sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O relógio dourado

NO domingo, apresentei o livro O caso Calabote do jornalista João Queiroz. O autor fez um trabalho sério de investigação, pesquisou documentos da época e entrevistou os sobreviventes. Ao contrário de outros livros sobre casos do nosso futebol, Queiroz não construiu uma tese conspirativa nem romanceou os factos; não tomou partido nem especulou sobre o sucedido. Fica claro que Calabote não foi irradiado por atrasar o início ou adiar o fim do jogo crucial que o Benfica disputou com a CUF, ou por influenciar o decurso do marcador. O árbitro, já em final de uma carreira marcada por várias polémicas em que o Benfica era sempre beneficiado, foi irradiado por ter sido contumaz no falseamento do seu relatório, recusando-se a admitir que iniciara o jogo depois da hora.
Nada há de fantasioso na lenda Calabote. Havia, isso sim, um mito, grato aos benfiquistas, que agora fica desfeito: de que o pobre árbitro fora vítima da sua proverbial teimosia e de que nada de extraordinário acontecera nessa última jornada em que o FC Porto esteve quase a perder o título por goal average. Ora, o árbitro foi cúmplice activo no adiamento do início do jogo, em que marcou três penalties contra a CUF; o guarda-redes titular deste clube teve de ser substituído ao intervalo por indecente e má figura e confessaria que «faz pena, depois de tamanho esforço verificar que o Benfica não conseguiu chegar a campeão!»; Valdivieso, o adjunto do Benfica, esteve no banco do Torriense e ajudou a orientar a equipa contra o FC Porto cujo treinador já fora convenientemente contratado pelo Benfica para a época seguinte. Calabote nunca foi acusado de corrupção e viria a confessar, a propósito desse caso: «Sabe, eu nunca precisei que me dessem dinheiro, porque sempre fui do Benfica!»

Fernando Guerra não leu o livro, mas ouviu dizer que aproveitei para fazer ligação ao túnel do Braga e aos erros que beneficiam o Benfica. Foi pena que não tivesse aparecido porque ter-me-ia ouvido contextualizar os dois episódios. É que, em meio século, o futebol mudou muito com as transmissões radiofónicas em cadeia, os jornais desportivos diários, as televisões que escrutinam todos os detalhes do jogo. A batota esconde-se agora nos bastidores, longe do escrutínio de todos, seja na escuridão dos túneis ou nas manobras de secretaria. O que não mudou é o branqueamento dessas situações, por causa do estrabismo que atinge alguns jornalistas quando o beneficiário directo ou indirecto é o Benfica. De facto, meu caro Fernando Guerra, sou colunista e não escondo o meu fervor clubista. Nisso serei mais parecido com o Inocêncio Calabote, que confessava essa sua fragilidade com candura, do que com os justiceiros que se refugiam na interpretação diversa da lei para dissimular a sua parcialidade ou, já agora, com alguns jornalistas que fingem ser descomprometidos mas sucumbem ao proselitismo.

Indecências
EM sede da justiça desportiva, são admissíveis os relatórios de árbitros, delegados da Liga e da polícia bem como as imagens televisivas, ao contrário das imagens das câmaras dos túneis. Ora, no caso Vandinho, esses relatórios são omissos quanto à alegada tentativa de agressão ao adjunto benfiquista. Nas imagens da TV vê-se que, ao contrário do que consta da sentença, foi o adjunto do Benfica a dirigir-se de forma agressiva a Vandinho. Conclui-se, pois, que o atleta só pode ter sido castigado com base nos isentos e credíveis testemunhos dos intervenientes benfiquistas. No sururu, pelos vistos, só intervieram os jogadores do Braga, furiosos se calhar por estarem a ganhar ao adversário…

Calabotices
Ocampeonato vai sendo decidido com a influência destes truques. As sentenças arbitrárias obedecem a um calendário estranho, que parece desenhado para agravar o prejuízo dos clubes visados. Sobre o processo à Naval, que pode alterar a classificação, nada se sabe. Estranha-se que haja uma santa aliança entre portistas e bracarenses, como se os condenados não tivessem o direito à indignação. No dia longínquo em que os recursos tiverem provimento, as consequências desportivas serão irreversíveis e, se houver lugar a indemnizações, estas serão custeadas exclusivamente pela Liga. Nada disto é novidade. Nem isto nem a paixão segundo o Bruno do mesmo nome, como se viu em Belém.

Bons serviços
LEMBRAM-SE do jogo Leixões-FC Porto do ano passado e das insinuações que foram feitas a alguns dos jogadores da casa? Ao ver o jogo do Bonfim, lembrei-me desse caso, a propósito de Marc Zoro. Felizmente, ninguém se lembrou de lançar a suspeita sobre o jogador com contrato com o Benfica, apesar das suas desastradas intervenções no jogo, tal como ninguém questionara as expulsões dos defesas André Pinto e Ney, na jornada anterior, ou do 5º cartão amarelo a Sandro, que impediu Manuel Fernandes de contar com estes importantes titulares. Felizmente, o FC Porto foi alheio a tudo isso. É que, a suspeição e a insídia têm geometria variável e dependem sempre das cores das camisolas.

A nova equipa
DEPOIS da suspensão de Hulk, o castigo de Fernando, as lesões de Meireles e Rodriguez, a chegada de Rúben e, reconheça-se, com Mariano, Belluschi e Tomas Costa em grande forma, baralharam-se as cartas e, subitamente, Jesualdo tem a melhor equipa da época. A equipa será mais lenta, mas a qualidade do passe melhorou, e até as bolas paradas parecem mais perigosas. A poucos dias do jogo com o Arsenal, que é um obstáculo quase intransponível, o treinador deve estar a fazer contas à vida e a pensar maduramente nas suas opções. Só espero que não sucumba às cautelas, não olhe aos nomes das camisolas, não procure ajustar-se ao adversário e aposte naqueles que melhores provas têm dado.

Rui Moreira n' A Bola.

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