador com a bola e a fazer o mesmo do lado oposto, onde evoluíam os dois avançados restantes (Hulk e Rodríguez quando Lisandro conduzia a bola, por exemplo). Um sistema que visava a criação de espaços no miolo, "precisamente por onde Lisandro conseguiu marcar o primeiro golo e onde Hulk criou uma oportunidade claríssima", recordou Jesualdo.

Um esquema cujo funcionamento dependeu em grande medida da assimilação dos princípios de jogo defendidos pelo treinador portista e que, de resto, também permitiu ultrapassar os imponderáveis do encontro, como a lesão de Fucile no aquecimento, a de Sapunaru na segunda parte ou o golo sofrido por Helton mesmo antes do intervalo. E a prova de que o plano funcionou encontra-se nos números, com as estatísticas da UEFA a revelarem que, por exemplo, Aguero e Simão não fizeram qualquer remate durante o primeiro jogo, ou que Forlán apenas conseguiu fazer um passe para Aguero enquanto o FC Porto fazia sete remates à baliza contra quatro do adversário.

No segundo jogo, o FC Porto manteve a filosofia, mas o Atlético mudou de esquema, deixando Aguero sozinho no ataque e optando pelo superpovoamento do meio-campo. Uma opção que anulou parcialmente o ataque do FC Porto, mas que também asfixiou o ataque do Atlético, onde Aguero raramente conseguiu incomodar os defesas portistas. Com o regresso à normalidade no segundo tempo, através da entrada de Forlán, o jogo recuperou as características da partida da primeira mão, com o FC Porto a multiplicar as oportunidades de golo.

Jorge Maia n' O Jogo.

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