O futebol que é a minha quimera – é o futebol que guardo na ilusão de uma frase de Di Stéfano: «O treinador ficava nervoso, não queria que eu jogasse de calcanhar, que contagiava os outros. Que se fosse só eu tudo bem, mas se toda a equipa se pusesse a fazer isso era suicídio. Ora, com os diabos, nós tínhamos de nos divertir – e nunca foi suicídio...»
De vez em quando aparece génio assim – a dar-me a delícia desse espírito a renovar-se. Aconteceu, sábado, em Matosinhos. Deslumbrei-me – e em fantasia vi Di María embrulhado na poesia de Nélson Rodrigues: gritando que carregassem não sei quem, talvez Pelé, talvez Garrincha, numa bandeja de prata e o passeassem com uma maçã na boca para que o povo visse que era Deus...
O futebol que é o meu desconsolo – é o futebol que imagino a resignar-se à angústia de uma frase de Bertrand Russel: «Somos propensos à doença do introvertido que, perante o espectáculo que o mundo lhe oferece, desvia a vista para contemplar apenas o vazio que faz dentro de si...»
De vez em quando, aparece malfazejo assim a atacar equipas de futebol – e a roubar-lhes o carácter. Aconteceu, domingo, ao FC Porto. Espantei-me – porque não julgava possível que pudesse passar, tão breve, da paixão ao disparate, da coragem à fraqueza, do prazer ao desnorte, da galhardia à desonra, do brilho à dor. Ao vê-los, supliciados de si próprios, a única ideia que me passou pela cabeça foi: se no jogo que tinha de ganhar para ainda poder ganhar o campeonato, o FC Porto o perdeu como o perdeu – não perdeu, ali, apenas o campeonato, perdeu a moralidade para, de lá em diante, se desculpar com árbitros ou túneis, Hulk ou Ricardo Costa, perseguições ou esquizofrenias. Sobretudo porque (para já não falar do Braga...) contra o Leixões se vira outra vez que este Benfica não é apenas a magia de Di María ou o evangelho transcendente de Jesus, é isso e mais, é uma mistura fina que é a causa e o sentimento de onde nascem os campeões...
António Simões n' A Bola.
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