sexta-feira, 12 de março de 2010

Um desenlace fatal
Por
RUI MOREIRA

NA semana passada, abordei as questões estruturais que têm comprometido a época futebolística do FC Porto. Não me alonguei, porque faltava o jogo com o Arsenal que, afinal, só confirmou as minhas sombrias expectativas. Agora, já nada de importante se pode esperar desta triste época.
O que falhou, então? Tem sido dito, e repetido, que as saídas de Lucho e Lisandro marcaram a época, e não se pode iludir que essas ausências, a par da Hulk, criaram um problema complicado a Jesualdo. Ainda assim, e reconhecendo que o Benfica se reforçou, isso não explica que o FC Porto esteja já arredado de chegar, sequer, ao 2.º lugar que sendo o primeiro dos últimos, ainda assim abre as portas da Liga dos Campeões. Pior, não explica a débacle nos jogos mais importantes da época e que chegue a esta altura com uma equipa arruinada.

Será fácil, agora, cair na tentação de condenar Jesualdo por tudo o que sucedeu, esquecendo o seu palmarés no clube. Creio que Jesualdo conseguiu adiar com mérito e esconder com carácter a falência de um modelo de gestão desportiva que há muito se pressentia, e sobre o qual algumas vezes escrevi. Aliás, para aquilatar da dimensão do problema, basta comparar a qualidade dos plantéis portista e benfiquista, que têm um orçamento idêntico.

Durante os últimos anos, o FC Porto vendeu os seus melhores activos, e fez bons negócios nessas vendas. O problema é que por troca de cada um desses atletas, contratou, em média, três ou quatro reforços de valor variável e discutível, e por critérios que Jesualdo só por lealdade terá apadrinhado. Ou seja, a renovação da equipa foi fragilizando a sua estrutura sem diminuir o seu custo. É certo que Jesualdo desperdiçou alguns talentos, como é o caso de Bolatti, mas em dezenas de atletas que lhe passaram pela mão, seria injusto criticar o treinador por alguns erros de avaliação, quando se percebe que Benítez e Prediger por exemplo, e para não falar de alguns que ainda estão no plantel, foram investimentos em que a análise custo-benefício foi claramente negativa. Por outro lado, a saída de alguns dos melhores abriu uma outra ferida: desmotivou aqueles que sonhavam com outros voos e que tiveram de ficar, como é o caso conhecido de Bruno Alves e, suspeito, de Meireles.

Foi com a equipa desmotivada, acabrunhada e insegura que Jesualdo partiu para Londres. Depois de Alvalade e do Olhanense, apercebera-se que não tinha, em Tomás Costa, uma alternativa a Fernando. Abdicou dos automatismos que são um dos seus dogmas, e apresentou uma equipa com um jogador em que nunca apostara, e numa posição que este não conhece, e voltou a insistir em Hulk, que há meses não joga regularmente. Com as linhas distantes, o meio campo vazio e uma defesa desarticulada e sem rotinas, apresentou aos ingleses uma apetecível auto-estrada. O resultado era inevitável e só Helton evitou que ele tivesse outras proporções.

Erros individuais ou colectivos?
JESUALDO tentou explicar a derrota através de erros individuais. Com todo o respeito, creio que essa explicação não coincide com o que sucedeu, ainda que os dois primeiros golos tenham tido origem em erros infantis. Se a equipa foi goleada apesar de Helton ter sido o seu melhor jogador, é porque também houve um erro colectivo e um erro táctico, como se viu na primeira parte em que o recuo de Nuno André Coelho para terceiro central, sabe-se lá se por estratégia ou vocação individual, deixou Meireles e Rúben à deriva, num meio campo dominado por cinco ingleses. O FC Porto perdeu porque jogou abaixo das suas capacidades e, convenhamos, porque o seu adversário era muito, muitíssimo mais forte.

Uma armadilha fatal?
EM finais da época passada, a renovação de Jesualdo no FC Porto transformara-se num tabu. Dizia-se, e creio que com verdade, que Jesus estava apalavrado para vir para o Dragão, mas o jogo em Manchester trocou as voltas à SAD. Nessa altura, alguns dos principais jogadores saíram em defesa do seu treinador, apelando à sua manutenção. Um facto inédito nos anais do clube, desde que Pinto da Costa chegou à liderança. Vieira não perdeu tempo e raptou o treinador que muitos já imaginavam no Dragão e o FC Porto renovou, por dois anos, com Jesualdo. Mas é lícito perguntar se o treinador não terá ficado refém desse apoio do núcleo duro, que mesmo que tenha sido espontâneo, lhe retirou autoridade.

A solução para o futuro
DEPOIS das mais-valias nas vendas, acrescidas das que resultariam da venda do passe de Bruno Alves, esta poderia ter sido uma época sabática, dedicada à construção de uma nova equipa, incluindo jogadores da formação, aceitando-se que esse investimento não desse frutos imediatos. Em vez disso, apostou-se num modelo híbrido. Não houve resultados e ninguém acredita que esta equipa esteja a crescer. Por isso, foi uma época duplamente perdida. Para o futuro, a SAD deve optar por um investimento à Benfica, com os riscos que comporta, ou por maximizar a formação e construir uma nova equipa. É essa escolha estratégica que deve preceder e determinar o perfil do treinador.

Uma morte anunciada
PARA isso, Pinto da Costa deve ordenar a autópsia a este modelo de gestão. Verificará, então, que não se tratou de um caso de morte súbita. A doença vem de trás, e o desfecho só foi adiado pela competência de Jesualdo na aplicação de cuidados paliativos e pela falta de concorrência interna. Perceberá também que quem a tentou ocultar, dissimulando os seus sintomas, tem mais culpas no cartório do que quem ousou apontar o dedo a alguns dos seus sintomas mais visíveis. Se, pelo contrário, Jesualdo e a equipa servirem de bode expiatório para apaziguar a ira dos adeptos, e tudo ficar na mesma, temo que esta crise conjuntural se possa transformar num insolúvel problema estrutural.

Rui Moreira n' A Bola.

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