quinta-feira, 18 de junho de 2009

Da maldade e da farsa

UM castiçal fica bem na mesa de jantar ou noutro local destinado a cultivar vínculos de intimidade, seja religiosa ou profana. Mas fazer figura de castiçal não é um modo nobre de passar pela vida ou de exercer uma função, inclusive a de cronista de um jornal. O dever da intervenção não deve ser sacrificado ao oportunismo do contributo para o adormecimento e distracção; sob pena do castiçal se tornar vil instrumento de conivência com a alienação.
HÁ um ano, o País foi varrido por uma pandemia de intoxicação sem precedentes. Em nome da verdade desportiva e da reposição da moral e da justiça — diziam os seus promotores, abençoados em tudo quanto é espaço mediático — moveram-se céus e terra para roubar a um clube o direito de participar na Champions. Queriam extorquir-lhe na escuridão de secretarias aquilo que, legitimamente e às claras, tinha ganho em campo.

Da noite para o dia emergiu nalguns órgãos ditos de disciplina e justiça um discurso ávido de escrever torto por linhas aparentemente direitas. A pose justicialista revestiu uma ânsia desesperada e indisfarçável de tentar aliviar frustrações durante anos acumuladas e de alcançar um protagonismo próprio dos heróis pífios. A esperteza julgou-se suficiente para meter os dedos da demagogia nos olhos de toda a gente. Como numa estratégia bem orquestrada e sustentada, surgiram de imediato instituições e peões a cavalgar a onda da usurpação. Podiam aguardar os resultados dos processos judiciais; mas preferiram entrar pela porta do oportunismo que lhes foi aberta e mostrar a medida da sua grandeza. Esqueceram que esta não é dada pelo tamanho, pela exibição de números e pela agitação das vozes, mas sim pela conduta moral. Não faltou até quem mordesse a mão da cooperação, resvalando para a ingratidão que é, a par da traição, o maior pecado da nossa civilização. Será que a lição foi aprendida?

Este ano a cena não se repetiu. Mas, como o seguro morreu de velho, os vencedores do campeonato devem estar atentos. Não se estranharia que os frustrados tirassem, à última hora, outro coelho da cartola. De resto já tiraram um rato para que não se esqueça a sua existência.

O ocorrido no futebol não é diferente do que acontece no cenário geral do País. Os tribunais estão atafulhados de processos reveladores da maldade pessoal; somente se sustentam nesta marca aviltante da nossa vida colectiva. Consome-se tempo, energias e dinheiro em enredos infames que dão em nada, quando deviam ser investidos no combate à injustiça e perfídia que nos afastam de índices da civilização e dignidade humanas. A quem pedir contas?

Afazer fé nas notícias, a disputa do campeonato que aí vem não passa de mera formalidade. Já está mais que ganho por um clube. Com efeito todos os jogadores de todo o mundo ou já assinaram ou estão em vias de o fazer. Assim não vale a pena competir; com o vencedor assegurado e tão exuberantemente festejado de antemão, será muito difícil despertar e manter o interesse pela competição.

Todavia a próxima época da Liga vai ser excelente. Obviamente! Não haverá problemas nas arbitragens; elas serão perfeitas, uma vez que a tão justificada, propalada e miraculosa profissionalização dos árbitros será concretizada. E também não haverá salários em atraso, porquanto os clubes com dificuldades financeiras vão ser impedidos de integrar as competições profissionais, o que significa que estas contarão com reduzido número de participantes. Quando será que a propaganda vai deixar as nuvens e descer à terra?

ENFIM, que mal fez o desporto para não ser configurado segundo os ideais e princípios nele imanentes e os saberes sobre ele existentes? Porque é que continua manietado e asfixiado pelas manhas da política? Porque é que esta deixou de ser a mais nobre das actividades cívicas e se tornou uma farsa? A propósito, foi certeiro o comentário do sr. PR acerca da insana transferência de Ronaldo para Madrid. Falta ouvi-lo sobre a sujeira bancária.

Jorge Olímpio Bento n' A Bola.

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