Entrevista de MÁRIO JARDEL a Fernando Urbano, publicada n' A Bola de hoje:
FORTALEZA — Tinha o sonho de ser campeão pelos três grandes, mas só o foi em dois. Mário Jardel diz que a passagem em Alvalade foi a mais marcante, pelos 42 golos marcados em 2001/02 no campeonato. Mas foi no FC Porto que teve a maior sensação de vitória. As confissões de Supermário que se declara livre das drogas
QUE palavra lhe vem à memória quando se recorda de Portugal, onde viveu bons momentos e outros complicados?
— Vitória. Foi a fase mais marcante da minha carreira e não é à toa que ganhei o prémio de A BOLA para o melhor estrangeiro de sempre do futebol português.
— Qual o seu golo mais bonito?
— Um em que driblei e marquei de letra frente ao Juventude de Évora [17 Dezembro de 1997]. Nesse jogo fiz sete golos em 45 minutos.
— E o mais importante da carreira?
— Na final da Supertaça europeia, pelo Galatasaray. Marquei o golo da vitória frente ao Real Madrid. E também aqueles que marquei pelo FC Porto ao Milan, em San Siro.
— Qual era o seu segredo?
— A movimentação dentro da área, o dom que Deus me deu e cabecear de olhos abertos.
— Um dos seus movimentos era clássico: dava um passo para a frente e logo um ou dois para trás...
— É simples: o central está a olhar para a bola, não é? Então não pode ver as duas coisas: a bola e eu. Eu metia-me entre o central e o lateral em posição de marcar, geralmente ao segundo poste. Tinha muita manha [risos].
— Outro dos seus movimentos típicos era a facilidade em jogar na linha do fora-de-jogo...
— Colocava-me de propósito em posição irregular, mas depois dava sempre um passo para me colocar em linha com o último defesa. Consegui fazer muitos golos assim...
— Qual o defesa que lhe provocou mais dificuldades?
— Nenhum. E chegaram a bater-me!
— Recorda-se da sua maior vítima?
— O Salgueiros, Jorge Silva era o guarda-redes.
«SPORTING FOI MAIS MARCANTE»
— Nunca se arrependeu de ter saído do FC Porto?
— Não. Queria ver outros campeonatos, viver noutros locais. Além disso, consegui o melhor contrato da minha carreira.
— Acabou por ficar só um ano no Galatasaray...
— E tinha seis anos de contrato, ia ganhar um balúrdio durante esse tempo! Mas o presidente disse-me que tinham de me vender. Surgiu o FC Porto e o Marselha, mas não deu certo e acabei por ir para o Sporting.
— A ganhar menos...
— Menos de metade do que ganhava no Galatasaray.
— Outra decisão de que não se arrepende?
— Não, pelo contrário. Porque queria ser melhor marcador e campeão. Consegui isso no Sporting.
— De onde guarda melhores recordações: FC Porto ou Sporting?
— O Sporting foi mais marcante. Marquei 42 golos no campeonato, apenas numa época. E hoje em dia alguém que queira marcar tantos golos em Portugal tem de ter uma bunda maior que a minha. Mas em termos de sentimento de vitória, foi o FC Porto. É um clube que dá uma sensação de segurança aos jogadores.
— Por esse motivo, e pelas situações negativas que posteriormente passou na sua vida, não teria sido melhor ficar mais tempo no FC Porto? Não seria o clube ideal?
— Estava cansado do FC Porto. Mas se tivesse lá ficado 10 anos viria a ser ainda mais idolatrado que o Pinto da Costa!
A ESTÁTUA AO LADO DE EUSÉBIO
— Continua frustrado por nunca ter jogado no Benfica?
— Sim. Trata-se de um grande clube. Imagine se eu tivesse feito no Benfica o que fiz no FC Porto: teria lá uma estátua ao lado do Eusébio!
— Teve possibilidades de ir...
— Mas nunca fui, por causa de empresários, que sempre tiveram olho grande. Só de pensar nisso fico desgastado, perceber que o mundo do futebol é gerido à base de interesses. Olha-se pouco para os jogadores, quando estes são os verdadeiros artistas.
— Nesse caso, porque não tentou tratar do seu próprio futuro a partir de certo momento?
— Se soubesse o que sei hoje, teria feito as coisas directamente com os dirigentes, sem passar por empresários. Tal como aconteceu com o convite de Manuel Vilarinho para jogar no Benfica, antes das eleições.
— Vilarinho ganhou as eleições, você acabou por não jogar na Luz e abdicou de uma indemnização a troco de um acordo para o seu irmão George assinar pelo Benfica...
— É verdade, perdi dinheiro, mas fui influenciado e não quero falar nisso.
— O que ainda vale como jogador?
— Ainda tenho dois ou três anos para dar ao futebol. O meu valor é indiscutível, mas tenho o azar de só poder jogar em equipas de maior dimensão, que estejam sempre a enviar bolas para a área.
— Como se imagina daqui a 10 anos?
— Com uma vida estabilizada e com uma carreira de empresário de jogadores. Acredito no meu olho para descobrir talentos.
LIMPO DAS DROGAS GRAÇAS... A DEUS
— Sente que a sua credibilidade em Portugal ficou manchada?
— Sim. Pedi desculpas, humilhei-me, mas mesmo assim nunca mais tive oportunidades a sério em Portugal.
— Porque decidiu dar uma entrevista, em Abril, confessando o uso de drogas vários anos?
— Saiu naturalmente. Foi uma terapia para mim mesmo, tinha consciência de que era hora de dizer «basta» às drogas, sabendo que isso me fazia mal.
— Tudo ficou pior quando Scolari o deixou de fora do Mundial 2002... Foi a maior desilusão da sua carreira?
— Sim. Em 2002 fui o jogador com mais golos em todo o Mundo, a estatística não mente. E não ser chamado ao Mundial? A partir daí juntaram-se os problemas particulares e comecei a ficar todo lixado da cabeça.
— O que diria a uma criança que soubesse da sua história, a boa e a má, e quisesse ser como o Jardel?
— Diria que não faça as coisas erradas que fiz, que procure os seus objectivos com fé, humildade. E também é preciso que tenha alguma sorte, porque Deus não chega para todos.
— Está definitivamente limpo das drogas?
— Sim, graças a Deus.
— Nesse tempo em que andava com a cabeça à roda nunca procurou a ajuda dos seus colegas?
— Não. É tudo uma questão do momento. Quando estás bem, toda a gente te liga, faz festas nas costas. Mas depois de eu ter assumido a porcaria que fiz, toda a gente fugiu. Os meus amigos resumem-se à minha família e ao meu empresário, André Irulegui.
— Mas houve quem tentasse ajudá-lo...
— Rodolfo Moura, tal como Ribeiro Telles. Mal eu estava muito mal e continuava a fazer porcaria. Mas felizmente que isso já passou.
— Como têm sido estes anos?
— Melhores, desde que conheci o André Irulegui. É um pai, um empresário raro no Mundo, amigo dos jogadores, uma pessoa séria.
— Qual a sua maior preocupação no presente?
— Ter estabilidade e poder ter uma última oportunidade para jogar, de preferência num clube de dimensão elevada.
— Se isso não acontecer voltará a refugiar-se na má vida?
— Já caí nessa armadilha. Agora estou mais forte, sei que o dinheiro acaba e que não posso continuar a fazer merda. Vou tentar criar uma academia em Fortaleza para jovens jogadores e tentar enviar jogadores para a Europa.
FORTALEZA — Tinha o sonho de ser campeão pelos três grandes, mas só o foi em dois. Mário Jardel diz que a passagem em Alvalade foi a mais marcante, pelos 42 golos marcados em 2001/02 no campeonato. Mas foi no FC Porto que teve a maior sensação de vitória. As confissões de Supermário que se declara livre das drogas
QUE palavra lhe vem à memória quando se recorda de Portugal, onde viveu bons momentos e outros complicados?
— Vitória. Foi a fase mais marcante da minha carreira e não é à toa que ganhei o prémio de A BOLA para o melhor estrangeiro de sempre do futebol português.
— Qual o seu golo mais bonito?
— Um em que driblei e marquei de letra frente ao Juventude de Évora [17 Dezembro de 1997]. Nesse jogo fiz sete golos em 45 minutos.
— E o mais importante da carreira?
— Na final da Supertaça europeia, pelo Galatasaray. Marquei o golo da vitória frente ao Real Madrid. E também aqueles que marquei pelo FC Porto ao Milan, em San Siro.
— Qual era o seu segredo?
— A movimentação dentro da área, o dom que Deus me deu e cabecear de olhos abertos.
— Um dos seus movimentos era clássico: dava um passo para a frente e logo um ou dois para trás...
— É simples: o central está a olhar para a bola, não é? Então não pode ver as duas coisas: a bola e eu. Eu metia-me entre o central e o lateral em posição de marcar, geralmente ao segundo poste. Tinha muita manha [risos].
— Outro dos seus movimentos típicos era a facilidade em jogar na linha do fora-de-jogo...
— Colocava-me de propósito em posição irregular, mas depois dava sempre um passo para me colocar em linha com o último defesa. Consegui fazer muitos golos assim...
— Qual o defesa que lhe provocou mais dificuldades?
— Nenhum. E chegaram a bater-me!
— Recorda-se da sua maior vítima?
— O Salgueiros, Jorge Silva era o guarda-redes.
«SPORTING FOI MAIS MARCANTE»
— Nunca se arrependeu de ter saído do FC Porto?
— Não. Queria ver outros campeonatos, viver noutros locais. Além disso, consegui o melhor contrato da minha carreira.
— Acabou por ficar só um ano no Galatasaray...
— E tinha seis anos de contrato, ia ganhar um balúrdio durante esse tempo! Mas o presidente disse-me que tinham de me vender. Surgiu o FC Porto e o Marselha, mas não deu certo e acabei por ir para o Sporting.
— A ganhar menos...
— Menos de metade do que ganhava no Galatasaray.
— Outra decisão de que não se arrepende?
— Não, pelo contrário. Porque queria ser melhor marcador e campeão. Consegui isso no Sporting.
— De onde guarda melhores recordações: FC Porto ou Sporting?
— O Sporting foi mais marcante. Marquei 42 golos no campeonato, apenas numa época. E hoje em dia alguém que queira marcar tantos golos em Portugal tem de ter uma bunda maior que a minha. Mas em termos de sentimento de vitória, foi o FC Porto. É um clube que dá uma sensação de segurança aos jogadores.
— Por esse motivo, e pelas situações negativas que posteriormente passou na sua vida, não teria sido melhor ficar mais tempo no FC Porto? Não seria o clube ideal?
— Estava cansado do FC Porto. Mas se tivesse lá ficado 10 anos viria a ser ainda mais idolatrado que o Pinto da Costa!
A ESTÁTUA AO LADO DE EUSÉBIO
— Continua frustrado por nunca ter jogado no Benfica?
— Sim. Trata-se de um grande clube. Imagine se eu tivesse feito no Benfica o que fiz no FC Porto: teria lá uma estátua ao lado do Eusébio!
— Teve possibilidades de ir...
— Mas nunca fui, por causa de empresários, que sempre tiveram olho grande. Só de pensar nisso fico desgastado, perceber que o mundo do futebol é gerido à base de interesses. Olha-se pouco para os jogadores, quando estes são os verdadeiros artistas.
— Nesse caso, porque não tentou tratar do seu próprio futuro a partir de certo momento?
— Se soubesse o que sei hoje, teria feito as coisas directamente com os dirigentes, sem passar por empresários. Tal como aconteceu com o convite de Manuel Vilarinho para jogar no Benfica, antes das eleições.
— Vilarinho ganhou as eleições, você acabou por não jogar na Luz e abdicou de uma indemnização a troco de um acordo para o seu irmão George assinar pelo Benfica...
— É verdade, perdi dinheiro, mas fui influenciado e não quero falar nisso.
— O que ainda vale como jogador?
— Ainda tenho dois ou três anos para dar ao futebol. O meu valor é indiscutível, mas tenho o azar de só poder jogar em equipas de maior dimensão, que estejam sempre a enviar bolas para a área.
— Como se imagina daqui a 10 anos?
— Com uma vida estabilizada e com uma carreira de empresário de jogadores. Acredito no meu olho para descobrir talentos.
LIMPO DAS DROGAS GRAÇAS... A DEUS
— Sente que a sua credibilidade em Portugal ficou manchada?
— Sim. Pedi desculpas, humilhei-me, mas mesmo assim nunca mais tive oportunidades a sério em Portugal.
— Porque decidiu dar uma entrevista, em Abril, confessando o uso de drogas vários anos?
— Saiu naturalmente. Foi uma terapia para mim mesmo, tinha consciência de que era hora de dizer «basta» às drogas, sabendo que isso me fazia mal.
— Tudo ficou pior quando Scolari o deixou de fora do Mundial 2002... Foi a maior desilusão da sua carreira?
— Sim. Em 2002 fui o jogador com mais golos em todo o Mundo, a estatística não mente. E não ser chamado ao Mundial? A partir daí juntaram-se os problemas particulares e comecei a ficar todo lixado da cabeça.
— O que diria a uma criança que soubesse da sua história, a boa e a má, e quisesse ser como o Jardel?
— Diria que não faça as coisas erradas que fiz, que procure os seus objectivos com fé, humildade. E também é preciso que tenha alguma sorte, porque Deus não chega para todos.
— Está definitivamente limpo das drogas?
— Sim, graças a Deus.
— Nesse tempo em que andava com a cabeça à roda nunca procurou a ajuda dos seus colegas?
— Não. É tudo uma questão do momento. Quando estás bem, toda a gente te liga, faz festas nas costas. Mas depois de eu ter assumido a porcaria que fiz, toda a gente fugiu. Os meus amigos resumem-se à minha família e ao meu empresário, André Irulegui.
— Mas houve quem tentasse ajudá-lo...
— Rodolfo Moura, tal como Ribeiro Telles. Mal eu estava muito mal e continuava a fazer porcaria. Mas felizmente que isso já passou.
— Como têm sido estes anos?
— Melhores, desde que conheci o André Irulegui. É um pai, um empresário raro no Mundo, amigo dos jogadores, uma pessoa séria.
— Qual a sua maior preocupação no presente?
— Ter estabilidade e poder ter uma última oportunidade para jogar, de preferência num clube de dimensão elevada.
— Se isso não acontecer voltará a refugiar-se na má vida?
— Já caí nessa armadilha. Agora estou mais forte, sei que o dinheiro acaba e que não posso continuar a fazer merda. Vou tentar criar uma academia em Fortaleza para jovens jogadores e tentar enviar jogadores para a Europa.
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