1 O Ricardo Araújo Pereira, desenterrando um texto meu de Agosto, ao que parece, acha que chegou a altura de se dar credibilidade a Ana Salgado — a irmã da dita cuja e que, interrogada à pressa e madrugada adentro pelo Ministério Público (MP), assinou uma declaração onde desdisse tudo o que andou a dizer nos últimos dois anos e que, jura agora, só disse por estar paga por Pinto da Costa. Pois não me atreveria a dar conselhos sobre humor ao Ricardo (embora, e aproveitando, não resista a dizer-lhe que me parece que o humor dos Gatos anda um bocado por baixo, a começar por aqueles insuportavelmente desengraçados anúncios ao MEO...). Não sei o que perceberá o Ricardo de Direito e julgamentos, mas, se me permite citar a minha experiência de doze anos de advocacia, com muito crime pelo meio, garanto-lhe que nunca vi nem ouvi contar um caso em que o MP, a meio de um julgamento, se tenha apoderado de uma testemunha de defesa e passado a usá-la contra a própria defesa. E que, para tal, um ilustre magistrado se tenha dado ao incómodo de se deslocar de urgência de Lisboa ao norte, para registar por escrito declarações da dita testemunha, madrugada fora, e enviá-las à pressa e por fax para o tribunal.
Eu reconheço que qualquer das duas irmãs do «clã Salgado» (para usar a expressão constante do inesquecível «livro»), são, digamos, donas de uma verdade muito flutuante: ora estão com este, ora com o outro; ora juram por isto, ora pelo seu contrário. Mas isso é problema do MP, que quis desencadear toda esta bernarda do Apito com base em testemunhas desta envergadura. Mas a questão não é essa: a questão é — como eu disse e o Ricardo fez o favor de me recordar — saber porque razão uma testemunha que o MP considerou simples difamadora durante dois anos, passa, afinal, a testemunha decisiva e de última hora, assim que se consegue que inverta a sua verdade, até então ignorada. E porque razão alguém, que vem confessar que andou a mentir durante dois anos porque estava paga para tal, de repente já merece ser acreditada, sem qualquer hesitação. Pergunto eu: e não terá (também ou antes) sido aliciada agora, no decurso desse, imagina-se, dramático interrogatório nocturno em que, tal como S. Paulo na estrada de Damasco, de repente viu a verdade ali diante dos olhos?
Quinta-feira passada, dia seguinte à qualificação do FC Porto para os quartos da Champions (não sei se sabe o que isso é, Ricardo?), eis a notícia ao alto da primeira página do Correio da Manhã: «Pinto da Costa suspeito de subornar testemunha». Mais abaixo, outro título de desporto: «Ronaldo elimina Mourinho». E ainda mais abaixo e em letra mais pequena, enfim: «FC Porto passa aos quartos». Ai o cotovelo, como dói! E, todavia, dois dias antes, no mesmo tribunal de Gaia que julga Pinto da Costa, uma outra testemunha, que se identificou como ex-namorado de Carolina Salgado, veio e contou que um dia, quando estava a almoçar com ela em Lisboa, apareceu o presidente do Benfica, que se sentou e perguntou à senhora: «Então, o que me trazes e quanto queres por isso?» É verdade que Luís Filipe Viera já desmentiu isto e eu tenho esta velha mania de só acreditar em acusações depois de provadas no local adequado. Mas pergunto: se Pinto da Costa é suspeito de subornar uma testemunha porque ela disse tal a um magistrado do MP que a interrogou a sós e noite fora, porque não é suspeito do mesmo Filipe Vieira, quando uma outra testemunha o diz perante um tribunal, sob juramento e sujeita a contra-interrogatório?
(Está a ver, Ricardo: é por fazer perguntas destas, assim tão idiotas, que os benfiquistas se irritam tanto que eu escreva aqui...)
2 Esta semana, o azeite veio mesmo à tona e no fundo mergulharam todas as verdades flutuantes. O Sporting (que teve um grupo feliz de qualificação na Champions), mostrou, de forma transparente, até que ponto a sua dimensão futebolística está a milhas de uns oitavos-de-final da Champions: 25 golos sofridos esta época em cinco encontros com grandes da Europa, não deixam margem para duvidar que o que aconteceu contra o Bayern não foram dois acidentes de percurso, mas sim o reflexo de um espelho que não mente. Só vi o jogo até ao primeiro golo e logo mudei para o Liverpool-Real Madrid, porque cheirou-me a humilhação e não quis vê-la. De nada serviu a lição, porém: quatro dias depois, business as usual, lá estava a SAD do Sporting a fazer mais um comunicado contra uma arbitragem...
Quanto à repousada equipa do Benfica, pejada de anunciadas estrelas (o Di María é um suposto Maradona, o Pablo Aimar, que a mim me parece um banal Roger, é alcunhado de el Mago, e por aí fora...), depois de tantas vitórias à tangente, «tem-te não caias», foi à Figueira, apanhou-se a ganhar aos dois minutos sem saber como e logo recuou toda para defesa, de onde não saiu mais de uma hora a fio, só sendo salva por um livre, dos vários inventados pelo árbitro preferido do presidente do Benfica. E este sábado, lá se dispôs a repetir a fórmula contra um Guimarães que a experiência ensinava ser um adversário amigo e inofensivo — como de facto foi, excepto na única vez em que se decidiu a tentar um golo, por distracção. Enfim, desta vez correu mal e, como disse Quique Flores, «é um milagre que (este) Benfica ainda seja candidato ao título». Li algures que os titulares que tanto se esforçaram contra o Guimarães, coitados, tiveram folga no domingo e folga na segunda. E querem ganhar o quê — o julgamento de Gaia?
Enquanto isso, o FC Porto ganhou tranquilo e autoritário contra o Leixões. Tão tranquilo e tão autoritário que as vozes do costume logo trataram de levantar suspeitas: dois jogadores do Leixões teriam sido aliciados ou estariam já contratados pelo FC Porto. Nada suspeita, claro, fora a derrota, no jogo anterior na Luz, graças a um auto-golo, ou a derrota posterior por 0-4 em Paços de Ferreira. É assim, com esta impune leviandade, que os anti-portistas acham que conseguem explicar aos tolos que aquilo que entra pelos olhos adentro de todos não é verdade. Mas na quarta-feira seguinte, num jogo de risco intenso e de exigência máxima, o FC Porto eliminou o Atlético Madrid (vindo de humilhar o Barcelona e o Real) e só não ganhou porque, nos dois jogos da eliminatória, a sorte não quis nada com o FC Porto. E ei-lo assim na restrita colheita das oito melhores equipas da Europa — onde, por exemplo, não há nenhuma equipa russa, holandesa, francesa ou italiana.
E quando todos os imaginavam exaustos e sem poder ofensivo, devido à ausência de Hulk, o FC Porto arrancou uma primeira parte de campeão, quatro dias depois, contra a Naval, só não acabando o jogo em goleada porque um senhor chamado Cosme achou que o momento aconselhava fazer vista grossa a três penalties contra a Naval, o primeiro dos quais, simplesmente chocante. (Ainda pensei que fosse eu que estava a ver a coisa deformada e, por isso, fui consultar o painel dos três ex-árbitros de O Jogo, e, coisa rara, os três coincidiam nos três lances: todos tinham sido penalty, o guarda-redes ficara por expulsar no primeiro e o Lisandro levara um cartão amarelo, que o afasta do próximo jogo, por supostamente ter simulado um penalty, que existiu mesmo. Auguro um grande futuro na arbitragem a este senhor Cosme, que eu não conhecia. É claro que nada disto entrará para o registo dos erros de arbitragem, tão dissecados quando prejudicam outros. É como na jornada anterior, quando todos concluíram que não tinha tido «casos»: apenas um pequeno «caso», que valeu dois pontos a mais ao Benfica...
3 Caso, caso, é o Helton. Há dois anos, já, que aqui escrevi o que pensava dele: um bom guarda-redes para uma equipa como o Leiria, um guarda-redes insustentável para uma equipa com as ambições do FC Porto. Parece que agora, finalmente, todos começam a ver o óbvio. E o óbvio nem são os erros clamorosos e os golos oferecidos nos jogos de maior responsabilidade. É, por exemplo, isto: constatar que nos dois últimos jogos do campeonato, as duas únicas oportunidades de golo do Leixões e a única da Naval foram criadas pelo Helton, permitindo cabeceamentos frontais à baliza dentro da pequena área, sem nenhuma reacção. É triste, mas é assim, e o Bruno Alves parece que não fica lá para sempre.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
Eu reconheço que qualquer das duas irmãs do «clã Salgado» (para usar a expressão constante do inesquecível «livro»), são, digamos, donas de uma verdade muito flutuante: ora estão com este, ora com o outro; ora juram por isto, ora pelo seu contrário. Mas isso é problema do MP, que quis desencadear toda esta bernarda do Apito com base em testemunhas desta envergadura. Mas a questão não é essa: a questão é — como eu disse e o Ricardo fez o favor de me recordar — saber porque razão uma testemunha que o MP considerou simples difamadora durante dois anos, passa, afinal, a testemunha decisiva e de última hora, assim que se consegue que inverta a sua verdade, até então ignorada. E porque razão alguém, que vem confessar que andou a mentir durante dois anos porque estava paga para tal, de repente já merece ser acreditada, sem qualquer hesitação. Pergunto eu: e não terá (também ou antes) sido aliciada agora, no decurso desse, imagina-se, dramático interrogatório nocturno em que, tal como S. Paulo na estrada de Damasco, de repente viu a verdade ali diante dos olhos?
Quinta-feira passada, dia seguinte à qualificação do FC Porto para os quartos da Champions (não sei se sabe o que isso é, Ricardo?), eis a notícia ao alto da primeira página do Correio da Manhã: «Pinto da Costa suspeito de subornar testemunha». Mais abaixo, outro título de desporto: «Ronaldo elimina Mourinho». E ainda mais abaixo e em letra mais pequena, enfim: «FC Porto passa aos quartos». Ai o cotovelo, como dói! E, todavia, dois dias antes, no mesmo tribunal de Gaia que julga Pinto da Costa, uma outra testemunha, que se identificou como ex-namorado de Carolina Salgado, veio e contou que um dia, quando estava a almoçar com ela em Lisboa, apareceu o presidente do Benfica, que se sentou e perguntou à senhora: «Então, o que me trazes e quanto queres por isso?» É verdade que Luís Filipe Viera já desmentiu isto e eu tenho esta velha mania de só acreditar em acusações depois de provadas no local adequado. Mas pergunto: se Pinto da Costa é suspeito de subornar uma testemunha porque ela disse tal a um magistrado do MP que a interrogou a sós e noite fora, porque não é suspeito do mesmo Filipe Vieira, quando uma outra testemunha o diz perante um tribunal, sob juramento e sujeita a contra-interrogatório?
(Está a ver, Ricardo: é por fazer perguntas destas, assim tão idiotas, que os benfiquistas se irritam tanto que eu escreva aqui...)
2 Esta semana, o azeite veio mesmo à tona e no fundo mergulharam todas as verdades flutuantes. O Sporting (que teve um grupo feliz de qualificação na Champions), mostrou, de forma transparente, até que ponto a sua dimensão futebolística está a milhas de uns oitavos-de-final da Champions: 25 golos sofridos esta época em cinco encontros com grandes da Europa, não deixam margem para duvidar que o que aconteceu contra o Bayern não foram dois acidentes de percurso, mas sim o reflexo de um espelho que não mente. Só vi o jogo até ao primeiro golo e logo mudei para o Liverpool-Real Madrid, porque cheirou-me a humilhação e não quis vê-la. De nada serviu a lição, porém: quatro dias depois, business as usual, lá estava a SAD do Sporting a fazer mais um comunicado contra uma arbitragem...
Quanto à repousada equipa do Benfica, pejada de anunciadas estrelas (o Di María é um suposto Maradona, o Pablo Aimar, que a mim me parece um banal Roger, é alcunhado de el Mago, e por aí fora...), depois de tantas vitórias à tangente, «tem-te não caias», foi à Figueira, apanhou-se a ganhar aos dois minutos sem saber como e logo recuou toda para defesa, de onde não saiu mais de uma hora a fio, só sendo salva por um livre, dos vários inventados pelo árbitro preferido do presidente do Benfica. E este sábado, lá se dispôs a repetir a fórmula contra um Guimarães que a experiência ensinava ser um adversário amigo e inofensivo — como de facto foi, excepto na única vez em que se decidiu a tentar um golo, por distracção. Enfim, desta vez correu mal e, como disse Quique Flores, «é um milagre que (este) Benfica ainda seja candidato ao título». Li algures que os titulares que tanto se esforçaram contra o Guimarães, coitados, tiveram folga no domingo e folga na segunda. E querem ganhar o quê — o julgamento de Gaia?
Enquanto isso, o FC Porto ganhou tranquilo e autoritário contra o Leixões. Tão tranquilo e tão autoritário que as vozes do costume logo trataram de levantar suspeitas: dois jogadores do Leixões teriam sido aliciados ou estariam já contratados pelo FC Porto. Nada suspeita, claro, fora a derrota, no jogo anterior na Luz, graças a um auto-golo, ou a derrota posterior por 0-4 em Paços de Ferreira. É assim, com esta impune leviandade, que os anti-portistas acham que conseguem explicar aos tolos que aquilo que entra pelos olhos adentro de todos não é verdade. Mas na quarta-feira seguinte, num jogo de risco intenso e de exigência máxima, o FC Porto eliminou o Atlético Madrid (vindo de humilhar o Barcelona e o Real) e só não ganhou porque, nos dois jogos da eliminatória, a sorte não quis nada com o FC Porto. E ei-lo assim na restrita colheita das oito melhores equipas da Europa — onde, por exemplo, não há nenhuma equipa russa, holandesa, francesa ou italiana.
E quando todos os imaginavam exaustos e sem poder ofensivo, devido à ausência de Hulk, o FC Porto arrancou uma primeira parte de campeão, quatro dias depois, contra a Naval, só não acabando o jogo em goleada porque um senhor chamado Cosme achou que o momento aconselhava fazer vista grossa a três penalties contra a Naval, o primeiro dos quais, simplesmente chocante. (Ainda pensei que fosse eu que estava a ver a coisa deformada e, por isso, fui consultar o painel dos três ex-árbitros de O Jogo, e, coisa rara, os três coincidiam nos três lances: todos tinham sido penalty, o guarda-redes ficara por expulsar no primeiro e o Lisandro levara um cartão amarelo, que o afasta do próximo jogo, por supostamente ter simulado um penalty, que existiu mesmo. Auguro um grande futuro na arbitragem a este senhor Cosme, que eu não conhecia. É claro que nada disto entrará para o registo dos erros de arbitragem, tão dissecados quando prejudicam outros. É como na jornada anterior, quando todos concluíram que não tinha tido «casos»: apenas um pequeno «caso», que valeu dois pontos a mais ao Benfica...
3 Caso, caso, é o Helton. Há dois anos, já, que aqui escrevi o que pensava dele: um bom guarda-redes para uma equipa como o Leiria, um guarda-redes insustentável para uma equipa com as ambições do FC Porto. Parece que agora, finalmente, todos começam a ver o óbvio. E o óbvio nem são os erros clamorosos e os golos oferecidos nos jogos de maior responsabilidade. É, por exemplo, isto: constatar que nos dois últimos jogos do campeonato, as duas únicas oportunidades de golo do Leixões e a única da Naval foram criadas pelo Helton, permitindo cabeceamentos frontais à baliza dentro da pequena área, sem nenhuma reacção. É triste, mas é assim, e o Bruno Alves parece que não fica lá para sempre.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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