É uma imagem fantástica, de uma candura que inquieta — a do cego na poesia de Jorge Luís Borges: Estou só em casa, olhando-o e não há nada no espelho.
É uma lei da vida do futebol, destino cruel, talvez — o dos árbitros que num instante breve, uma ou outra vez, acabam por ficar assim: sós em casa, olhando-o, sem nada no espelho. Todos. Nélson Rodrigues achava que disso se alimenta a paixão que se agita no lusco jogo que é a alma de todos nós: «A arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno dá ao futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeariana. O espectáculo deixa de se resolver em termos especificamente técnicos e tácticos. Passa a ter uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: o juiz ladrão revolve, no time prejudicado esse fundo de insânia, de ódio, que existe, adormecido, no mais íntegro dos seres. E o mínimo que nos ocorre é beber-lhe o sangue.»
Eu acho que não — e portanto há coisas que me abalam mais. Por exemplo, ver que o pior cego é o que consegue ver Paixão em aceitável árbitro sem lhe conseguir ver erros e despautérios incríveis, injustificáveis, sucessivos, recorrentes — de que o penalty de Rúben Micael no Leixões-FC Porto foi apenas mais um, desconcertante. E nesses casos o que me ocorre não é beber-lhe o sangue — é sentir-lhe pena. Pena, sim — porque a culpa não é das 23 dioptrias (para não pensar coisa pior...) do tragicómico Sr. Bruno, da sua falta de classe ou de personalidade — a culpa é de quem insiste em mandá-lo fazer o que ainda lhe manda fazer, sem notar que são vezes de mais as vezes em que ele olha, exibicionista, pimpão, para um lance e o decide pior do que se estivesse só em casa, olhando-o, sem nada no espelho - e nada lhe acontece...
António Simões n' A Bola.
1 comentário:
Assim se revela um comentador ISENTO! Ainda bem que não há só cegos!Parabéns!
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