1 - Se bem conheço o espírito de equipa do FC Porto (ou melhor, o que ali resta daquele espírito de campeões que tantas alegrias nos deu em anos recentes), eu sou capaz de apostar que amanhã em Kiev o FC Porto vai ganhar ou, pelo menos, tudo fazer por isso. Quando li que o Bruno Alves se tinha dirigido aos adeptos no final do jogo na Figueira da Foz, pedindo o seu apoio e a sua compreensão neste momento de tanta frustração e descrença, percebi que o espírito do Dragão ainda não está morto naquele balneário. É verdade que o Bruno Alves é um dos últimos que restam para passar de mão em mão o testemunho dessa atitude que foi o que, mais do que tudo, fez do FC Porto uma equipa ganhadora — perante o desespero e a incompreensão dos seus rivais. Mas, pelo menos, ele e poucos outros ainda lá moram e nós sabemos que esses não são de reclamarem prémios e darem-se por felizes com terceiros lugares. Por isso, eu mantenho a fé e a esperança, sabendo que, apesar das evidentes limitações da equipa, que estão à vista de todos e sobre as quais muito escrevi já e tudo mantenho, são exageradas as notícias sobre a morte irremediável do FC Porto. Mesmo deste FC Porto.
E até concordo com Jesualdo Ferreira, quando ele fala no empenho dos jogadores e na falta de sorte. Quanto ao empenho, de facto, não tenho visto ali ninguém parado, sem correr nem lutar, ninguém conformado com a nova lei das derrotas em série. Empenho não tem faltado a ninguém; o que falta, e gritantemente, é talento e classe. Por isso, bem pode Pinto da Costa fazer as suas tradicionais visitas aos treinos ou ao balneário, na sequência das derrotas; a questão não é amedrontar os jogadores ou puxar-lhes pelo brio; é conseguir tornar jogadores banais em jogadores ao nível de uma Champions — e isso não é culpa deles, mas justamente da política de contratações de Pinto da Costa.
Quanto à sorte, ou à falta dela, também me parece que tem sido evidente e, às vezes, sabe-se como isso faz toda a diferença. Vi, por exemplo, o Benfica sofrer a bom sofrer em Matosinhos e sair de lá com um empate tão feliz quanto injustificado; vi-o sofrer a bom sofrer para derrotar a Naval em casa, conseguindo-o a três minutos do fim e, com isso, logo despertando hinos e loas de toda a parte. E anteontem vi-o, com um a menos é certo, enfiar o autocarro diante da baliza durante toda a segunda parte e assim sair com uma feliz vitória em Guimarães. É verdade que foi melhor na primeira parte, que marcou um golo belíssimo e que tem gente com talento e até sobejante. Mas a segunda parte que fez, contra um Vitória também banal e impotente, mais parecia de quem luta por não descer de divisão do que por ser campeão. Durante 45 minutos, o Benfica renunciou a qualquer tentative sequer de contra-ataque e acantonou nove jogadores dentro da area a jogarem de pontapé para a frente e para onde estavam virados; bastaria que a sorte lhe tivesse virado costas um instante e a vitória ter-lhe-ia escapado. Mas, afinal, li que o Benfica tinha feito uma extraordinária demonstração de espírito vencedor e de «capacidade de sofrimento». Pois, talvez, mas uma bola que bate na trave e não entra afinal pode traçar a fronteira entre o espírito vencedor e o espírito perdedor. Sobretudo, quando se deseja tanto a vitória de um e a derrota de outro. Tivesse o FC Porto ganho na Figueira com um golo tão absurdo como o da Naval e jogado o resto do tempo como o Benfica jogou em Guimarães e ter-se-ia escrito que a vitória se devera apenas a sorte.
Manda, todavia, a verdade que diga que há uma diferença, esta época, entre Benfica e FC Porto, e não pequena: o Benfica tem no ataque jogadores desequilibradores, capazes de resolver um jogo complicado num rasgo de talento: Reyes, Aimar, Suazo, Cardozo, às vezes Di María. O FC Porto só tem dois: Lucho e Lisandro e uma promessa chamada Hulk, que Jesualdo não está a conseguir integrar e aproveitar da melhor maneira. Como aqui escrevi há dias (e como escrevi antes, perspectivando o pós-Quaresma) a capacidade desequilibradora ofensiva deste FC Porto versão 2008/09, resume-se à inspiração coincidente de Lucho e Licha. Se ambos estiverem em dia-sim, há uma hipótese; se um deles, ou ambos, estiverem em dia-não, o FC Porto é uma equipa pouco menos que banal.
A chave do jogo de amanhã em Kiev passa pela prestação destes dois jogadores. É preciso que Lucho deixe o seu futebol à solta, esquecendo tudo o resto que eventualmente o tem trazido «fora de jogo». E é preciso que Lisandro — a quem nunca falta o prazer e a gana de jogar — acabe também ele com a sua falta de sorte e começe a acertar na baliza (mesmo em Londres, no descalabro contra o Arsenal, ele teve nos pés e desperdiçou uma oportunidade imperdível de pôr o FC Porto à frente no marcador). E, já agora, para ganhar em Kiev, vai ser preciso uma outra coisa, pelo menos: que, seja quem for que vá para a baliza — Helton, Nunno (ou Ventura…) — não aconteça a fatalidade, já banalidade, de oferecer um golo ao adversário…
2 - Não há como fugir à questão: a dos prémios dos administradores da SAD do FC Porto. Como disse o Dr. Pôncio Monteiro, prémios aos administradores das sociedades, em função dos resultados, são normais. Pois são: até, acrescento eu, na origem da crise financeira e económica mundial que actualmente se atravessa está exactamente a filosofia de prémios aos adminstradores das grandes financeiras americanas, convidando-os a obterem resultados a qualquer preço. Todavia, há diferenças substanciais, como o Dr. Pôncio Monteiro, apesar de toda a sua boa-vontade, não ignorará.
Em primeiro lugar, sendo a SAD do FC Porto uma sociedade anónima, isso significa que tem accionistas, e não há memória de sociedade alguma distribuir prémios pelos administradores sem distribuir dividendos pelos accionistas. E, como é sabido, jamais a SAD do FC Porto, ou qualquer outra de clube português, distribuíu ou distribuirá um euro que seja de dividendos. Pelo que a mim me parece imoral que administradores, que já são pagos milionariamente, como é o caso, ainda se atribuam prémios por resultados a que os accionistas são absolutamente alheios. Entendam-me: eu não sou contra a remuneração de dirigentes de clube. Sei que há muitos — a grande maioria, aqui e lá fora — que não são pagos. Mas, se o negócio é profissional, como hoje é, se é necessário abdicar de quase tudo para administrar um clube de topo, acho que a carolice é muito bonita, mas não é exigível a ninguém. Só que uma coisa são ordenados, ainda que milionários, outra coisa é acrescentar-lhes alcavalas sem justificação alguma.
Em segundo lugar, eu não entendo a lógica e a legitimidade de os administradores da SAD do FC Porto receberem prémos pelos resultados financeiros, quando eles são positivos, e não serem penalizados quando eles são negativos — o que acontece quase sempre. Foi assim no ano em que o FC Porto foi campeão europeu, em 2004, quando aos milhões da Champions se vieram juntar os milhões do início do desmantelamento da equipa campeã europeia. Nesse ano, os administradores da SAD tiveram direito a prémio por resultados financeiros positivos (ou seja, tiveram direito a prémio por terem vendido o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho, o Deco, o Alenitchev, o Costinha, o Derlei, o Maniche, o Carlos Alberto). Pior ainda é pensar que, mesmo com um défice acumulado de dezenas de milhões, os administradores recebem prémios como se não houvesse passivo para liquidar no futuro.
Em terceiro lugar (e isto sim, é verdadeiramente de estarrecer), foi ficar-se a saber que os administardores também têm direito a prémio pelos resultados desportivos! Duvido que haja um só clube no mundo onde isto aconteça também. Eu julgava que os administardores respondiam pelos resultados da gestão e os jogadores e os treinadores pelos resultados desportivos. Mas não, ali são originais. Só não se percebe é a razão pela qual, se os administradores são premiados (e sumptuosamente!) quando a equipa é campeã ou quando vai à Champions, porque não hão-de os jogadores ser premiados também duas vezes: quando ganham em campo e quando a SAD dá lucro?
Enfim, cereja no topo do bolo: e se os jogadores do FC Porto fossem premiados por ficarem em terceiro lugar no campeonato ou conseguirem ir à Taça UEFA? Quem os convenceria amanhã a deixarem a pele em campo para vencer em Kiev?
Miguel Sousa Tavares n' A Bola
E até concordo com Jesualdo Ferreira, quando ele fala no empenho dos jogadores e na falta de sorte. Quanto ao empenho, de facto, não tenho visto ali ninguém parado, sem correr nem lutar, ninguém conformado com a nova lei das derrotas em série. Empenho não tem faltado a ninguém; o que falta, e gritantemente, é talento e classe. Por isso, bem pode Pinto da Costa fazer as suas tradicionais visitas aos treinos ou ao balneário, na sequência das derrotas; a questão não é amedrontar os jogadores ou puxar-lhes pelo brio; é conseguir tornar jogadores banais em jogadores ao nível de uma Champions — e isso não é culpa deles, mas justamente da política de contratações de Pinto da Costa.
Quanto à sorte, ou à falta dela, também me parece que tem sido evidente e, às vezes, sabe-se como isso faz toda a diferença. Vi, por exemplo, o Benfica sofrer a bom sofrer em Matosinhos e sair de lá com um empate tão feliz quanto injustificado; vi-o sofrer a bom sofrer para derrotar a Naval em casa, conseguindo-o a três minutos do fim e, com isso, logo despertando hinos e loas de toda a parte. E anteontem vi-o, com um a menos é certo, enfiar o autocarro diante da baliza durante toda a segunda parte e assim sair com uma feliz vitória em Guimarães. É verdade que foi melhor na primeira parte, que marcou um golo belíssimo e que tem gente com talento e até sobejante. Mas a segunda parte que fez, contra um Vitória também banal e impotente, mais parecia de quem luta por não descer de divisão do que por ser campeão. Durante 45 minutos, o Benfica renunciou a qualquer tentative sequer de contra-ataque e acantonou nove jogadores dentro da area a jogarem de pontapé para a frente e para onde estavam virados; bastaria que a sorte lhe tivesse virado costas um instante e a vitória ter-lhe-ia escapado. Mas, afinal, li que o Benfica tinha feito uma extraordinária demonstração de espírito vencedor e de «capacidade de sofrimento». Pois, talvez, mas uma bola que bate na trave e não entra afinal pode traçar a fronteira entre o espírito vencedor e o espírito perdedor. Sobretudo, quando se deseja tanto a vitória de um e a derrota de outro. Tivesse o FC Porto ganho na Figueira com um golo tão absurdo como o da Naval e jogado o resto do tempo como o Benfica jogou em Guimarães e ter-se-ia escrito que a vitória se devera apenas a sorte.
Manda, todavia, a verdade que diga que há uma diferença, esta época, entre Benfica e FC Porto, e não pequena: o Benfica tem no ataque jogadores desequilibradores, capazes de resolver um jogo complicado num rasgo de talento: Reyes, Aimar, Suazo, Cardozo, às vezes Di María. O FC Porto só tem dois: Lucho e Lisandro e uma promessa chamada Hulk, que Jesualdo não está a conseguir integrar e aproveitar da melhor maneira. Como aqui escrevi há dias (e como escrevi antes, perspectivando o pós-Quaresma) a capacidade desequilibradora ofensiva deste FC Porto versão 2008/09, resume-se à inspiração coincidente de Lucho e Licha. Se ambos estiverem em dia-sim, há uma hipótese; se um deles, ou ambos, estiverem em dia-não, o FC Porto é uma equipa pouco menos que banal.
A chave do jogo de amanhã em Kiev passa pela prestação destes dois jogadores. É preciso que Lucho deixe o seu futebol à solta, esquecendo tudo o resto que eventualmente o tem trazido «fora de jogo». E é preciso que Lisandro — a quem nunca falta o prazer e a gana de jogar — acabe também ele com a sua falta de sorte e começe a acertar na baliza (mesmo em Londres, no descalabro contra o Arsenal, ele teve nos pés e desperdiçou uma oportunidade imperdível de pôr o FC Porto à frente no marcador). E, já agora, para ganhar em Kiev, vai ser preciso uma outra coisa, pelo menos: que, seja quem for que vá para a baliza — Helton, Nunno (ou Ventura…) — não aconteça a fatalidade, já banalidade, de oferecer um golo ao adversário…
2 - Não há como fugir à questão: a dos prémios dos administradores da SAD do FC Porto. Como disse o Dr. Pôncio Monteiro, prémios aos administradores das sociedades, em função dos resultados, são normais. Pois são: até, acrescento eu, na origem da crise financeira e económica mundial que actualmente se atravessa está exactamente a filosofia de prémios aos adminstradores das grandes financeiras americanas, convidando-os a obterem resultados a qualquer preço. Todavia, há diferenças substanciais, como o Dr. Pôncio Monteiro, apesar de toda a sua boa-vontade, não ignorará.
Em primeiro lugar, sendo a SAD do FC Porto uma sociedade anónima, isso significa que tem accionistas, e não há memória de sociedade alguma distribuir prémios pelos administradores sem distribuir dividendos pelos accionistas. E, como é sabido, jamais a SAD do FC Porto, ou qualquer outra de clube português, distribuíu ou distribuirá um euro que seja de dividendos. Pelo que a mim me parece imoral que administradores, que já são pagos milionariamente, como é o caso, ainda se atribuam prémios por resultados a que os accionistas são absolutamente alheios. Entendam-me: eu não sou contra a remuneração de dirigentes de clube. Sei que há muitos — a grande maioria, aqui e lá fora — que não são pagos. Mas, se o negócio é profissional, como hoje é, se é necessário abdicar de quase tudo para administrar um clube de topo, acho que a carolice é muito bonita, mas não é exigível a ninguém. Só que uma coisa são ordenados, ainda que milionários, outra coisa é acrescentar-lhes alcavalas sem justificação alguma.
Em segundo lugar, eu não entendo a lógica e a legitimidade de os administradores da SAD do FC Porto receberem prémos pelos resultados financeiros, quando eles são positivos, e não serem penalizados quando eles são negativos — o que acontece quase sempre. Foi assim no ano em que o FC Porto foi campeão europeu, em 2004, quando aos milhões da Champions se vieram juntar os milhões do início do desmantelamento da equipa campeã europeia. Nesse ano, os administradores da SAD tiveram direito a prémio por resultados financeiros positivos (ou seja, tiveram direito a prémio por terem vendido o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho, o Deco, o Alenitchev, o Costinha, o Derlei, o Maniche, o Carlos Alberto). Pior ainda é pensar que, mesmo com um défice acumulado de dezenas de milhões, os administradores recebem prémios como se não houvesse passivo para liquidar no futuro.
Em terceiro lugar (e isto sim, é verdadeiramente de estarrecer), foi ficar-se a saber que os administardores também têm direito a prémio pelos resultados desportivos! Duvido que haja um só clube no mundo onde isto aconteça também. Eu julgava que os administardores respondiam pelos resultados da gestão e os jogadores e os treinadores pelos resultados desportivos. Mas não, ali são originais. Só não se percebe é a razão pela qual, se os administradores são premiados (e sumptuosamente!) quando a equipa é campeã ou quando vai à Champions, porque não hão-de os jogadores ser premiados também duas vezes: quando ganham em campo e quando a SAD dá lucro?
Enfim, cereja no topo do bolo: e se os jogadores do FC Porto fossem premiados por ficarem em terceiro lugar no campeonato ou conseguirem ir à Taça UEFA? Quem os convenceria amanhã a deixarem a pele em campo para vencer em Kiev?
Miguel Sousa Tavares n' A Bola
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