terça-feira, 8 de setembro de 2009

Erros velhos, má fortuna

1 Ainda não foi desta que ficou esclarecido se estaremos ou não no Mundial do ano que vem, na África do Sul. Temos que continuar a fazer contas, esperar mais um jogo pelo menos, ter fé na aritmética e nos milagres. Enfim, o nosso fado habitual.
Mas, desta vez, ninguém pode dizer que não nos batemos pela vitória e contra o destino até ao último minuto e até ao último fôlego. Os 25 minutos finais, quer da primeira, quer da segunda parte, foram jogados ao nível exigível a quem quer estar num Mundial. A Dinamarca pode agradecer a todos os deuses ter conseguido uma vitória e um empate nos dois jogos contra Portugal, em que foi claramente dominada de ambas as vezes. Quando se remata 35 vezes à baliza, acertando catorze e apenas se marca um golo, enquanto que o adversário remata treze vezes e acerta uma que logo dá em golo, é legítimo queixar-se da sorte. Não a tivemos, de facto. Nem em Lisboa nem em Copenhaga. E que somos melhor equipa que a Dinamarca, não me parece terem ficado dúvidas a ninguém.

O problema é que os verdadeiros vencedores não podem estar dependentes da sorte ou das decisões dos árbitros. Podemos queixar-nos do penalty que Busacca não viu ou do azar das oportunidades perdidas. Podemos queixar-nos uma, duas vezes. Três já é demais: parece o Sporting. Os verdadeiros vencedores jogam contra a sorte e contra os árbitros, jogam o suficiente para se colocarem ao abrigo de factores aleatórios. E, quer em Lisboa, quer em Copenhaga, jogámos o suficiente para ficarmos fora do alcance dos factores aleatórios. Jogámos, sim: mas jogámos, como sempre, um futebol estéril.

Se ficarmos fora do Mundial não é porque não tenhamos equipa para lá estar. É porque a cultura do remate para golo não existe no nosso futebol. Somos óptimos a fintar, a simular, a fazer tabelinhas, a fazer circular a bola, a arrancar toques e números circenses que entusiasmam a plateia. Mas rematar à baliza para marcar golo, e não apenas por rematar, isso não sabemos fazer. Na hora de matar a jogada e o jogo, somos absolutamente indigentes, incompetentes. Eu, se fosse seleccionador, preocupava-me muito pouco com tácticas e estratégias e losangos e linhas de passe e tudo o resto: gastava quatro quintos de cada treino a ensaiar remates à baliza até os jogadores suplicarem misericórdia, mas aprenderem de olhos fechados a dimensão da baliza, a sua localização na hora do remate, a posição do corpo ao chutar, etc. — noções básicas e essenciais do jogo que qualquer profissional devia saber. A coisa mais banal de ver num jogo de futebol em Portugal é ser aceite com toda a normalidade (a começar pelos próprios jogadores) que 80 por cento dos remates à baliza não acertem no alvo — como se ele não tivesse 9,15 de comprimento por 2,30 de altura.

Também acho injusto crucificar Carlos Queiroz. Se os jogadores não acertam por sistema na baliza ou, quando acertam, é inofensivo, a culpa não é dele, pois o mal vem muito lá de trás e tem raízes e explicações mais complexas. E o resto é a falta de baraka que ele tem — sobretudo se pensarmos no seu antecessor, Scolari, que é o tipo com mais sorte ao jogo que eu alguma vez vi. Desta vez e quanto muito, podemos questionar porque razão o seleccionador, depois de ter jogado a cartada oportunista do Liedson, resolveu não o meter de início: eternamente ficaremos a pensar que com o Liedson no lugar do Simão, não teríamos desperdiçado aqueles dois golos fáceis que o Simão desperdiçou na primeira parte. Será que foi uma afirmação de autoridade cientifica, pelo facto de todos os jornalistas que acompanham a Selecção terem apostado que o Liedson jogava de início? Se foi, pagámos caro a vaidade. O António Oliveira tinha o hábito de fazer isso: mudava a linha de cada vez que a imprensa descobria os seus planos para o onze inicial. Foi assim que ele entrou para o Guinness, nunca repetindo o mesmo onze inicial do FC Porto em todas as quinze jornadas da primeira volta de um campeonato. Só que o Oliveira tinha um toque de génio que Queiroz não tem e que vi em raros treinadores: ele conseguia, de facto, transformar a equipa a partir do banco. E não esperava nem 70, nem 60, nem 45 minutos para o fazer: punha o onze errado de entrada só para não satisfazer os jornalistas, mas logo depois corrigia, assim que via que aquilo não estava a funcionar. «Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer».

Enfim, venha a vitória em Budapeste e as que faltam, venha o encosto da Suécia em Copenhaga, venha o milagre de que precisamos. Se não é que este país cai mesmo na depressão!

2 O dr. Ricardo Costa, presidente do Conselho de Disciplina da Liga, escreveu dois extensos artigos no «Público» onde procurou demonstrar a lógica e a justiça da sua actuação e do órgão que dirige no chamado processo «Apito Dourado». Duas páginas inteiras de jornal é muito, é mais do que suficiente para, ou se demonstrar que se tem razão, ou para se fingir que tem. No primeiro caso, isso depende de se ter mesmo razão; no segundo, depende do talento literário. No caso do dr. Ricardo Costa, foi uma oportunidade perdida: porque não tem razão nem nunca teve e porque não tem talento literário algum.

O seu extensíssimo arrazoado, em estilo burocrático/narrativo, é um texto inextrincável para qualquer ser pensante, juristas incluídos. Duvido que alguém tenha conseguido lê-lo até ao fim e entender do que se tratava sem se perder algures. Eu esforcei-me e consegui ler até ao fim, mas já não consegui entender o que ele dizia, a páginas tantas.

Em substância, percebi que o dr. Ricardo Costa visava, obviamente, explicar o embaraço de ter condenado na justiça desportiva réus que a justiça comum declarou inocentes. E julga ultrapassar essa dificuldade explicando que ambas as jurisdições são independentes entre si. Sem dúvida que sim. Resta que ele — que confessa que todo o seu material de prova lhe foi fornecido pelo Ministério Público, em fase de averiguações — julgou e condenou, clubes e pessoas, com base em factos que os tribunais julgaram não provados. E com base num testemunho que o tribunal acusou de perjúrio. Bem pode até passar a assinar uma coluna semanal no «Público» que jamais ultrapassará isto: os factos em que ele se apoiou para condenar não existiram. O resto é conversa fiada.

3 O Jornal «I» perguntou a alguns ex-craques do futebol quem terá sido o melhor jogador de sempre: Pelé ou Maradona. As opiniões dividiram-se entre ambos, com excepção de Eusébio, que votou em Alfredo Di Stéfano. Entro na escolha para dar a minha opinião de «futebolista de bancada»: para mim, o melhor jogador que alguma vez vi jogar não foi nem Pelé, nem Maradona, nem Di Stéfano, nem o próprio Eusébio, que bem merece estar na short list. O melhor jogador que vi, o mais inteligente, o mais completo, o mais genial, foi um senhor chamado Johan Cruyff, que apareceu para o mundo numa célebre vitória do Ajax de Amesterdão no Estádio da Luz e que explodiu para a História no FC Barcelona.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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