ESTAVA Pequim sob um céu de chumbo, faltava pouco para Nélson Évora saltar no Ninho de Pássaro e aterrar na eternidade. A caminho do estádio, voluntária que estudava filosofia, vendo-me em ânsias, roendo as unhas, talvez imaginando porquê, falou-me, sorrindo muito, de Zhuangzi. Explicou-me que ninguém como ele pensou o homem como ser que só existe em relação ao outro no espírito que se pode mudar sempre, que nisso está a capacidade de se compreender, transformar e suplantar. Que era o que o tornava tão arrebatante como Confúcio. E contou-me famosa metáfora sua:
Que um rei das terras de Zhou chamado Xuan pedira a Ji Shengzi que lhe treinasse um galo de luta. Dez dias depois, em frenesim, perguntou-lhe:
– O galo já pode lutar?
e Shengzi respondeu-lhe que não:
– Ainda me parece falso, orgulhoso, ainda tem energia vital perigosa.
Mais dez dias se passaram, regressou o rei à sua pergunta e Shengzi a resposta não muito diferente:
– Não, majestade, o galo ainda não está capaz de lutar porque ao escutar sons ou ao ver sombras, reage de imediato, por instinto, sem grande controlo, briguento, impulsivo.
Dez dias depois, Xuan voltou ao campo do treino a arder de impaciência e escutou, enfim, em murmúrio:
– Quando os outros galos cucuricam já não o afectam, parece de madeira, a sua virtude está, pois, intacta e completa. Os adversários já não devem atrever-se a desafiá-lo, ao vê-lo assim baixam a cabeça em pânico e fogem. Ou se vão à luta vão perdidos. Por isso pode levá-lo, majestade...
Nos últimos tempos, sempre que olho para o FC Porto lembro-me da poesia e do simbolismo que a metáfora de Zhuangzi tem – vendo o que Jesualdo Ferreira fez com Hulk e Fernando e talvez esteja a fazer com Guarín. Só já perdi a ilusão de que consiga fazer com Christian Rodriguez o mesmo, o que Shengzi fez com o galo do rei – e por isso me intriga por que é que continua a insistir tanto nele em vão, sempre com os olhos no chão ou pior...
António Simões n' A Bola
Que um rei das terras de Zhou chamado Xuan pedira a Ji Shengzi que lhe treinasse um galo de luta. Dez dias depois, em frenesim, perguntou-lhe:
– O galo já pode lutar?
e Shengzi respondeu-lhe que não:
– Ainda me parece falso, orgulhoso, ainda tem energia vital perigosa.
Mais dez dias se passaram, regressou o rei à sua pergunta e Shengzi a resposta não muito diferente:
– Não, majestade, o galo ainda não está capaz de lutar porque ao escutar sons ou ao ver sombras, reage de imediato, por instinto, sem grande controlo, briguento, impulsivo.
Dez dias depois, Xuan voltou ao campo do treino a arder de impaciência e escutou, enfim, em murmúrio:
– Quando os outros galos cucuricam já não o afectam, parece de madeira, a sua virtude está, pois, intacta e completa. Os adversários já não devem atrever-se a desafiá-lo, ao vê-lo assim baixam a cabeça em pânico e fogem. Ou se vão à luta vão perdidos. Por isso pode levá-lo, majestade...
Nos últimos tempos, sempre que olho para o FC Porto lembro-me da poesia e do simbolismo que a metáfora de Zhuangzi tem – vendo o que Jesualdo Ferreira fez com Hulk e Fernando e talvez esteja a fazer com Guarín. Só já perdi a ilusão de que consiga fazer com Christian Rodriguez o mesmo, o que Shengzi fez com o galo do rei – e por isso me intriga por que é que continua a insistir tanto nele em vão, sempre com os olhos no chão ou pior...
António Simões n' A Bola
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