terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ó Labaredas, você viu aquilo?


1 O Labaredas é o anónimo 'jornalista' do site oficial do FC Porto que, à falta de melhor, gosta de implicar comigo. A semana passada, o Labaredas embirrou que eu não poderia ter escrito aqui, como escrevi, que esta é a mais fraca equipa do FC Porto dos últimos quatro anos. Manifestamente, e segundo ele, não é. Eu poderia responder-lhe, simplesmente, que ele não percebe nada de futebol e que nem esta sequência de três pungentes exibições em jogos caseiros de dificuldade mínima — APOEL, Académica e Belenenses — conseguiram fazer-lhe entender o que, todavia, entra pelos olhos adentro de qualquer um. Mas essa não seria a resposta adequada, porque o problema do Labaredas não é o facto de ele achar ou não achar que esta equipa é a mais fraca dos últimos anos — o problema é que ele acha que, mesmo que tal seja verdade, não é coisa que um portista escreva, sob pena de crime de lesa-Majestade. No mundo onde pantaneia o Labaredas, tudo o que Suas Infalíveis Majestades fazem está certo por definição: é para isso que lhe pagam, é por isso que ele é a voz do dono. Muito deve incomodar o espírito acomodado e a espinha curvada do Labaredas que eu viva a escrever há vários anos que todas as épocas Suas Inafalíveis Majestades se dedicam a substituir dois ou três dos melhores por uma camioneta de sul-americanos (dos quais apenas dois ou três têm valor), com isso aumentando o rol das várias dezenas de jogadores emprestados a quem o clube paga ordenados para jogarem por outros, com isso impedindo o aparecimento de valores novos produzidos nas escolas do clube com custos que também o clube paga, mas com isso não conseguindo nem tornar a gestão solvente, nem o passivo dissolvente.
Repare, Labaredas: Deco, Mc Carthy, Maniche, Derlei, Costinha, Carlos Alberto, Luís Fabiano, Alenitchev, Pedro Mendes, Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Nuno Valente, Paulo Ferreira, Diego, Ibson, Anderson, Bosingwa, Ricardo Quaresma, Pepe, Paulo Assunção, Lisandro, Lucho, Cissokho, etc, etc, já aqui vão 22 - duas equipas — sem sequer puxar muito pela memória. Imagine que equipa não teríamos agora, se apenas tivéssemos vendido metade ou mesmo dois terços deles! Ah, mas valeram milhões! Pois valeram: mas onde estão esses milhões, Labaredas? É essa a questão, percebe agora?

2 A boa notícia para logo à noite em Nicósia, é que, excepcionalemnte, vamos entrar em campo onze contra onze: o Mariano González não joga porque está castigado. E, embora nos continuem a faltar extremos de categoria (ó SAD, por favor, peçam lá o Quaresma emprestado ao Mourinho!) e médios ofensivos que, entre outros atributos, sejam capazes, de vez em quando, de rematar de meia distância sem enfiar a bola na bancada, o facto de entramos de igual para igual já é uma substancial melhoria. O futebol fez-se para jogar com onze, e não com dez, mais o Mariano González.

Mas a questão é que, tirando o Labaredas, a confrangedora exibição frente ao Belenenses (seguramente a mais fraca equipa que passou pelo Dragão desde há muito) deixou-nos a todos, verdadeiros portistas, completamente deprimidos. E nem adianta o consolo que foi ver o Benfica encostar em Braga ou o Sporting, mais uma vez, encostar em Alvalade. Com o mal dos outros podemos nós bem, mas não é apenas o consumo interno que nos preocupa: somos nós e apenas nós que jogamos a Champions e que temos a missão de prestigiar o futebol português de clubes. Ora, pelo que se viu contra o Beleneneses, e antes contra a Académica, e antes contra o APOEL, a missão afigura-se mais do que problemática.

Eu sei que, como diz Jesualdo Ferreira, vamos melhorar — aliás, só podemos melhorar. Mas, olhando para o actual nível exibicional da equipa, temo que, quando tal suceder, seja já tarde para evitar alguns danos produzidos. É que não é apenas a falta de extremos ou médios de ataque que dêem garantias, não é apenas a falta de um guarda-redes que não comprometa nos jogos mais importantes, ou a baixa de forma gritante de alguns jogadores em quem se confiava: é tudo o resto, também. A aparente deficiente condição fisica, a falta de atitude de conquista, que era a imagem de marca desta equipa nos anos anteriores, e até, estranhamente, a falta absoluta de ideias do que fazer contra equipas que se fecham todas atrás do seu muro, como este triste Belenenses (o Álvaro Pereita deve ter cruzado algumas 20 bolas para a área, 80% a despropósito, 90% mal cruzadas e 100% cruzadas do local errado, e da forma errada, de trás para a frente). Nos três jogos referidos — os últimos três disputados — o FC Porto, versão 2009/10 — começou sempre o jogo numa atitude de sobranceria, de descontração e falta de pressa em resolver as coisas. Passes displicentes transviados, remates à baliza dignos de amadores e assumidos como coisa naturalíssima, livres e cantos cobrados sem qualquer imaginação nem sombra de perigo, futebol a passo, sem rasgo nem génio: francamente, se lhes tivessem trocado as camisolas, eu acreditaria que estava a ver jogar o Sporting, sem ofensa.

O que fazer? Pois, começar a ganhar e já hoje. Depois, esperar que a longa e inexplicada ausência do Silvestre Varela chegue ao fim e que Jesualdo não demore mais um mês a integrá-lo, prolongando a penitência do Mariano e a nossa. E depois, se é que queremos bater-nos pelo campeonato e, vá lá, pelos quartos-finais da Champions, ir às compras em Dezembro. Sei que é contra tudo o que aqui venho defendendo há anos, em termos de gestão desportiva e financeira, mas visto que não há alternativa urgente, pois que tantos jogadores bons e úteis foram emprestados e nenhuma promessa dos juniores é aproveitada, não vejo outra saída a curto prazo.

3 Este ano fiz a mim mesmo uma promessa: não falar de arbitragens, enquanto me aguentar. Vamos quase a um terço do campeonato e tenho-me aguentado, não falando nem das arbitragens dos jogos do FC Porto nem das dos rivais. E tenho-me aguentado, sorrindo, mesmo quando (e é todas as semanas, sem falhar) leio os delirantes textos do ilustre trio de benfiquistas Leonor Pinhão-Sílvio Cervan-Ricardo Araújo Pereira (Fernando Seara é outro estilo). Eles começam a atacar os árbitros — os deles e os dos outros — antes dos jogos, continuam depois e nunca estão saciados. Tudo, rigorosamente tudo, lhes serve de motivo de suspeita e de tese de argumentação: se o árbitro é de Viana do Castelo, de Leça do Bailio ou de Reguengos de Monsaraz; se gosta de leitão à Bairrada ou de peixe grelhado; se, num anterior jogo de 2004 ou 1997, na opinião deles, não marcou um penalty a favor do Benfica, mas também se, pelo contrário, o marcou (o que significa que da próxima vez não marcará).

Eu leio, sorrio, às vezes apetece-me tremendamente responder-lhes igualzinho, mas depois lá me vou aguentando. Sempre achei e sempre o disse que, em minha opinião, as equipas verdadeiramente vencedoras não perdem tempo a discutir árbitros nem a queixar-se de arbitragens: devem jogar o suficiente para não estar à mercê de um erro do árbitro, que quase sempre acontece. E também acho que quem fala, grita e esbraceja quando se sente prejudicado e se cala muito caladinho quando toda a gente viu que foi beneficiado, quem se dá ao trabalho de fazer contabilidades de pontos 'roubados' pelos árbitros sem incluir nas contas os desfechos inversos ou os prejuízos dos rivais, não merece crédito algum.

Dou apenas um exemplo: já para aí ouvi muitos benfiquistas queixarem-se de terem sido roubados em Braga, devido ao golo do Luisão anulado. Bem, pese embora às explicações que li sobre a existência prévia de uma falta de outro jogador benfiquista na mesma jogada e que terá justificado a anulação do golo, eu, pela televisão, não vi falta alguma. Vamos admitir, então, que o golo foi mal anulado: quem poderia garantir que, se tem sido validado, o Benfica manteria o empate ou chegaria mesmo à vitória? Facto é este: o Braga ganhou 2-0; se o golo tem sido validado, teria ganho 2-1. O resto são contas à Sílvio Cervan.

Agora, atentem no golo que todos concordam ter sido mal anulado ao FC Porto, quando havia 0-0. Quem pode garantir que o Belenenses, a perder por 1-0 e com a consequente necessidade de desmontar o Muro de Belém em frente à sua baliza, chegaria ao empate, em lugar de encaixar mais um ou dois golos? Facto: o resultado foi 1-1; se o golo é validado, como deveria ter sido, o FC Porto teria ganho 2-1. Ou seja, o resultado da jornada, revisto à luz das arbitragens, acabou por ser excelente para o Benfica: uma eventual má decisão do árbitro que o prejudicou, não lhe roubou, todavia, ponto algum; já uma real decisão errada do árbitro roubou dois pontos ao FC Porto. Mas, como costumam dizer os treinadores, não vou por aí: o FC Porto perdeu dois pontos porque não jogou nada. E disso, o árbitro não tem culpa.

Miguel Sousa Tavares n' A Bola.

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