terça-feira, 9 de dezembro de 2008

CR7, 3G e números 9

1 - Cristiano Ronaldo está de parabéns e nós com ele; não são todos os países que conseguem ter no mesmo ano o vencedor da Bola de Ouro e da Bota de Ouro. E quem anda lá por fora sabe o que a fama de um jogador como Cristiano Ronaldo acrescenta ao prestígio de Portugal e, às vezes até em circunstâncias difíceis, pode ajudar a facilitar a vida no estrangeiro.
Julgo que a consagração de Cristiano Ronaldo é merecida, acima de tudo, porque fica a sensação de que resulta de muito e muito trabalho e de uma abordagem completamente profissional à sua missão. Todos os relatos contam como, tanto no Sporting como no Manchester, Cristiano se treinava sempre mais do que os outros, ficando a fazer horas e exercícios extras quando os colegas já tinham ido para o duche ou para casa. Para disputar, ao nível que ele joga e no campeonato que ele joga, umas 60 partidas por ano é preciso ser-se um atleta de eleição e é isso, sobretudo, que eu acho que ele é. Se os zelotas do patriotismo me permitem a heresia, repito o que já escrevi: considero o Lionel Messi o melhor jogador do mundo — e, pelo menos, há uns três anos para cá que não vejo ninguém com génio comparável. Em minha opinião, Messi é melhor jogador, Cristiano é melhor atleta. Qualquer dos dois podia ter ganho a Bota de Ouro, mas ainda bem para nós que foi Cristiano.

Conta Marcelo Rebelo de Sousa, no ultimo número do Sol, que licitou num leilão uma bola dedicada e autografada por Cristiano. Rezava assim a dedicatória: «Do génio da bola, Cristiano Ronaldo». E dizia Marcelo: «Um grande jogador. E modesto…». Esse é o grande perigo que hoje em dia espreita Cristiano Ronaldo: o deslumbramento. Oxalá os prémios sirvam também para acalmar essa sede de protagonismo e de glória, para que, no fim de tudo, reste só o grande prazer de jogar futebol que é a marca dos verdadeiros génios.

2 - Os três grandes (3G) ultrapassaram com uma perna às costas as deslocações desta jornada, mostrando que as coisas internamente estão a entrar na normalidade. O final dos jogos tem sido fatal para o Leixões, que viu o seu sonho lindo chegar a um fim natural, substituído pelo sonho, longamente adiado, do Benfica comandar o campeonato.

O Sporting ganhou sem grandes sustos na Amadora, mantendo o hábito e nem sequer chegando a asustar-se com o golo inaugural do Estrela.

O Benfica, como é de tradição, encontrou uma passadeira vermelha no Funchal, com direito a Alberto João Jardim nos Barreiros e tudo. Fiquei com algumas dúvidas na jogada determinante do primeiro golo (não no penalty, mas no que o antecedeu: o livre, a sua cobrança, a posição de Suazo), mas, embora essa jogada tenha praticamente traçado a sorte do jogo, não fiquei com dúvidas de que o Benfica chegaria sempre à vitória, porque o seu ataque, quando está completo e em dia sim, facilmente resolve estes jogos.

O FC Porto, cujas visitas a Setúbal são um verdadeiro pesadelo local, somou o 25.º jogo no campeonato no Bonfim sem perder e a 9ª vitória consecutiva.

O resultado de 0-3 pode enganar quem não viu o jogo de Setúbal: o FC Porto jogou mal e durante três quartas partes do jogo deu a sensação de que caminhava para um fiasco. Fico sempre apreensivo quando vejo o FC Porto começar o jogo a passo, jogando para trás e para os lados, fazendo passar a ideia de que os jogadores estão confiantes de que têm a eternidade diante deles para resolver os jogos com equipas mais fracas. O FC Porto passou os três primeiros minutos de jogo a trocar a bola no seu meio-campo, e os primeiros 66 minutos a jogar um futebol lento e sem ideias, criando apemas uma oportunidade de golo. Até que um canto e o superior poder de elevação de Bruno Alves abriram o caminho para a vitória, a seguir confirmado por um rasgo individual de Hulk. Mas ficaram vários sinais de preocupação, embora muito bem disfarçados por uma vitória anormalmente robusta.

Há dias estava a ler uma troca de argumentos entre leitores destas crónicas na net e havia um leitor portista que me acusava de incoerência por no passado ter criticado as exibições de Lucho González e depois ter passado a elogiá-las. Não sei se o leitor já terá reparado, mas Lucho é um jogador bipolar: tem fases de luz e fases de trevas. Nas primeiras, é um jogador que enche o campo e marca todo o ritmo da equipa, inventando espaços e linhas de passe, funcionando como um verdadeiro coração do onze; nas outras, que acontecem por vezes sem motivo lógico, é um jogador ausente e triste, que chega a parecer desinteressado do jogo. Quando escrevi essa crónica cuja memória o leitor guardou, foi a seguir a assistir a um jogo em que me dei ao trabalho de reparar que, nos primeiros 25 minutos, Lucho nem sequer tinha tocado na bola. Agora, infelizmente para a equipa, ele parece estar a atravessar outra vez uma fase de ofuscação, como já tinha sido patente no jogo com a Académica e voltou a ver-se em Setúbal, apesar do excelente golo final que facturou. Como, além dele, o FC Porto actual só dispõe de mais um bom médio de ataque, que é Meireles, as suas ausências mentais deixam o meio-campo portista tremendamente desfalcado. Para agravar as coisas, não há trinco de categoria: pese toda a promoção da imprensa, o Fernando está longe de me convencer; os dois últimos golos sofridos pelo FC Porto (contra o Fenerbaçhe e a Académica), para já não falar do golo contra o Sporting para a Taça, resultaram de passes falhados dele. E um trinco tem de ter uma segurança e qualidade de passe infalíveis.

Depois de muito insistir num 4x3x3 sem nenhum extremo de qualidade (excepto, talvez, Candeias, de que não gosta e não usa), Jesualdo tem vindo a derivar para um 4x1x3x2, assim ao menos terminando com o inexplicável ostracismo de Hulk. Até ele se convencer de que o Hulk era potencialmente o maior perigo de um FC Porto desfalcado de um desequilibrador como Quaresma, foi necessário insistir até à nausea no Mariano, experimentar o Tarik e tentar às vezes o Farias. Enfim, lá acabou por aceitar o que entrava pelos olhos dentro: que Hulk é, neste momento, a mais-valia ofensiva da equipa (os adversários, esses, sabem-no bem, que fazem dele um saco de pancada em todos os jogos). Não fosse Hulk, e o FC Porto, neste momento, não conseguiria disfarçar a crise de Lucho, o momento descrente de Lisandro e a absoluta inutilidade do jogo de Cristián Rodriguéz (também muito estimado pela critica, mas que não encontra um adepto na bancada).

Este FC Porto, mais ainda do que o do ano passado, é uma equipa desequilibrada: metade são grandes jogadores e outra metade são jogadores banalíssimos; falta o meio- -termo. E bastaria, por exemplo, que no próximo mercado de Inverno fossem recuperados o Leandro Lima, o Ibson e o Luís Aguiar — todos emprestados a outros emblemas — e aquele meio-campo estaria aí para enfrentar a segunda metade da época com outros argumentos.

3 - Há qualquer coisa de semelhante no processo e na filosofia de jogo entre Hulk e Suazo. Ambos são atacantes do género não complicativo. Parecem perguntar «Qual é a finalidade disto? É marcar golos? Então vamos a isso!». O Hulk é mais forte, o Suazo é mais técnico, mas ambos trazem ao jogo das suas equipas uma simplicidade de ideias e uma escolha de trajectórias lineares para chegar ao golo que são raras, hoje em dia. Há pontas-de-lança que, apesar de às vezes parecerem e serem tidos como finalizadores e jogadores dotados, passam a vida a fugir da responsabilidade do golo. Procuram sempre a quem passar a bola lateralmente, mesmo quando têm espaço para o remate e a baliza à frente; recebem a bola de costas, com os centrais atrás, e tratam logo de a atrasar para de onde ela veio; em vez de se fixarem na zona de tiro, gostam de se desmarcar para zonas menos decisivas, colhendo os elogios dos críticos pela sua constante «mobilidade». Mas não resolvem jogos, não. Hulk e Suazo sim, esses resolvem. Como o Liedson, noutro estilo.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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