SIM, precisamos ainda de mais um milagre para chegarmos enfim à África do Sul. Um milagre como o das traves e postes do Estádio da Luz, substituindo, com brilho, a inércia de Eduardo entre os postes, vendo o jogo aéreo passar-lhe em frente do nariz sem se mexer, um milagre como a cabeça salvadora do Bruno Alves já nos descontos, em Tirana, permitindo arrecadar três pontos decisivos, ou a outra cabeça salvadora, sábado passado, na Luz, substituindo, em local que não era seu, a inépcia atacante da Selecção.
Pois, jogador por jogador, nós somos francamente melhores que a Bósnia ou a Dinamarca. Mas, ninguém entende porquê, aquele conjunto de estrelas internacionais, uma vez reunido, não funciona. Certas coisas, nós vemos que resultam de deficiente trabalho de casa: livres e cantos que não foram ensaiados de forma alguma, nenhuma «jogada de laboratório» estudada. Outras coisas, que se esperariam espontâneas, como a inspiração individual ao serviço do colectivo, nunca acontecem: Deco, Cristiano Ronaldo, Simão ou Nani são apenas estrelas desmaiadas, invariavelmente menores na Selecção do que o são nos respectivos clubes. Acontece.
Estava a ver o Portugal-Bósnia junto com uns amigos estrangeiros quando Portugal chegou ao 1-0 e eles comentaram: «Bom, agora é aproveitar e cair em cima deles, para resolver isto já aqui». Expliquei-lhes que não, que não é assim que as coisas funcionam aqui: quando a Selecção consegue chegar ao 1-0, toca a reunir, missão cumprida e trata-se depois e apenas de «gerir a vantagem», como dizem os entendidos. Eles não acreditaram, mas depois viram. Tirando uns doze minutos na segunda parte, culminados com aquela grande oportunidade criada por Liedson a partir do nada (e que Carlos Queiroz comparou ao azar da Bósnia, com três remates na madeira!), nada mais fez a Selecção que justificasse o 2-0. Foi curto, muito curto, para quem quer estar no Mundial do Verão que vem. A verdade, passada já quase uma dúzia de jogos no caminho para África, é que apenas uma vez — e logo no primeiro jogo, frente à Dinamarca — é que a Selecção de Portugal mostrou, sem margem para dúvidas, que merecia estar no Mundial. O resto tem sido uma eterna gestão de «tem-te, não caias», que, tudo indica, vai durar até ao último minuto do último jogo, amanhã, próximo de Sarajevo. E, de todas as vezes, em cada um dos jogos a história repete-se: acreditamos sempre que desta é que é, desta é que a Selecção das tão louvadas vedetas vai finalmente arrancar um jogo que nos faça sentir que temos equipa para chegar ao Mundial e fazer alguma figura. E, depois, mesmo quando tudo começa bem, mesmo quando os deuses estão do nosso lado, parece que se instala ali um cansaço de bem jogar, um indisfarçável tédio de ter que provar, com trabalho e esforço, uma superioridade que todas as estatísticas nos conferem. Enfim, mas isto vai acabar: acaba amanhã. Amanhã, sim, vamos finalmente mostrar ao mundo porque merecemos estar na África do Sul.
Suponho que, não havendo lesionados, Queiroz irá repetir, tal e qual, a equipa da Luz. Assim, e à maneira dos jornais desportivos, vou deixar aqui a minha apreciação individual dos doze da Luz (Tiago e Hugo Almeida não jogaram os minutos necessários para poderem ser avaliados). Esclareço que a minha classificação vai de zero a cinco valores e que sou muito mais exigente que a generalidade dos críticos desportivos, porque adoro bom futebol mas não tenho paciência para mau futebol. Aqui vai, então:
EDUARDO (1) - Quem leu as últimas apreciações que fiz aos seus desempenhos na baliza do Braga, sabe que eu não tenho confiança nele no jogo aéreo, em que é um digno sucessor de Ricardo. Contra a Bósnia e a terminar a primeira parte, ofereceu literalmente o empate, ao permitir um cabeceamento na pequena área a um metro de distância do local onde estava e se deixou ficar, estático. Repetiu o mesmo ao findar o jogo, permitindo novo cabeceamento, embora mais distante, e nova bola na trave. Desculpem-me, mas eu permaneço fiel à «escola Vítor Baía», onde, antes das traves, estavam lá as mãos de Baía. Era bem mais tranquilo. Que o digam os portistas, que também lá têm o Helton…
PAULO FERREIRA (0,5) - Há muito que deixou para trás a forma que permitiu ao FC Porto vendê-lo ao Chelsea por 20 milhões. Mal a defender, inexistente a atacar. Alturas houve em que me cheguei a esquecer que estava em campo.
DUDA (1) - Tentou atacar uma ou duas vezes, mas sem rasgo e inspiração. Periclitante a defender, às vezes até despachando a bola para onde estava virado.
RICARDO CARVALHO (3) - Um dos melhores, apesar da diferença de altura para os bósnios e apesar de ter de dobrar frequentemente Paulo Ferreira.
BRUNO ALVES (3) - Leva nota semelhante pelo golo, que pode valer ouro e diamantes (magnífica a crença com que acreditou e acompanhou o ataque, colocando-se na posição sobejante que lhe permitiu marcar), e pelo empenho de sempre. Mas não esteve tão inultrapassável como habitualmente.
PEPE (3) - Primeira parte à deriva, sem atinar com o lugar e a função no jogo, e segunda parte «à Pepe» — decisivo no apoio atrás, na impulsão do jogo para a frente e na motivação extra que deu a toda a equipa que o quis acompanhar.
DECO (0) - Já nos tempos áureos do FC Porto, eu achava que ele não devia ter lugar cativo na equipa, de tal maneira o seu futebol é intermitente, capaz do melhor e do desesperantemente mau. Foi o caso, mais uma vez, sábado passado. Estragou jogo sem cessar e ainda insistiu numa coisa que só em Portugal lhe é consentido pelos treinadores: cobrar cantos e livres próximos da área, para o que lhe falta em absoluto qualquer talento.
RAUL MEIRELES (3) - Uma vez mais, e ao contrário de Deco, esteve melhor na Selecção, bem melhor, do que tem estado no FC Porto. Teve um fantástico passe longo a isolar Nani, que o desperdiçou por má recepção, e teve um magnífico trabalho na esquerda a oferecer o golo frontal a Deco, que chutou… como de costume.
SIMÃO SABROSA (1) - Depois do bom desempenho na última chamada à Selecção, voltou à normalidade das más exibições. Nada fez digno de registo positivo.
NANI (0,5) - A começar, parecia que ia justificar a sua reivindicação de lugar cativo, mas rapidamente se deixou de veleidades. Fez tudo ou quase tudo mal e, no final, na flash interview, ainda se permitiu responder em tom sobranceiro, de quem nada ficou a dever a ninguém. Mas ficou, sim, ficou a dever uma boa exibição a todos os adeptos.
LIEDSON (2) - Este, sim, não sabe o que é poupar-se, mesmo e sobretudo se as coisas não lhe correm bem ou se o jogo não lhe chega. Ao contrário do que disse Queiroz, ele não desperdiçou uma oportunidade de golo: ele criou uma oportunidade saída exclusivamente do seu génio e que, se tem entrado, seria um golo para recordar por muito tempo.
FÁBIO COENTRÃO (0) - Li aqui n'A Bola, que «esteve bem tanto à direita como à esquerda». Pois, eu (cada cabeça, sua sentença) acho que esteve tão mal e tão inexistente à esquerda como à direita. Longe, muito longe de confirmar as boas exibições pelo Benfica e de justificar a sua estreia como internacional A. Desde que Queiroz o lançou, o ataque de Portugal morreu, sem remissão. Mas, ao contrário de Nani, teve a humildade de reconhecer que esteve mal — o que é meio caminho andado para que, da próxima, esteja melhor. E tem valor para isso.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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