terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

(Des)enganos

LIGUEI a TV, percebi que lhe perguntaram sobre Lisandro, se deveria ser castigado por ter enganado Pedro Proença contra o Benfica – e ouvi Quique Flores dizer que como jogador também fizera simulações assim, mas agora só se preocupava com «as tácticas e as convocações», que por questões «burocráticas» não entrava. Pum! E a minha cabeça foi, em rodopio, parar ao Catch 22 de Heller. A Yossarian, o piloto de bombardeiro da US Air Force que na ilha de Pianosa descobriu que a dirigi-lo estava comandante comicamente inepto, falsete que lhe prometia que após determinado número de missões voltaria a casa mas nunca voltava porque catch 22 era regra que determinava que só seria desmobilizado se enlouquecesse e se requeresse dispensa por essa via dava sinal de lucidez, logo teria de voar - ou morrer. A Major Major Major (sim, era nome de baptismo!), comandante dos comandantes, que a major subiu no primeiro dia de carreira graças a falha no sistema informático. A Milo Minderbinder, o oficial da messe, que enriqueceu dominando mercados negros de bens e consciências, assinando até contrato com alemães para bombardearem o seu próprio esquadrão. A Doc Daneeka, o médico que depois de erro burocrático lhe decretar «baixa por morte» andou em afã para provar que estava vivo e glorioso, ninguém lhe dando crédito – nem a mulher, deliciada com o cheque que todos os meses lhe calhava do seguro de vida. Não, Catch 22 não é romance sobre a II Guerra Mundial – é sobre o absurdo, o videirismo, a manigância, as tropelias do poder. Como o futebol que se joga fora de campo em Portugal se povoa de figuras como as de Heller: espectro largo de excêntricos, hipócritas, manipuladores – gostei de ver Quique, sério e livre, despachar numa frase a ideia de que o que o futebol tem de sublime e apaixonante também lhe vem da arte do engano, que pode estar, metáforica, na Mão de Deus de Maradona ou no penalty de Chalana contra a URSS ou... ou... ou...

António Simoões n' A Bola.

1 comentário:

dragao vila pouca disse...

Minha cara Ana, excelente artigo sem dúvida, do A.Simões, o único jornalista de A Bola que tem a hombridade de me responder aos mails.

Ah, a anedota do cigano e do burro, está de mais e vou um dia destes publicá-la num post.
Beijinhos