terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Dragão, Alvalade, Barcelona


1 «Vicky, Cristina, Barcelona», de 2008, é o pior filme de Woody Allen, um frete comercial pago pelo Ayuntamiento de Barcelona e que ele transformou num pastiche turístico-politicamento correcto sobre a «alma feminina». Tão longe de Manhattan...E Barcelona, essa cidade ressurgida com os Jogos Olímpicos de 1992, nem precisava do frete, porque é, seguramente, uma das três melhores cidades da Europa para se estar e para viver. Por estes dias, Barcelona e a Catalunha vivem em suspenso da decisão do Tribunal Constitucional sobre o novo Estatuto da Catalunha — que, à luz da Constituição Espanhola, só pode ser declarado inconstitucional, porque aquilo é praticamente uma declaração de independência, que faria a inveja de A. J. Jardim. Mas as coisas chegaram a tal ponto, que o próprio Zapatero torce para que o TC não veja o que todos vêem e não ouse afrontar os demónios catalães — mal adormecidos desde que, em 1640, Castela teve de optar entre opor-se à reconquista da independência portuguesa ou enfrentar o autonomismo catalão, e escolheu travar e vencer os revoltosos da Catalunha, deixando Portugal para os Braganças. Não por acaso, as reivindicações autónomas em Espanha estão directamente ligadas à riqueza das regiões: são os ricos do País Basco ou da Catalunha que querem ser independentes do poder fiscal de Madrid, para não terem de pagar impostos a favor dos pobres. Também em Itália, é o norte rico que se quer ver liberto de ter pagar a favor do Mezzogiorno, e em Inglaterra é a Escócia que quer ser independente do Midwest deprimido. A autonomia regional é quase sempre uma revolta dos ricos contra os pobres e contra o Estado central, cuja tarefa fundamental é distribuir a riqueza por todos. É por isso que eu sou ferozmente anti-regionalista, porque não tenho a mais pequena dúvida de que, ao contrário do que imaginam alguns incautos ou oportunistas, a regionalização lançaria Lisboa e o Porto contra todos os outros e ai dos alentejanos ou transmontanos, sem a República a protegê-los!
O que ainda obsta a que a Catalunha se lance num processo sério de independência de Madrid são algumas coisas formais, mas que ganharam força de tradição e acabaram por ser um desafio para os próprios catalães. Uma delas é o futebol: independente de Espanha, o grande e histórico FC Barcelona (o FC Porto de Espanha), ficaria reduzido a disputar um campeonato nacional em que o seu principal e único rival seria o Espanhol de Barcelona — um modestíssimo clube de bairro, que nem o Belenenses. E alguém imagina o grande Barça não enfrentar o Real, o Sevilha, o Valência, e, mesmo assim, conseguir receitas para encher Camp Nou e atrair as televisões do mundo inteiro? De onde viria o dinheiro para pagar a Messi ou a Ibrahimovic? Que glória substituiria a glória de ser campeão de Espanha e ir a Chamartin dar 6-2 ao Real, no inesquecível jogo de consagração do título, como sucedeu na época passada?

Terça-feira, assisti, nas Ramblas, ao orgulho dos catalães, depois de terem dado uma lição de bola ao Inter de José Mourinho, mesmo com Messi e Ibrahimovic no banco, a pouparem-se para o Real. E este domingo, vi, pela televisão, o Camp Nou cheio até deitar por fora, na expectativa de mais uma vitória sobre o eterno rival e inimigo, símbolo da tão odiada Castela. Que a guerra se possa fazer eternamente entre as bancadas de um campo de futebol!

Seis dos dez melhores jogadores do mundo, segundo a lista divulgada no próprio domingo, estiveram em campo no Barça-Real. E, embora não tenha sido um jogo espectacular, foi sempre um jogo jogado ao mais alto nível técnico, com detalhes de jogo só ao alcance dos melhores entre os melhores. O melhor do mundo em título, Cristiano Ronaldo, voltou para jogar este jogo, que não há futebolista no planeta inteiro que não sonhe disputar um dia. E até esteve bem, apesar dos dois golos perdidos, um dos quais quase indesculpável. Do outro lado, e sempre espectacular, esteve o seu anunciado sucessor, Leonel Messi — que há quatro anos aqui saúdo como o melhor jogador da actualidade e que, finalmente, vou ver consagrado como tal pelos «especialistas». Mais vale tarde que nunca!

2 Mais do que natural e previsível a derrota do FC Porto com o Chelsea, o destacado líder do campeonato inglês. Se até o Arsenal leva 3-0 em casa do Chelsea, como se pode achar que não seja natural que o FC Porto perca também por 1-0? Mas o resultado podia ter sido melhor, com um pouco mais de sorte e um pouco mais de atenção de Jesualdo Ferreira. Eu até aceito que ele tenha deixado o Hulk no banco (apesar de ser o jogador mais temido pelos ingleses) e aceito que mais tarde, com a necessidade de ganhar — era esse o único objectivo útil do jogo — o tenha posto em campo. Só não percebo é que, para tal, tenha desfeito a consistência defensiva do flanco direito, tirando o Varela e deixando o pobre Sapunaru entregue a si mesmo, quando estava à vista de todos que era por ali que o Chelsea queria chegar ao golo. Bastaram três minutos para que Maluda metesse o desamparado Sapunaru ao bolso e cruzasse para o fatal golo de Anelka, que tudo arrumou.

Também contra o Rio Ave, empatado até nove minutos do fim e com a necessidade imperiosa de ganhar, não ocorreu a Jesualdo tirar antes, por exemplo, o Fernando (que, por acaso, nem anda a jogar nada), recuar o Meireles para «trinco» e o Cristian Rodriguéz para nº 10. Mas aí foi ainda mais incompreensível ver o FC Porto a precisar desesperadamente de marcar e Jesualdo a manter uma estrutura defensiva de quatro elementos mais um trinco... para enfrentar o João Tomás.

Começa a ser enervante ver a lentidão com que o Professor reage ao jogo e se mantém escravo de regras auto-estabelecidas, das quais nunca se afasta, suceda o que suceder. Por exemplo: nunca faz substituições antes de decorridos 60 minutos, mesmo que sejam gritantemente necessárias; e faz sempre substituições a partir dos 60 minutos, mesmo que sejam inúteis e até contraproducentes. E faz sempre as mesmas, seja quem for o adversário, esteja como estiver o jogo: parece um relógio suíço no pulso de um japonês. Ah, mas nem tudo são más notícias: desapareceu o Mariano González e reapareceram o Varela e o Belluschi e assim voltamos, pelo menos, a jogar com onze; e, após quatro penosos anos de malabarismos e rezas estéreis, o Helton foi remetido para a bancada e o Beto conquistou o lugar. É uma imensa lufada de ar fresco, que começa logo nas reposições de bola em jogo: agora temos um guarda-redes que entende que a reposição da bola pode ser uma oportunidade de contra-ataque ou, ao menos, de começar a organizar o jogo logo à saída, e não uma simples oportunidade de um pontapé à toa para a frente, invariavelmente detido pelos adversários, como tão diletantemente fazia Helton. Aos poucos, o professor vai-se deixando de fantasias e rendendo-se ao óbvio. Eu sempre achei que o futebol é muito menos complicado do que nos dizem os «especialistas». Por exemplo: está na cara de qualquer um que o Falcao não faz ideia de como se deve marcar um penalty: em dois falhou dois e ambos falhados por deficiências técnicas evidentes. Quanto tempo irá demorar Jesualdo Ferreira a percebê-lo também?

3 O «derby» de Lisboa não foi mal jogado, mas foi um jogo «morto», marcado pela falta de coragem de ambas as equipas: o Sporting porque tinha o terror de perder; o Benfica, bastante melhor equipa e jogadores, porque não teve a ousadia de tentar ganhá-lo. Retenho duas coisas: a declaração pertinente de Jorge Jesus sobre o estado do relvado de Alvalade, que, de facto, é inimigo do bom futebol; e o comportamento inqualificável de alguns adeptos sportinguistas, desmentindo a tão proclamada filosofia do clube de «gentlemen». As claques estão a matar o futebol, como espectáculo para gente normal, quanto mais para simples amantes do jogo. Eu sei, e sempre o disse, que o problema é de todos, mas, aqui em Lisboa, insistem em dizer que não, que os selvagens estão todos a norte. Ah, pois é, mas há quanto tempo não há incidentes no Dragão? E há quanto tempo é que não deixa de os haver nos jogos grandes, na Luz ou em Alvalade?

Miguel Sousa Tavares n'A Bola.

1 comentário:

Fernando Tavares disse...

Interessante comentário como é normal do Miguel.
Comento-o pois entendo que a Religionalização não é entre a cidade de Lisboa e a cidade do Porto. Pelo que sei a haver Regionalização, por exemplo a Região Norte abarcaria toda a Zona norte, aliás bem definida pela CCRND.Ou seja Trá-os-Montes serão parte integranTe desta Região.
Quanto à declaração de JJesus sobre o relvado, lamento que o Miguel não tenha aproveitado para dar uma achega ao RELVADO (?)do Oliveirense!