sexta-feira, 2 de outubro de 2009

'Esquilo' e assobios

PASSEI o jogo com o Atl. Madrid a jantar com um amigo benfiquista e dividi com ele o belo jogo de Fucile. Sempre gostei de o ver. Tem o ar matreiro do lado de cá do Rio da Prata — imagino-o a contar anedotas uruguaias sobre os argentinos. Uma das mais populares é a do uruguaio que pergunta se em Buenos Aires também conhecem «aquela música de Montevideo, o tango», o que leva qualquer argentino ao desespero e à indignação mais brutal, tentando ignorar que Gardel pode bem ter nascido no Uruguai, e que La Cumparsita foi composta em Montevideo. A alcunha de Fucile é esquilo, o que lhe assenta bem, correndo pela lateral, atacando e defendendo, determinando as fronteiras naquele território — e, no caso, reduzindo o madridista Simão à insignificância. Separa-o do lateral um subtil toque de atrevimento e dureza, se bem que não relembre — pelo estilo e pela velocidade dos pés — o jeito de Bosingwa.
A outra boa surpresa em construção é Belluschi; já o tinha escrito aqui. Se numa orquestra é necessário haver um elemento que interprete o alinhamento geral, lendo a pauta de todos os instrumentistas, deslocando-se para ocupar os lugares vazios — esse alguém é Belluschi.

Não fui ver o jogo do Dragão contra o Atl. Madrid, mas fui um dos que assobiaram Simão lá dentro. Explico: o futebol é assim — assobiar, vaiar, festejar, rir, ulular. Nelson Rodrigues dizia que, no Maracanã (o estádio que leva o nome do seu irmão, Mário Filho), «até minuto de silêncio era vaiado».

Começo com isto por ter lido críticas ao comportamento dos adeptos nas bancadas (onde não estive, mas com quem partilhei a vaia) em relação a Simão e Assunção. Esta ideia de um futebol asséptico disputado entre guerreiros no relvado parece-me absurda. Cada jogador sabe que não enfrenta apenas o onze adversário; enfrenta os milhares das bancadas. Só isso lhe confere o estatuto de representante de uma tribo que defronta outra. E deve sorrir diante das vaias, se tiver fibra de herói. De contrário é apenas um adolescente que não cresceu.

Francisco José Viegas n' A Bola.

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