terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

De forma alguma credível

1 - Quinta-feira foi um dia aziago para alguns ilustres benfiquistas e para alguns defensores do Estado da Calúnia contra o Estado de Direito: o Tribunal da Relação do Porto, por voto unânime dos três desembargadores, confirmou a sentença do tribunal de primeira instancia que mandou arquivar o célebre «caso da fruta», envolvendo o jogo FC Porto-Estrela da Amadora (2-0), de 2004, peça central do Apito Dourado. E mandou arquivar porque julgou que a prova decisiva em que se baseava a acusação do Ministério Público- o testemunho de Carolina Salgado- «como é bom de ver, não é de forma alguma credível» e, pelo contrario, não podia nunca ser julgado isento. E, quanto aos supostos «erros de arbitragem» que, segundo o MP, teriam favorecido o FC Porto (num jogo que já só era a feijões), a Relação julgou que «eles não são mais do que aqueles que os agentes de investigação consideraram...por conjectura ou imaginação...e não o resultado da perícia e das declarações dos peritos». E, acrescentaram os juízes, o que a peritagem concluíu foi que «nenhum dos lances que originaram os golos do F C Porto foram precedidos de erros de arbitragem» e, por isso, nunca a acusação poderia concluir que os erros ocorridos «são causa adequada do resultado final quando favorecem o F C Porto, e completamente inóquos quando favorecem o Estrela da Amadora». Para quem sabe ler, o que os desembargadores dizem é que toda a acusação se baseou em preconceitos clubisticos e assentou na credibilidade de uma testemunha que, de todo, a não merece. Ando a escrever isto há dois anos, mas há quem ache que a justiça dos tribunais não presta, a do Comissão Disciplinar da Liga- onde os juízes são escolhidos por influências dos clubes, onde se julga sem contraditório e sem sequer ouvir testemunhas- essa, sim, é que é a verdadeira. Foi isso, por exemplo, que José Manuel Delgado quis dizer, num elucidativo texto aqui, sábado passado e acompanhando uma resumida notícia sobre a sentença da Relação, e no qual ele defendia nas entrelinhas que é uma chatice que a justiça comum tarde em render-se à campanha de moralização do futebol português, tão exemplarmente encabeçada pelo exemplar Sr. Vieira.
Mas convém recordar que este processo da «fruta» já antes tinha sido investigado pelo MP e arquivado por absoluta falta de indícios probatórios. Foi então que o Dr. Pinto Monteiro, acabado de ser nomeado Procurador-Geral da República e interrogado sobre o «livro» «de» Carolina Salgado, respondeu que ia mandar investigar o que lá vinha- assim lhe conferindo, logo, uma credibilidade que não podia saber se a coisa justificava. E nomeou, perante o aplauso de toda a nação benfiquista, uma task-force encabeçada pela Dr.ª Maria José Morgado para investigar o FCPorto e Pinto da Costa- e apenas eles. E a Dr.ª Morgado agarrou-se à pretensa «testemunha» como se Deus falasse pela boca dela. Gastou aos contribuintes milhares e milhares de euros a fazer «proteger» a sua testemunha, dia e noite, por dois seguranças cuja verdadeira função era a de fazer crer que ela poderia estar ameaçada, tal era a importância daquilo que sabia. E obrigou o MP do Porto a reabrir o processo e levar uma acusação a tribunal. O tribunal respondeu com a não-pronúncia dos réus e, vexame máximo, ainda mandou abrir um processo contra Carolina Salgado por crime de «falsidade de testemunho agravado». A Dr.ª Morgado entendeu recorrer para a Relação e a Relação acaba de lhe dar a resposta que merecia e que, houvesse algum sentido de responsabilidade, deveria levar o Sr. Procurador-Geral e a Sr.ª Procuradora, pelo menos, a pedir desculpas públicas.

Mas, não. Tudo continuará na mesma. Como se nada se tivesse passado, continuarão a escrever sobre o «Apito Dourado» e a «fruta» como verdade estabelecida, continuarão a tentar que a «justiça desportiva» consiga excluir o FC Porto da Liga dos Campeões, em benefício do Benfica. E o Sr. Vieira, verdadeiro criador da criatura caída em descrédito e genuíno paradigma do fair-play, continuará a dizer que a hegemonia do FC Porto nos últimos 20 anos se deve apenas a batota. Como aliás o demonstra a comparação entre as carreiras europeias do Benfica e do FC Porto nos últimos 20 anos...

2 - Tive o saudável bom-senso de me pirar daqui na altura crítica deste clima de histeria, quando, no espaço de doze dias, ao FC Porto coube defrontar os três clubes de Lisboa: Belenenses, Benfica e Sporting. Dos três jogos só soube à distância e não vi nada, depois, senão os dois cruciais lances do Dragão. Mas deixei os jornais guardados e fartei-me de sorrir ao lê-los. E então, do pouco que vi e li, constatei o seguinte:

— em Alvalade, houve dois penalties do Sporting contra o Porto, que viraram o resultado (há trinta anos que é assim...). Na página 11 da edição de 5/02 de A BOLA vêm as respectivas fotografias. Na primeira, não se vê rigorosamente nada que possa justificar um penalty, mas a legenda diz que se deve «dar o benefício da dúvida ao árbitro». Na segunda, vê-se o Sapunaru no chão, com uma mão pousada suavemente sobre a anca de Postiga e a legenda reza que foi «penalty claro» ( a fazer lembrar a mão pousada no ombro do João Moutinho e que também foi «penalty claro» no Sporting-Porto para o campeonato);

— na edição de 9/02, vêm duas fotografias do penalty do Dragão, onde, tal como nas imagens televisivas, se vê claramente a mão de Yebda tentando travar Lisandro pela barriga. A legenda, porém, diz que foi só um «toque» e quando ele já estava em queda (a cuja não se vê de todo). Ora, eu até concedo que aquela mãozinha não chegasse para justificar um penalty; o que não percebo é como é que os três penalties de Alvalade são claros ou merecem o benefício da dúvida e aquele seja um «roubo» evidente...

— evidente, evidente, é que aos 19 minutos do jogo do Dragão, Reyes rasteirou Lucho dentro da área. Ele foi ao chão e levantou-se, prosseguindo a jogada e dando ao árbitro mais do que tempo para se lembrar de que não há lei da vantagem em caso de penalty. Ou seja, o árbitro do Dragão errou primeiro contra o FC Porto e depois contra o Benfica. Não entendi, assim, porque fizeram desta arbitragem mais um caso para o «Apito Dourado» e porquê que o José Manuel Delgado teve logo de ir ouvir Luís Filipe Vieira em mais uma «entrevista exclusiva», para dizer o mesmo de sempre- ele, que até nem vê os jogos.

3 - E anteontem, infelizmente (eu odeio penalties, desde a infância, onde enjoei de os ver na Luz e em Alvalade e sempre, sempre, para o mesmo lado...), um FC Porto com um ataque reduzido ao génio de Hulk e à absoluta inutilidade de Mariano e Farias, só conseguiu inaugurar o marcador contra o último classificado e no Dragão, através de um penalty que, vendo na televisão, ninguém de boa-fé pode dizer se existiu ou não. Mas logo estava a receber uma mensagem de um amigo benfiquista garantindo que, na sua televisão, tinha sido mais um «roubo» evidente. E, embora três minutos depois, só o árbitro e o fiscal-de-linha não tenham visto a bola dentro da baliza do Rio Ave, seguiu-se nova mensagem a garantir-me que também aquele árbitro estava comprado. Depois do Benfica-Porto, li alguns benfiquistas queixarem-se de que tinham sido vítimas do «excesso de isenção» de um árbitro sabidamente benfiquista. Mas, curiosamente, só se queixaram da nomeação depois e não antes do jogo: antes, não lhes ocorreu estranhar que para um Porto-Benfica onde muito do campeonato se podia decidir, tenham escolhido um árbitro que é sócio do Benfica. Olha se fosse sócio do Porto, o que não diriam!

Aliás, acho que seria útil que a direcção do Benfica encarregasse o João Gabriel de anunciar publicamente a short-list dos raríssimos árbitros que, à imagem do seu próprio presidente, consideram sérios. E Vítor Pereira faria o favor de só nomear esses dois ou três para todos os jogos do Benfica e do Porto.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

1 comentário:

dragao vila pouca disse...

Notável artigo, de um Miguel proençado - de Maitê.

Tivessem outros portistas que escrevem nos jornais, a coragem e o desprendimento do Miguel e outro galo cantaria.

Beijinhos