terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Nem tudo é negro


1 As minhas preces foram ouvidas: Ruben Micael está a caminho do FC Porto, para reforçar o seu depauperado meio-campo. O preço é caro, mas se compararmos a relação qualidade/preço do madeirense com a do lote de argentinos do meio campo portista, acaba por ser quase barato. Caro é ter de sustentar o Guárin, o Tomás Costa, o Belluschi, o Valeri e o Prediguer. E Bolatti, depois de tantas promessas, encontrou finalmente comprador.
Diz-se que Rolando pode ir para o Man. United e que, nesse caso e à cautela, já está pronto a avançar o peruano Rodriguéz, do Sporting de Braga. Uma e outra coisa seriam boas notícias: uma boa venda e uma boa compra. Mas a segunda só encontra justificação no caso de a primeira ocorrer. Até porque, saindo Rolando, Jesualdo tem de dar uma oportunidade real a um rapaz que, ou muito me engano, ou está fadado para vir a ser um grande central: Nuno André Coelho.

De qualquer maneira, saúde-se a aparente inversão da política de compras da SAD do FCP, que eu não me tenho cansado de preconizar. Aparentemente, repito, acabaram-se as compras por atacado e por catálogo de sul-americanos que ninguém viu jogar senão no vídeo, e vai dar-se preferência a jogadores que actuam aqui e cujo valor é sobejamente conhecido. Está é a primeira boa notícia para os portistas, desde há uns tempos para cá.

Infelizmente, vai ser preciso muito mais para recompor a equipe desfigurada pelas saídas constantes de jogadores decisivos e entradas de jogadores que não vieram acrescentar utilidade alguma — sobretudo, no meio-campo, como tantas vezes tenho dito e salta aos olhos de qualquer um. Se pensarmos apenas a partir do ano de 2004 e da equipe que então foi campeã europeia, é fácil constatar que o FC Porto teve sempre grandes médios, à excepção desta época. O rol dos que foram saindo, apenas do meio-campo, é eloquente do quanto a equipe foi sendo desfalcada no sector decisivo do jogo: Deco, Maniche, Pedro Mendes, Costinha, Alenitchev, Carlos Alberto, Diogo, Anderson, Paulo Assunção, para não falar em várias promessas que, mal pareciam despontar, logo foram emprestados. No ano passado, e não esquecendo a grande época de Raul Meireles, restava apenas um médio de valor excepcional: Lucho González. Para entender a razão porque no ano passado o Porto foi tranquilamente campeão e este ano está tranquilamente a deixar-se afastar do título, basta pensar em dois nomes: saiu Lucho, entrou para o seu lugar Belluschi. Está tudo dito e quem tenha visto Belluschi contra o Paços de Ferreira, percebeu, uma vez mais, a esmagadora diferença.

Se eu pudesse ser treinador do FC Porto por 24 horas apenas, e à vista da situação actual, exigiria plenos poderes para uma verdadeira revolução no plantel. Para começar, forçava a compra do Ruben Micael — que já está feito; depois, pedia que se fosse recuperar o Ricardo Quaresma, nem que fosse por empréstimo e até ao final da época — proporcionando-lhe, aliás, uma hipótese de ainda se poder bater por uma lugar no avião para a África do Sul; depois reclamava o regresso imediato de alguns dos jovens emprestados e a «rodar» por aí: Candeias, Rabiola, Ukra, Helder Barbosa; e, enfim, promovia imediatamente o Sérgio Oliveira ao grupo dos convocados habituais. Em contrapartida, entregava também à direcção uma longa lista de jogadores a dispensar, vender, emprestar ou deixar para a Taça da Liga: Helton, Maicon, Tomás Costa, Belluschi, Guárin, Valeri, Prediguer, Mariano, Farías e, sim, Cristian Rodriguéz. Saíam dez sul-americanos e entravam sete jovens portugueses. A língua oficial do balneário mudava logo de espanhol para português e de certeza que sairíamos a ganhar na qualidade das opções. Depois, entregava outra vez a equipe a Jesualdo Ferreira.

2 Não sei se o empate contra o Paços significou ou não o enterrar definitivo das esperanças no título prometido a Pedroto por Pinto da Costa. Seria bom que não, por várias razões, das quais a menor não é a de a despedida ficar a dever-se a um indesculpável erro de arbitragem.

Notável que, depois do que todos viram, A BOLA ainda se tenha lembrado de promover uma sondagem «on line» onde se perguntava se o FC Porto teria sido prejudicado por erros de arbitragem. Notável, mas eloquente que tenha havido 73% de respostas a dizer que não. E notável e eloquente que se tenha passado a tentar inventar à lupa uma falta no golo do empate do Porto, pretendendo que Falcão terá feito golo com a mão e não com a cabeça (bastava perguntar a quem tenha jogado futebol um dia se aquela potência e direcção do remate poderiam ser alcançadas com mão…). E tudo isto apenas para não ter de se reconhecer uma coisa evidente: que o FC Porto perdeu dois pontos devido à arbitragem, depois de ter perdido Hulk devido a um filme que continua em exibição confidencial há um mês.

Notável que os colunistas benfiquistas e sportinguistas tenham passado a semana a gritar que o FC Porto tinha sido beneficiado pela arbitragem contra o Leiria, porque o seu guarda-redes foi mal expulso, «esquecendo» de mencionar: a) que só se percebe pela repetição em slow-motion que a bola lhe vai, de facto, à cara e não às mãos; b) que a expulsão ocorreu a dez minutos do fim, quando o resultado final já estava fixado; c) que antes haviam sido anulados dois golos ao FC Porto, um dos quais duvidoso e o outro claramente mal anulado; d) que havia sido validado o primeiro golo do Leiria, também em posição duvidosa, mas com diferente critério de apreciação; e) e que, já nos descontos, o árbitro não hesitou em marcar penalty contra o Porto e expulsar o Fernando, por mão na bola, que foi real mas também não era evidente (e se o penalty tem entrado, aí sim, adeus campeonato). Dizem que o penalty deveria ter sido repetido, porque Helton se mexeu antes, mas não há quem não saiba que essa é uma regra que em todo o lado só se aplica em casos flagrantes, sob pena de ter de se repetir 90% dos penalties.

3O erro imperdoável do fiscal-de-linha, anulando um golo limpo e, para mais, lindíssimo, foi a razão determinante dos dois pontos perdidos contra o Paços, mas não a única. Bastas vezes tenho escrito, e mantenho, que as grandes equipes têm de jogar o suficiente para se colocarem ao abrigo dos erros dos árbitros. O FC Porto também teve, claro, culpas próprias: vários jogadores, em posições determinantes, falharam em momentos-chave ou durante todo o jogo — Rolando e Falcão falharam o que não podiam falhar; Belluschi e Cristian Rodriguéz passaram pelo jogo estragando todas as jogadas em que intervinham.

Mas houve ainda outros factores a acrescentar às razões do fiasco: a falta de sorte e a incrível exibição do guarda-redes pacense, negando quatro golos certos apenas nos cinco minutos finais. E mais: a continuada ausência de Hulk, que já vai em cinco jogos de suspensão «prévia» (e ainda há benfiquistas que têm o supremo desplante de escrever que o FC Porto é que está tirar proveito da demora do inquérito disciplinar e que até é muita suspeita a demora! Ah, isso é, só que as suspeitas são outras…).

E, enfim, houve um último factor absolutamente decisivo no desfecho do jogo, e eu peço muita desculpa ao Paços de Ferreira, aos seus jogadores e treinador por ter de o referir, mas eu gosto muito de futebol e há coisas que não se podem calar. Disse Ulisses Morais, no final e antes que alguém falasse nisso, que «dignificámos o espectáculo, não fazendo anti-jogo». Rigorosamente falso: o Paços foi a equipe que mais anti-jogo fez no Dragão esta época, jogou sempre em 4x5x1 e às vezes em 5x5x0, fez um golo caído do céu sem que Helton tenha feito uma única defesa em todo o jogo e os seus jogadores simularam falsas lesões nada menos do que doze vezes. Em Inglaterra, o árbitro não lhes teria consentido esse tipo de jogo, o público tê-los-ia vaiado até os envergonhar e a imprensa tê-los-ia desancado sem dó nem piedade. Mas por isso mesmo é que em Inglaterra os estádios estão sempre cheios, jogue quem jogar. Lamento dizê-lo, mas não gosto de hipocrisias: a exibição do Paços de Ferreira no Dragão foi anti-futebol e infelizmente ajudada de forma decisiva por um fiscal-de-linha que anulou um golo obtido quase da única maneira possível, face àquele anti-jogo — através de um passe de ruptura vertical e uma desmarcação fulgurante do ponta-de-lança.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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