JÁ várias vezes disse que tenho muito respeito profissional por Jesualdo Ferreira. Acho que ele teve até agora vários méritos no FC Porto — para além do mérito evidente de três campeonatos e três presenças nas eliminatórias da Liga dos Campeões, em três anos de trabalho. Primeiro, repôs a normalidade táctica no futebol da equipa, depois das experiências delirantes do delirante Adriaanse; depois, soube fazer crescer jogadores hoje decisivos, como Bruno Alves, Varela ou o saudoso Lisandro; e, enfim, resistiu, ano após ano, ao desfalque sistemático dos melhores jogadores da equipa, por força da apetência negocial da administração da SAD e em obediência à sua regra de oiro: «vendemos três bons e compramos dez maus».
Mas também várias vezes disse que há coisas em Jesualdo que se tornam difíceis de entender e aceitar, a começar pela sua teimosia e previsibilidade: ele não dança conforme a música, mas conforme o seu plano de dança — e não muda, mesmo que a orquestra esteja a tocar uma valsa e ele insista em dançar um tango. A coisa começa pela escolha dos parceiros de dança: Jesualdo não gosta de mudar de par, ainda que o parceiro escolhido não saiba pôr um pé à frente do outro. No sábado, por exemplo, contra o Olhanense, Jesualdo assistiu pela centésima vez à absoluta inutilidade do Mariano González, mas manteve-o de princípio a fim, atrapalhando tudo e todos. E, do outro lado, brilhava o Ukra, sob contrato com o FC Porto e que ele não quis recuperar em Janeiro. Como a seguir, no Vitória de Setúbal-Braga, brilharam o Hélder Barbosa e o Alan, ou como quinta-feira brilhou o Vierinha pela selecção Sub-23. E a estes poderíamos ainda acrescentar o Candeias, o Rabiola, o Pitbull — tudo extremos dispensados por Jesualdo e que são todos, sem excepção, infinitamente melhores do que o triste González. Outro exemplo: precisou de ver o Maicon oferecer dois golos no primeiro quarto de hora de jogo para, quem sabe, começar talvez a pensar que a alternativa aos centrais titulares se chama Nuno André Coelho e ficou sentado no banco. E o mesmo se diga do miúdo Sérgio Oliveira, culpado de ter deixado todos com água na boca nas raríssimas oportunidades que Jesualdo lhe deu, e obrigado a ficar no banco asssistindo à miserável prestação de um trio de meio campo formado pelos confrangedores Valeri, Belluschi e Guarín. Em quatro anos de FC Porto, Jesualdo Ferreira não aproveitou um só jovem vindo da «cantera» — apenas algumas vezes lhes criou ilusões e lhes deu falsas oportunidades, antes de rapidamente os despachar para a concorrência. Sobretudo, se acumularam o azar de serem portugueses e não argentinos.
A mim, parece-me que o futebol não é assim tão complicado. Pouco ou nada percebo de tácticas e estratégias, mas, caramba, acho que não é nenhum bico-de-obra perceber quando é que um jogador é bom ou quando não presta. Basta ver como domina a bola, como a transporta, como decifra o jogo e resolve cada situação, como remata, como cabeceia, como se desmarca, como passa. Não é preciso ser nenhuma luminária para perceber que um Guarín não faz a mais pálida ideia do que anda a fazer em campo; que o Mariano tem uma permanente expressão de tristeza que é o espelho do futebol que ele próprio sabe que está ao seu alcance; que o Belluschi tem pose de pavão mas a eficácia em voo de um avestruz. Olha-se para o plantel do FC Porto e a mim parece-me evidente o que ali está. Estão oito bons jogadores: o quarteto defensivo (Fucile, Álvaro Pereira, Bruno e Rolando), o trio atacante (Hulk, Varela e Falcao), e apenas um centro-campista, recentemente acrescentado (Ruben Micael). Depois, há três jogadores que umas vezes jogam bem, outras mal: Fernando, Meireles e Rodriguéz. Um trio de guarda-redes banal, as tais duas esperanças por confirmar (Nuno André e Sérgio Oliveira) e, enfim, aquela funesta leva de latino-americanos que Jesualdo adora e que são uma fonte de despesas e frustrações sem fim: Mariano, Guarín, Tomás Costa, Valeri, Belluschi, Farías e Prediger. Parece que, desta leva, o único que afinal valia alguma coisa é o único que Jesualdo dispensou: Bolatti, agora titular na Fiorentina e na selecção argentina. Convenhamos que o professor tem um critério singular.
Eu percebo que Jesualdo tivesse de fazer poupanças contra o Olhanense, a pensar no Arsenal. Não percebo é a lógica de poupar antes de fazer o resultado, arriscando-se depois a ficar sem resultado e sem poupança: não era melhor ter metido o Varela desde início e tê-lo tirado depois de estar a ganhar 2-0, do que tê-lo poupado de início para ter de o meter a seguir a estar a perder 0-2? Era: o problema é que, apesar de tantas e tantas demonstrações da sua absoluta ineficácia, Jesualdo continua a manter a fé naquele patético quinteto latino-americano que habita no meio campo e arredores. E, mesmo depois da oportunidade de os experimentar bem naquela série de quatro ou cinco jogos contra equipas de terceira linha, em Janeiro, depois de ter ficado exposto à saciedade que dali não viria nenhuma boa nova, o professor teima em acreditar em milagres e em imaginar que pode disputar a sério o campeonato e a Europa com os Guaríns e Marianos.
Uma equipa de top em Portugal, que aspire também a fazer figura na Europa, precisa de ter, pelo menos, onze bons jogadores e sete razoáveis. Este FC Porto tem oito bons e três razoáveis: é curto. É certo que ninguém pode saber se a responsabilidade principal pelo plantel que está à vista é de Jesualdo Ferreira ou de Adelino Caldeira. Mas os dispensados são responsabilidade do treinador; a opção em não apostar nos que vêm da formação é responsabilidade sua; a teimosia nas mesmos alternativas com os suplentes de sempre, e que nunca resultam, é responsabilidade sua; a incapacidade de mudar as coisas a partir do banco, de não fazer substituições apenas por fazer e de não ser capaz de as fazer antes e não depois de estar em estado de necessidade, é responsabilidade sua.
Logo à noite, contra o Arsenal, a equipa só pode ser esta: Helton (já que tem de ser...), Fucile, Rolando, Bruno Alves e Álvaro Pereira; Raul Meireles, Fernando e Ruben Micael; Hulk, Falcao e Varela. No banco, professor, por favor sente: Beto, Miguel Lopes, Nuno André Coelho, Sérgio Oliveira e Cristian Rodriguéz. E, se quiser fazer número, acrescente o Belluschi — que, à falta de alternativa, entrará para o lugar de Fernando, se este não estiver em condições, recuando o Raul para trinco. E ganhe a eliminatória hoje, salve a época e para o ano reveja com atenção esse problema do meio campo e da falta de mais um extremo de raiz. E peça ao Dr. Caldeira que vá de férias para bem longe, quando chegar a altura das contratações.
PS 1 — Até que enfim que a Selecção Nacional tem um equipamento que dá gosto ver! As cores da bandeira (uma das mais feias do mundo, tal como o hino) não ajudam, mas décadas de ditadura do encarnado tornaram o equipamento horrível. Agora, que o Glorioso Benfica não tem um único jogador na Selecção (embora o Quim lá merecesse estar e a titular), já era altura de parar com a vassalagem nos equipamentos. Oxalá este nos dê sorte!
PS 2 — Ó Araújo Pereira, venho constatando a atenção que você dedica aos meus escritos passados — embora não todos, mas incluindo alguns de que eu próprio já não me lembrava. E ocorreu-me se você, entre dois daqueles tão imaginativos anúncios ao MEO, não quereria fazer uma perninha como meu arquivista, que bem precisava? (E só não o trato por Ricardo também, porque você me trata por Sousa Tavares, e só há duas coisas que eu odeio, quando se referem a mim: que me tirem o Miguel do nome e que me ponham a dizer uma palavra que eu nunca uso: «algo»).
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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