NA justa mas complicada vitória contra o Rio Ave, o FC Porto reapareceu com outra atitude. Resta saber se esse empenho não resulta de um sentimento de desespero dos jogadores que, a cada jornada, sentem que a margem de erro é cada vez menor aos olhos dos adeptos, e em função da classificação. Ao rever o jogo em vídeo, alheando-me dos aspectos emotivos que toldam a apreciação in loco, vi passes transviados, perdas de bola e precipitadas concretizações que parecem denotar intranquilidade. Se, num jogo no Dragão e contra o Rio Ave, o guarda-redes do FC Porto é amarelado por queimar tempo, alguma coisa estará mal.
O meio-campo é, como já escrevi, o sector mais frágil e mais abalado por essa inquietação. O caso de Fernando, um excelente trinco que nada deve ao seu antecessor, é paradigmático. Continua a fazer bem o seu trabalho defensivo, com tackles limpos e cortes impossíveis, mas inibe-se ou está proibido de avançar e, errando os passes nessa zona, cria situações aflitivas para a equipa, que é apanhada em contra-pé. Meireles ganhou confiança na Selecção, mas não consegue o mesmo protagonismo no esquema de jogo do FC Porto, e é um dos jogadores responsáveis por o pressing ser feito tardiamente, e em terrenos muito recuados. Esse problema é ainda mais notório no lado direito onde tem sido consensual, entre os adeptos e os críticos, que Belluschi deve preencher essa vaga. O argentino é um bom distribuidor e sabe rematar de meia distância. Parece, por isso, mais talhado para jogar como 10 e, perante a incapacidade de construção e o recuo de Fernando, o FC Porto precisa de um jogador que cumpra essas funções. Só que Belluschi não é capaz de fazer simultaneamente de 8 e de 10, como só Lucho sabia fazer e, ao aparecer como um falso 10, acaba por desguarnecer a ala direita.
É por isso que Fucile e Sapunaru têm sido injustiçados, já que são vítimas de nem sempre contarem com o apoio defensivo de um médio. Acresce que esse défice obriga Hulk, que costuma jogar sobre o lado direito do ataque, a vir acudir à defesa, o que resulta num desperdício das suas qualidades, que mereciam outra liberdade posicional.
Sei que Jesualdo diz que a equipa está a crescer, acredito que nada está perdido, reconheço que é preciso tempo e todos sabíamos que a saída de Lucho não seria fácil de colmatar. Parece-me, contudo, que as peças de que o treinador dispõe — e foi ele quem as escolheu ou avalizou — não são fáceis de encaixar no seu estilo de jogo e no seu desenho táctico. Veremos nos próximos jogos, principalmente em Guimarães e na Luz, onde haverá mais espaços, se a equipa se consegue adaptar aos processos do treinador ou se este lhe impõe uma alteração táctica.
Sorte ou mérito
O golo da autoria de Hulk foi em tudo igual ao que Saviola marcara em Belém. Nessa altura, lembro-me bem, toda a crítica se entusiasmou com o feito do benfiquista e rotulou o golo de magistral. Desta vez, o primeiro comentário que ouvi ao golo do brasileiro desvalorizava a sua execução, por ter havido sorte nos ressaltos. Gosto de bons golos, como foram os de Saviola e Hulk e sei o suficiente de futebol para reconhecer que não se pode invocar a sorte em lances que só estão ao alcance de atletas extraordinários. Gostava, ainda assim, que alguém me explicasse porque critério se pode considerar que um golo é magistral, enquanto o outro, em tudo idêntico, é apenas fruto da fortuna.
Um adversário de respeito
É justo louvar Carlos Brito, que não instalou o autocarro à porta da sua baliza. Com alguns bons jogadores, como Bruno Gama — mais um dos desperdícios do FC Porto — e João Tomás — que mostrou que a idade é um número — o Rio Ave jogou olhos nos olhos com o seu adversário, não deixando que o respeito se transformasse em inibição. É certo que teve o mérito de, num ápice, recuperar da desvantagem inicial, o que é um factor de moralização, e um aliado na falta de pontaria e discernimento do ataque do FC Porto, mas também é verdade que, em várias situações, soube aproveitar os erros alheios e construir jogadas de grande perigo, até mesmo depois do golo de Varela.
Sensação de 'déjà vu'
QUE se passa com Valeri e Prediger, que foram dois importantes e caros reforços? Porque será que não jogam? Desde que Jesualdo Ferreira chegou, acumulam-se estes mistérios insondáveis. Há aqueles jogadores que nunca são utilizados e a quem não são dadas quaisquer oportunidades e há os outros, que parecem ter lugar reservado na equipa, qualquer que seja o seu momento de forma. Só o treinador conhece as razões que devem ser ponderosas, e sabe-se como prefere concentrar as atenções num núcleo duro mas, para os adeptos, essas coisas são difíceis de compreender quando as coisas não vão bem. Depois, quando vêem Bolatti brilhar na selecção argentina, ficam com uma incómoda sensação de déjà vu.
Cadeiras tristes
O Estádio do Dragão tem tido pouco público. Quer isto dizer que os sócios e adeptos não andam satisfeitos com o espectáculo que a equipa lhes oferece. Não vale a pena tentar iludir a realidade e basta comparar com épocas passadas, para perceber que há um amuo, que se comprova nas cadeiras vazias. Para Jesualdo as exibições são quase sempre sérias, o que pouco adianta. Claro que os jogadores dão o que têm para dar, mas essa seriedade resulta num futebol previsível, em que o FC Porto ora luta para conseguir chegar à vantagem, ora consegue essa vantagem e limita-se depois a geri-la, com muito temor e nenhuma ambição. O que falta, para trazer os adeptos de volta ao estádio, é espectáculo.
Rui Moreira n' A Bola.
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