NÃO raro há em Pinto da Costa toques poéticos, explosivos. Sábado, mais um, quando disse: «O FC Porto está a mais no país que temos». Depois do jogo com o Rio Ave – a frase saltou-me, retocada, à cabeça: cada vez menos o FC Porto está a mais no país que temos...
É, uma pessoa habitua-se a ver futebol a partir de um estado de espírito determinado. Para mim, no caso do FC Porto foi quase sempre de expectativa de luxo e esbanjamento, de que, por mais golos que falhasse acabaria por ganhar, sem perder o adorno, o encanto. Que por isso os seus adeptos não temiam os caprichos ou os solavancos de jogadores, as dúvidas ou os desarranjos de treinadores, imaginava. Esse estado de espírito determinado parece desfazer-se agora, castelos de cartas em noites de vendavais. Sentem-se irritações, ouvem-se assobios, nos corações que se atormentam. Natural – porque, no futebol, o aborrecimento de quem vê faz-se do brilho frustrado de quem joga. A pensar nisso, lembrei-me de anúncio de firma de advogados que vi no Financial Times. Mostrava Bill Shankly, lendário treinador do Liverpool, caminhando, braços erguidos em triunfo, frente a bancada apinhada de gente. Por cima da foto letras garrafais: É pessoa assim que faz a diferença. Por baixo, explicação: Bill Shankly era um homem de convicções, líder inspiracional. Precisamos de pessoas com as qualidades de Bill. Que se consigam ultrapassar a si próprias e empolgar os outros com o seu génio. Se está à procura de uma oportunidade de melhorar o seu jogo, contacte-nos. O que é que o anúncio tem a ver com o FC Porto? A semiótica. Sim, Jesualdo pode saber tudo de bola, desandar na má sorte de ter de refazer equipas época atrás de época – mas não é pessoa assim, falta-lhe alma e audácia, sobra-lhe previsibilidade e calculismo. E é por não ser pessoa assim que se não tiver, depressa, duas ou três pessoas assim (como Lucho e Lisandro) lá dentro, no campo – só por milagre é que o FC Porto voltará a estar a mais no país que temos...
António Simões n' A Bola.
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