terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Caixão, espelho


A parábola conta-se no mundo dos negócios: que, de um momento para o outro, empresa que andara anos a fio em esplendor o perdera, entrara em tropeço à beira da falência. E que portanto toda a sua gente se desmotivara, queixando-se do destino, da má sorte – e sobretudo uns dos outros. Até que alguém descobriu forma de fugir do caos, da desgraça. Era manhã e ao chegarem – enxergaram todos cartaz preso ao portão que dizia: «Quem nos lançou para o abismo está em velório no pavilhão desportivo, vá vê-lo!»
Corriam para lá em ânsia e o que encontravam era um caixão aberto – com um espelho gigante dentro. Olhavam, reviam-se e, em absoluto silêncio, percebiam, sibilina, a mensagem que aparecia, escrita, em baixo: «Não há ninguém mais capaz de limitar o crescimento do que quer que seja, o nosso sucesso, que nós próprios.»

É assim nos negócios, na vida – e no futebol. Que se joga na alma, na cabeça, muito mais do que Jesualdo Ferreira deve achar, desconfio. Sempre que tem de defrontar equipa grande monta a sua como se a tirasse do vazio que dentro de si encheu de cautelas, medos e desconfianças. Espírito que se espalha, em mancha de óleo, toca os jogadores, por mais geniais que eles sejam – e depois é para cada um, a equipa inteira, o que o calor é para o toco de cera: dá a ilusão breve da luz mas logo a derrete, apaga. Foi o que aconteceu contra o Benfica. Não sei se com outra atitude, outro carácter – o FC Porto não teria perdido na mesma. Mas sei que com outra atitude, outro carácter – o FC Porto não teria sido o que foi: o mais deprimente que vi na Luz pelo menos este século, fio de fumo a enovelar-se, sempre a perder-se. E foi isso que ainda tornou mais patética a insinuação de JF falando de meia hora em que não conseguiu jogar — e a presunção da segunda parte do FC Porto melhor do que o Benfica. Ouvi e não me ri, pensei apenas: está na hora de Jesualdo dar espreitadela ao caixão com o espelho da parábola e de levar o Hulk com ele...

António Simões n' A Bola.

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