sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Carta aberta a Jesualdo

APESAR das lesões, o FC Porto ganhou ao Sporting e ao Atlético Madrid. Não concordo, sequer, que a exibição contra os espanhóis tenha sido pior que o resultado. Até por isso, é boa altura para lhe manifestar o meu apoio.
O Jesualdo é o principal responsável por tudo o que o FC Porto conseguiu nas últimas três épocas. Mas o maior elogio que lhe posso fazer, e tenho feito alguns, é realçar a forma como se aclimatou ao clube. É que o seu mérito não se limita a ter atingido os principais objectivos, ganhando três campeonatos e brilhando na Europa, o que valorizou a história e os activos do clube. Soube, além disso, compreender os tempos difíceis que o clube atravessou, quando lhe tentaram retirar títulos, e excluir da Liga dos Campeões. Criou empatia com os dirigentes, atletas e adeptos. Soube falar pelo clube, suprindo assim o silêncio que foi imposto ao presidente pela lei da rolha dos linchadores. Aceitou, sem queixumes, a venda dos melhores jogadores, um sacrifico a que a gestão financeira obriga, não se refugiando nas inevitáveis adaptações para explicar os momentos menos felizes. Sempre preferiu elogiar e avalizar as novas contratações a lamentar as perdas.

Tudo isto são motivos justos, e mais do que suficientes, para que os adeptos lhe estejam gratos. E, meu caro Jesualdo, não sabendo o que o futuro lhe reserva, pode ter a certeza que, no FC Porto, a sua competência e essa sua leal generosidade nunca será esquecida. Mais não fosse por isso, o Jesualdo faz parte do património do FC Porto mas isso não lhe concede o estatuto de infalibilidade num clube em que os adeptos sempre foram exigentes. Já sabe que a cultura de exigência deste clube, que Pedroto e Pinto da Costa criaram, se transmitiu às bancadas. Já devia saber que para muitos adeptos anónimos, o FC Porto é a única fonte de orgulho. A isso se deve, também, a era de sucesso que se vive. Veja como Robson, um dos mais amados dos seus antecessores, ainda hoje, e postumamente, não escapa à crítica dos que o veneram mas que não lhe esquecem os erros, como foi o caso da utilização de Aloísio a lateral esquerdo em Barcelona.

Ninguém gosta de críticas e compreendo que se irrite com as que lhe são feitas à posteriori, quando as coisas correm mal, e que questione se quem as profere não o teria elogiado pelas mesmíssimas razões, se tudo tivesse corrido bem.

Mas o professor já conhece os treinadores de bancada e as suas idiossincrasias, e agora conhece os portistas. Por isso, devia saber que, ao contrário do que disse, e se calhar pensa, o seu contador nunca volta a zero, porque não está a tratar com ingratos. Até por isso, pode ignorar ou desdenhar as críticas, mas não lhe fica bem fazer-se de vítima, e fica-lhe mal atribuir motivações obscuras aos seus autores. Afinal, o País anda farto de inventonas, meu caro professor.

O jornalismo de causas
UMA das razões que leva Jesualdo e os outros treinadores dos três grandes a dramatizarem as críticas que ouvem por parte dos adeptos e comentadores é que estas contrastam com as opiniões dos jornalistas adstritos a esses clubes, que têm como missão garantir a bondade da versão oficial dos factos. O problema, como Jesualdo já sentiu quando foi despedido do Benfica, é que esses jornalistas são sempre os primeiros a chamarem, passe a expressão, besta a quem antes era bestial, logo que os treinadores caiem em desgraça e recebem ordem de marcha. E, ao contrário dos adeptos, comentadores e treinadores de bancada, nem querem saber do contador, nem sequer lhes ficam agradecidos.

As leis do balneário
TODOS esses que discutem o jogo, seja no café, no emprego ou na televisão, não têm os conhecimentos teóricos dos treinadores, nem conhecem as leis do balneário. Falam com a leveza de quem não tem essa responsabilidade. Mas, quer se goste, quer não, eles são membros de um tribunal. Aliás, era assim que se chamava, apropriadamente, a uma das bancadas do velho estádio das Antas. Essa é uma realidade que os jogadores percebem bem, e vê-se como tantas vezes pedem desculpa pelo falhanço ou agradecem os aplausos, virando-se para as bancadas onde se concentram os adeptos mais exigentes. Entende-se, é claro, que os treinadores não imitem esse gesto, mas espera-se que compreendam a lógica.

Uma razão ocasional
APESAR de tudo, há situações em que os adeptos e comentadores até parecem ter razão. Veja-se o caso da utilização de Belluschi, que os adeptos vinham exigindo e que, nestes dois jogos, acabou por ser fundamental no meio-campo. Não será que, em Braga, poderia ter sido útil? E quanto aos comentadores, também há casos em que parecem ter razão a priori. Defendi, no Trio d'Ataque, que Meireles deveria jogar a trinco, substituindo Fernando, e que no seu lugar deveria jogar Guarín. Ora, segundo rezam todas as crónicas, foi a partir do momento em que Jesualdo optou por esse desenho do meio-campo, com a saída de Tomás Costa e o recuo de Raul, que o FC Porto resolveu o jogo de quarta-feira.

Uma questão cultural
Acultura do clube, que se reflecte na sua correlação com os adeptos, tem impacto, a prazo, nos sucessos desportivos. Veja-se como o Benfica é refém das suas pré-históricas vitórias, e como os seus adeptos conseguem esquecer os sucessivos erros de gestão, e muitos anos de insucessos desportivos, só porque acreditam que o FC Porto é beneficiado. Veja-se como o Sporting é vítima de uma relação de pouca exigência que se instalou no clube, em que muitos dos seus adeptos admitem, como natural, que o clube fique sucessivamente em segundo lugar, e encontram, nesse posto, uma adequada recompensa. Como escrevi há dias e repito, há trinta anos que, no FC Porto, ninguém se contenta com vitórias morais.

Rui Moreira n' A Bola.

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