À medida que o tempo passa acodem-me à lembrança pormenores da conversa tida recentemente com o Menino Jesus. Dela dei aqui conta na semana passada. Talvez a minha memória tenha ficado mais viva pelo facto de eu ter seguido o Seu conselho e, desde aquela altura, ainda não ter parado de rir, caçoar e mangar com os astuciosos gabirus, fariseus e proteus que visam vergar-nos com o fardo da tristeza e do pessimismo. Ademais esse conselho veio aguçar aquilo que já tinha aprendido com Ludwig Wittgenstein: o «humor não é um estado de espírito, mas uma visão do mundo».
Era forçoso que eu falasse ao Menino nas prendas que nos estão reservadas neste Natal. Ele revelou-me algumas e não fez questão de sugerir que eu guardasse segredo; por isso vou abri-las aos leitores.
Em primeiro lugar, o Menino garantiu que nos íamos ver livres do famigerado sistema e do clima de corrupção que este criou no futebol. O Benfica chegaria ao primeiro lugar do campeonato e a partir daí não haveria mais razões para os jornais e programas de rádio e televisão nos atafulharem constantemente os olhos e ouvidos com semelhante imundície. Que alegre e faustosa novidade e quão soberba e excelente notícia, confirmando que é sempre da(o) capital que a virtude e a moral irradiam para a periferia e a província!
Em segundo lugar, fiquei a saber que o melhor treinador do mundo, isto é, José Mourinho, ia ser prendado com uma caixinha de pozinhos mágicos, susceptíveis de transformarem Ricardo Quaresma no génio, no criativo, no fantasista e desequilibrador que os nossos iluminados e extasiados analistas e comentadores sempre viram nele. Por sua vez, os jornalistas italianos vão receber lentes especiais que os façam ver o que os seus colegas portugueses tanto apregoam e exaltam, mas eles não conseguem descortinar, nem de perto nem de longe.
Em terceiro lugar, fui informado de que o presidente da Comissão Disciplinar da Liga seria obsequiado com um tratado de justiça do tamanho do mal a que condenou o Boavista. A consulta e assimilação do extenso volume bom jeito lhe farão, sabendo como ele está apostado e vocacionado para ser um ilustre, fulgurante, eminentíssimo e famoso, mas contido, humilde, probo e recatado doutor de leis.
As restantes prendas são mais ou menos do mesmo jaez; a enumeração de todas corria o risco de ser fastidiosa, pelo que me contento em referir estas, por serem suficientes para dar a ideia aproximada da conversa em apreço.
Resta acrescentar que também perguntei ao Menino como será o novo ano e se as reformas vão continuar. Ele não se fez rogado e reagiu de imediato: «Quais reformas? Reforma é um termo que significa melhoria da qualidade de alguma coisa. Ora nenhuma das medidas que estão a ser tomadas, em qualquer sector, é ditada por essa preocupação; todas seguem a cartilha e a lógica de interesses do economicismo neoliberal. O que era sólido foi fragilizado e o frágil destruído».
Confesso que fui apanhado em falso e fiquei sorumbático, com cara de basbaque. Meio abatido e atónito, meio tímido e lívido, levantei a cabeça para Ele e inquiri se não havia um sinal de esperança para nós. O Menino lançou-me um olhar de terna e doce compreensão e retorquiu: «Se todos demonstrarem a lucidez, coragem e persistência dos professores, um dia sereis premiados com a democracia».
Foi então que eu me senti como se fosse fulminado por um raio. No entanto, atrevi-me a balbuciar confuso e dominado pela incredulidade e gaguez: «Mas em democracia já nós vivemos!» O Menino fitou-me com ar sorridente e exclamou: «Santa ingenuidade!» Dito isto, desapareceu e eu fiquei perplexo a matutar naquilo que Ele me quis dizer. Acho que já percebi; os factos não deixam outra alternativa. Afinal, lá do alto vê-se e avalia-se com melhor precisão e rigor aquilo que ocorre cá em baixo, neste chão sujo, de erva daninha e ruim. Logo devemos redobrar a reacção de zombaria e desdém, festejar assim o Natal e do mesmo jeito entrar no Novo Ano. Riso e sorrisos, alegria, humor e saúde — eis o que eu desejo aos leitores.
Jorge Olímpio Bento n' A Bola.
Era forçoso que eu falasse ao Menino nas prendas que nos estão reservadas neste Natal. Ele revelou-me algumas e não fez questão de sugerir que eu guardasse segredo; por isso vou abri-las aos leitores.
Em primeiro lugar, o Menino garantiu que nos íamos ver livres do famigerado sistema e do clima de corrupção que este criou no futebol. O Benfica chegaria ao primeiro lugar do campeonato e a partir daí não haveria mais razões para os jornais e programas de rádio e televisão nos atafulharem constantemente os olhos e ouvidos com semelhante imundície. Que alegre e faustosa novidade e quão soberba e excelente notícia, confirmando que é sempre da(o) capital que a virtude e a moral irradiam para a periferia e a província!
Em segundo lugar, fiquei a saber que o melhor treinador do mundo, isto é, José Mourinho, ia ser prendado com uma caixinha de pozinhos mágicos, susceptíveis de transformarem Ricardo Quaresma no génio, no criativo, no fantasista e desequilibrador que os nossos iluminados e extasiados analistas e comentadores sempre viram nele. Por sua vez, os jornalistas italianos vão receber lentes especiais que os façam ver o que os seus colegas portugueses tanto apregoam e exaltam, mas eles não conseguem descortinar, nem de perto nem de longe.
Em terceiro lugar, fui informado de que o presidente da Comissão Disciplinar da Liga seria obsequiado com um tratado de justiça do tamanho do mal a que condenou o Boavista. A consulta e assimilação do extenso volume bom jeito lhe farão, sabendo como ele está apostado e vocacionado para ser um ilustre, fulgurante, eminentíssimo e famoso, mas contido, humilde, probo e recatado doutor de leis.
As restantes prendas são mais ou menos do mesmo jaez; a enumeração de todas corria o risco de ser fastidiosa, pelo que me contento em referir estas, por serem suficientes para dar a ideia aproximada da conversa em apreço.
Resta acrescentar que também perguntei ao Menino como será o novo ano e se as reformas vão continuar. Ele não se fez rogado e reagiu de imediato: «Quais reformas? Reforma é um termo que significa melhoria da qualidade de alguma coisa. Ora nenhuma das medidas que estão a ser tomadas, em qualquer sector, é ditada por essa preocupação; todas seguem a cartilha e a lógica de interesses do economicismo neoliberal. O que era sólido foi fragilizado e o frágil destruído».
Confesso que fui apanhado em falso e fiquei sorumbático, com cara de basbaque. Meio abatido e atónito, meio tímido e lívido, levantei a cabeça para Ele e inquiri se não havia um sinal de esperança para nós. O Menino lançou-me um olhar de terna e doce compreensão e retorquiu: «Se todos demonstrarem a lucidez, coragem e persistência dos professores, um dia sereis premiados com a democracia».
Foi então que eu me senti como se fosse fulminado por um raio. No entanto, atrevi-me a balbuciar confuso e dominado pela incredulidade e gaguez: «Mas em democracia já nós vivemos!» O Menino fitou-me com ar sorridente e exclamou: «Santa ingenuidade!» Dito isto, desapareceu e eu fiquei perplexo a matutar naquilo que Ele me quis dizer. Acho que já percebi; os factos não deixam outra alternativa. Afinal, lá do alto vê-se e avalia-se com melhor precisão e rigor aquilo que ocorre cá em baixo, neste chão sujo, de erva daninha e ruim. Logo devemos redobrar a reacção de zombaria e desdém, festejar assim o Natal e do mesmo jeito entrar no Novo Ano. Riso e sorrisos, alegria, humor e saúde — eis o que eu desejo aos leitores.
Jorge Olímpio Bento n' A Bola.
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