1 Há duas coisas que eu acho que o FC Porto não pode mesmo fazer mais: voltar a atravessar o túnel da Luz sem uma escolta de policias, testemunhas e operadores de filmagem, e voltar a jogar em Inglaterra para a Liga dos Campeões.
A questão inglesa já vem muito de trás. Que me lembre, desde os tempos de José Maria Pedroto, quando tudo a que se aspirava, quando se tinha de jogar nas Ilhas, era «aguentar» os primeiros vinte minutos. A humildade era tanta, o espírito de derrotados à partida era tamanho, que já se considerava uma proeza aguentar os vinte minutos iniciais sem sofrer golos e sem ser logo postos fora da eliminatória. Trinta anos depois, por incrível que pareça, nada de essencial mudou. As equipas mudam, os treinadores conhecem bem melhor os adversários, o clube acumula títulos e experiência internacional e, todavia, não há nada a fazer: assim que pisa um relvado inglês, o FC Porto borra-se de medo. A mesma equipa, os mesmos jogadores que, noutros palcos e até perante adversários mais temíveis, conseguem tantas vezes agigantar-se e contrariar o destino aparente, chega a Inglaterra e parece um bando de rapazes que aprendeu a jogar à bola em jogos de amigos, domingo à tarde, e que, de repente, tem de enfrentar um grupo de profissionais da coisa. Trinta anos de tareias, de humilhações, sem uma única vitória para inglês ver, já é mais do que um cadastro de frustração desportiva, é um caso clínico grave.
Não creio, de forma alguma, que a explicação tenha estado na surpreendente inclusão de Nuno André Coelho a trinco — o coelho que Jesualdo Ferreira sacou da cartola. É verdade que não é normal que o treinador aproveite um jogo daquela importância para fazer a estreia absoluta a titular de um jogador, e logo numa posição onde ele nunca tinha estado. E também é verdade que esta ideia de inovar nos jogos mais difíceis lá fora, experimentando um esquema que a equipa não conhece, é, desde há muito, solução sagrada (e sempre falhada) dos treinadores portugueses. Mas não foi por aí que o FC Porto soçobrou daquela maneira indecorosa. Para já, Nuno André nem sequer esteve mal, dentro do desastre global. Pior, bem pior foi ver o Fucile oferecer quatro golos, o Rolando à deriva, completamente perdido, o Rúben transido de medo sem acertar um passe, o Hulk a insistir em marrar de cabeça baixa, como um touro cego. Não era preciso ser psicólogo para observar desde o início o desastre que se preparava e as suas razões: os passes sistematicamente curtos revelavam o cagaço de jogar de que a equipa estava possuída, a incapacidade de transportar o jogo para a frente e sair a atacar mostrava quanto os rapazes tinham pudor e terror de poder despertar a besta. E só quando, enfim, o Arsenal chegou aos 2-0, aproveitando tranquilamente duas ofertas daquele pobre corpo expedicionário português, é que os bons rapazes do Porto descontraíram e começaram a mostrar que também percebiam umas coisinhas daquilo — porém, sem nunca se atreverem a cometer a ofensa de poderem vir a profanar o véu da noiva. Como se o facto de também eles darem uns toques e trocarem bem a bola chegasse para salvar a honra e voltar a casa «de cabeça erguida». Desgraçadamente, porém, nem a sorte estava com as nossas cores, nem os ingleses costumam levar isto a feijões: em Inglaterra, joga-se para ganhar, joga-se até ao fim e respeita-se muito os pagadores de bilhetes e os patrocinadores, que são quem permite pagar aqueles fabulosos ordenados aos artistas. E os gunners não tiveram piedade e, pelo sim pelo não, preferiram desconfiar do jogo inócuo dos portistas e do respeitinho que estes, todavia, bem mostravam: três, quatro, cinco. E não se fala mais nisso.
É claro que precisamos, contudo, de ser realistas: o Arsenal é um dos melhores clubes do mundo, tem um orçamento e receitas dez vezes superiores às do FC Porto e, jogador por jogador, é infinitamente melhor equipa (e ainda lhe faltavam o Van Persie e o Fabregas). Em cinco jogos, ganhará sempre quatro ao FC Porto. O que não precisa é de ser de forma tão humilhante.
Não alinho no coro dos executores públicos de Jesualdo Ferreira. Desde o princípio, sempre o apoiei — criticamente, embora. Mas não penso que a equipa seja melhor do que ele ou que ele esteja aquém do que ela merece. É uma equipa com muitas limitações de qualidade, algumas gritantes, e que sempre aqui assinalei: a última vez, na semana passada. Acho que Jesualdo conseguiu sempre, ao longo dos últimos quatro anos, o máximo que a equipa podia dar: chegar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. E ainda ganhou três campeonatos. Agora, sobre o futuro, falaremos mais adiante.
2 Melancolicamente de regresso ao nosso futebolzinho, passei o fim-de-semana a ver melan- cólicos jogos de futebol. Não sei se seria possível melhorar drasticamente a qualidade daquilo que vemos por comparação com os jogos dos grandes campeonatos. É verdade que a diferença de orçamento não permite ter aqui à mão os grandes executantes que vemos em Espanha, em Itália, em Inglaterra, em França ou na Alemanha. Mas também é verdade que a qualidade média dos jogadores portugueses é superior, em regra, à dos demais: por algum estranho fenómeno da genética, os falantes de português, de cá e de lá do Atlântico, têm tendência a nascer com um talento especial para este jogo. E o que me parece é que esse talento podia ser melhor aproveitado — ou, ao menos, o espectáculo melhorado — com algumas coisas simples.
A primeira dessas coisas que me salta logo à cabeça (e da qual já tenho falado várias vezes) é a qualidade dos relvados e, em especial, a sua dimensão. O grande futebol e o futebol ofensivo precisam de espaço; o futebol pequenino, defensivo, anti-jogo, precisa que lhe encurtem os espaços. Se juram (o que não acredito) que todos os campos da Liga Sagres têm obrigatoriamente as dimensões mínimas, então passem a exigir as dimensões máximas: vão ver como o jogo melhora logo.
A segunda coisa passa por reeducar os árbitros para defenderem a qualidade do jogo. Erros, sempre houve e haverá, aqui e em todo o lado, como bem sabemos — a diferença é que aqui os erros são sempre suspeitos. Mas consentir no anti-jogo, não defender os melhores jogadores das entradas dos caceteiros, isso é sempre uma decisão voluntária do árbitro. Em nenhum dos campeonatos a sério eu vejo tantas interrupções por supostas lesões de jogadores como aqui. E é sempre da parte da equipa que está a defender o resultado — o que quer dizer que não é inocente, mas sim uma atitude e uma «táctica» deliberada. Se os jogadores se habituaram a esses truques, se os treinadores só conhecem essa escola, cabe aos árbitros, em última análise, defender o jogo dos batoteiros. E o mesmo se diga das entradas a matar que eles toleram: vejam, por favor, a entrada assassina do Cris sobre o Cristian Rodríguez no Académica-FC Porto desta semana e digam-me como é que um árbitro se pode limitar a mostrar um amarelo àquilo!
3 Segundo «A Bola», o Benfica ganhou no Funchal «à campeão». Que foi a única equipa que fez por ganhar, é verdade. Mas, sinceramente, não sei se o teria conseguido sem o que me pareceram dois erros de arbitragem em dois minutos e que resolveram, numa altura decisiva, o que estava embrulhado: um penalty inexistente e desperdiçado e um golo off-side.
Vi a segunda parte do Braga contra o Rio Ave e, por mais que eu reconheça o mérito deste David batendo-se contra os Golias, e por mais que o trabalho de Domingos Paciência me encha de alegria pelo respeito e reconhecimento que lhe tenho, confesso que ainda não foi desta que eu consegui perceber o segundo lugar do Braga. E ainda não foi desta que lhe consegui ver um arremedo de bom futebol. Parece-me evidente que não ganhará o campeonato e também me parece que também já não deixará fugir o segundo lugar. E, infelizmente, também me parece que só um milagre o levará depois a conseguir entrar na Liga dos Campeões. E assim se perderá uma vaga e uma oportunidade para marcar pontos no ranking da UEFA.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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