domingo, 7 de junho de 2009

Entrevista a Rui Barros

«Não tenho vocação para treinador principal»

E vão quatro títulos. Como jogador, agora como treinador. Aliás, como adjunto. Para ser mais exacto e como Rui Barros gosta de ser classificado. Mas já são dois tetras...

— Como o tempo passa, como os títulos se acumulam... Acima de tudo, é uma alegria ter conseguido o tetra como jogador e agora como treinador-adjunto. Só mesmo aqui no FC Porto é que podia ser possível. Os dois primeiros campeonatos comecei a ganhá-los com o Bobby Robson, os outros dois foram com o António Oliveira. Como ajunto, tudo começou com o Co Adriaanse. Depois, estes últimos três, foram com Jesualdo Ferreira.

— Falta só o penta. E como treinador, pois como jogador até já o conseguiu em devido tempo...

— Mas é difícil. Ganhar um campeonato já é extraordinário, quatro é fenomenal. Agora cinco... Vamos a ver. Falta jogar, falta provar em campo que somos os melhores. Se não se importa, fazemos as contas no final da próxima época.

— Enquanto jogador decidia jogos, como adjunto já não decide muita coisa...

—Não me incomoda nada. Quando deixei de jogar decidi ficar no FC Porto, no meu clube, como adjunto.

«O PORTO GANHA MAIS...»

— Por comodismo...

— Nem pensar. Apenas porque me sinto bem. Quiseram que eu fizesse parte da equipa técnica e deixei-me ficar, pois este é o clube que gosto, que me permite continuar a ganhar. E eu gosto de um clube que ganhe. O FC Porto, como se tem visto, é o clube que mais ganha.

— Nunca pensou em arriscar, em ser treinador principal?

— Nunca. Nem me passa pela cabeça. No futuro, não sei...

— Mas até já experimentou e... ganhou!

— Tratou-se de um caso esporádico. Foi depois da saída do Co Adriaanse, naquele estágio que já não cumpriu na totalidade, que assumi o comando da equipa durante três jogos. Um deles, o da Supertaça Cândido de Oliveira, troféu que conquistámos.

— E não pensou que poderia continuar como líder, como técnico do FC Porto?...

— Não. Tomei conta da equipa naquele momento, Apenas e só. As pessoas já me conheciam, fui jogador da casa sete anos, era o adjunto. Foi tudo muito natural dentro da anormalidade da situação.

— Nem um bocadinho ficou surpreendido.

— Isso sim. Mas em parte.

«ACONTECIMENTOS SEM AVISO»

— Como assim?!

— Não estava à espera, mas a minha vida é marcada por este tipo de episódios. Tudo me acontece de um momento para o outro, sem aviso. Só para citar um exemplo, a minha transferência-relâmpago para a Juventus, que foi de um dia para o outro. Esta proposta, feita pelo presidente e o Antero Henrique, eu sabia que era pontual. Sabia que era só uma passagem.

— E não ficou com... o bichinho do banco?

— Não tenho vocação para ser treinador principal! Não basta ter sido bom jogador, ter muitos anos de casa. São precisas muitas outras coisas. Como muita experiência.

— Ganha-se!

— Tem que se começar por baixo. Não vale a pena. Mas o futuro a Deus pertence. E os professores que tive até agora foram todos fantásticos. São belíssimos treinadores. Nesse aspecto, se um dia tiver essa veleidade de me lançar como treinador principal, então bem posso dar-me feliz por ter tido tantos catedráticos a ensinar-me este tempo todo.

«Lei Bosman só prejudicou»

Sobram estrangeiros, faltam portugueses e o plantel do FC Porto não perde a identidade Referências são agora 'fabricadas' em menos tempo... com os mesmos processos
OS dragões têm também marcado a diferença pelo seu acentuado e mediatizado espírito de grupo. Uma característica inimitável, que já vem de longe. Mas por quanto tempo? As referências estão a desaparecer...

— Infelizmente, a Lei Bosman, na minha opinião, só prejudicou o futebol. Mas no FC Porto, felizmente, ainda se conseguem manter jogadores por quatro/cinco anos. É o tempo suficiente para nesta casa se absorver a filosofia do clube, o espírito ganhador.

- Pois, mas os jogadores portugueses são cada vez menos!

— Não importa se é português, se é estrangeiro. Nós temos feito o nosso trabalho, a passagem de testemunho. E não são só os treinadores, os médicos, os roupeiros. São os adeptos... a própria cidade. É um clube que tem de ganhar. E os novos jogadores apercebem-se disso ao fim de... um mês. Então, já estão identificados, têm as noções básicas. O que não quer dizer que possam vir a ser referências. Mas é um bom princípio.

— É um processo, aparentemente simples, que faz escola. Mas no FC Porto!

— Aqui aprende-se rápido o que é o espírito de grupo, de sacrifício. A humildade, até a raiva.

— Com tantos estrangeiros, tantos sul-americanos, o perigo de perda de identidade espreita...

— Perigo pode haver. Nós temos é de minimizar esse perigo. É isso que o FC porto tem feito, transmitir os seus valores, ter os seus ídolos de ontem, hoje e sempre por perto.

— Mas... E os portugueses?

— Isto é um processo integrado. E até já contratamos para a nova época dois: o Miguel Lopes e o Orlando Sá. Fizemos o Nuno André Coelho. Já são três. Estamos ainda a fazer um trabalho de base, com as escolas, a formação. É importante para a nossa cultura futebolística, para mantermos vivas as nossas raízes. Mas os bons estrangeiros, aqueles que nos possam trazer valor acrescentado, são imprescindíveis.

Os campeões, a Supertaça e os olhos do diabo

— O que mais o marcou ao longo da sua carreira desportiva?
— A que mais me recordo foi quando regressei ao FC Porto, depois de ter estado emprestado três anos. Disseram-me no estágio que eu ia ficar no plantel. Eu, um desconhecido, num quadro de jogadores em que todos eram internacionais! Eu, sem títulos, sem nada, nem estatura sequer, no meio de campeões europeus!

— E em termos competitivos, o que mais e melhor recorda?

— A Supertaça Europeia, em Amesterdão, frente ao mítico Ajax, com um estádio não menos emblemático cheio e eu a marcar o golo solitário, o da vitória. Mas falhei para aí uns três ou quatro. Inesquecível.

— O momento em que esteve um passo de seguir em frente e quase adivinhou o desfecho do jogo, da eliminatória?

— Com o Manchester. E eu vi nos olhos deles, no Dragão, quanto concentrados estavam. Aqueles olhares fixos sem fixarem ninguém não me enganaram Estavam muito determinados. Nós não fomos inferiores, mas naquele jogo não tínhamos hipóteses.

— Tudo (re)começou e ainda não acabou... com Jesualdo Ferreira. Mas esta temporada, é verdade ou não que o título esteve mais tremido?
— Deu muito mais trabalho. Não perdemos valor, mas esta época demoramos algum tempo a entender e interpretar como deveriam ser os processos de jogo, a readquirir o ritmo... dos ganhadores.

— E entretanto o Benfica ameaçava como nunca de ir para a dianteira do campeonato, o Sporting dava ares de ter o presente controlado e o futuro ganho...

— Pois, falava-se muito, embora se fizesse pouco. E isso deu-nos também uma força enorme para virarmos os acontecimentos. Faltavam ali uns ajustes apenas e... lá voltamos nós ao de cimo, ao nosso normal.

— E já agora, onde é que foi esse clique que reacendeu a chama do dragão?

— Na Champions, em Kiev, com o Dínamo. Depois desse jogo de Kiev, que vencemos, nada mais como antes. Notou-se, não foi?!

José Carlos de Sousa n' A Bola.

Sem comentários: