Na primeira grande entrevista desde que é capitão do FC Porto, Helton falou do presente e do futuro, mas recusou-se a abordar a fundo algumas questões do passado. Por exemplo, elogiou o novo treinador, André Villas-Boas, que diz ter trazido "mais liberdade" aos jogadores, mas nunca quis falar do último, Jesualdo Ferreira. Quanto ao resto, destacou as qualidades do plantel, mas, mais do que isso, o espírito de grupo que impera no Dragão, tendo pegado em Mariano para exemplificar a união no balneário. Sobre o campeonato, recusa-se a dá-lo como conquistado, mas sempre foi dizendo que viveu um dia memorável na goleada sobre o Benfica.
Imagina-se a treinar, por exemplo o FC Porto, na próxima época?
Eu, a treinar o FC Porto? Essa é boa [risos]. De onde surgiu essa ideia?
É apenas uma brincadeira para sublinhar o facto de André Villas-Boas só ter mais um ano do que o Helton...
Bem, vou falar por mim. Quando tive a certeza de que ele seria o nosso míster, procurei colocar em prática os ensinamentos da minha família, que sempre me ensinou a separar uma eventual amizade das questões profissionais. Isso significa que tenho de ter respeito pelas pessoas. Ele podia ser mais novo do que eu ou poderia ter o triplo da minha idade que eu iria tratá-lo sempre com respeito. Aliás, nunca o tratei por André; sempre que me dirijo a ele, digo "míster". E quando preciso de conversar com ele, muitas vezes na condição de capitão, bato à porta do seu gabinete e pergunto se posso entrar. Em nenhum momento pensei na sua idade, mas sim na pessoa e na sua qualidade. Para além disso, ele tem ambição, respeita os jogadores e oferece-nos liberdade.
Curiosamente, muitos jogadores têm utilizado a palavra "liberdade" quando falam de André Villas-Boas. Isso significa que não havia liberdade com Jesualdo Ferreira?
Eu falo apenas do André, do míster André...
E quais são as vantagens e as desvantagens de ter alguém tão novo a treinar uma equipa como o FC Porto?
Muitos poderiam ver a idade como uma desvantagem; eu, não. A idade muitas vezes não condiz com a mente. Existem pessoas mais velhas que muitas vezes não conseguem ser respeitados pelos mais novos. Quanto às qualidades - e não quero com isto dizer que as pessoas mais velhas não são assim -, destaco a forma como ele está sempre em sintonia com os jogadores, para além de conseguir passar mais rapidamente as ideias que tem. Se repararem, também não há muitos velhotes no nosso plantel [risos]...
Houve alguma palestra emblemática de André Villas-Boas?
No final de todas as palestras que ele faz, os jogadores param para pensar. Podem ter a certeza de que não há nenhuma que não seja assim, e isso é óptimo. Há uma coisa que este grupo tem: pensamento positivo. Nunca desistimos, mesmo quando parece que algo vai correr mal. Temos um grande espírito de grupo, e ninguém está preparado para abrir mão disso.
Pinto da Costa afirmou, numa entrevista a O JOGO, que sentia a equipa acomodada e que a chegada de Villas-Boas também serviu para abanar com o grupo. Concorda?
[pausa prolongada] É verdade que o míster André mexeu com este grupo. Ele tem ideias e métodos bem diferentes daquilo a que estávamos habituados. Na vida, temos de estar sempre à procura de novas formas de nos motivarmos. O incentivo passa por procurar algo diferente, mas sem fugir à base que, aqui no FC Porto, são as vitórias. Já viram há quantos anos estou aqui no FC Porto? Esta será a minha sexta época... E, durante este tempo, já fui quatro vezes campeão...
Já agora, a saída de Bruno Alves, o capitão, fragilizou de alguma forma o balneário?
O Bruno sempre teve uma grande postura no clube, sempre demonstrou seriedade, empenho e prazer pelo que fazia. Era uma referência para muitos que cá estavam, mas também para quem chegava. Se fragilizou o balneário? Não vemos as coisas desse modo. Sabemos que, se tivesse ficado, nos estaria a ajudar, mas aqueles que cá estão conseguiram ocupar, e bem, o espaço do Bruno. Obviamente estamos sempre ao lado dos amigos, sobretudo daqueles que nos ajudaram a ser felizes, mas entendo que ambas as partes têm de estar em sintonia. Nesse sentido, acredito que o que aconteceu foi bom para ele, mas também para o clube.
O facto de ser o capitão de equipa serviu para o incentivar?
Vou fazer uma retrospectiva da minha carreira no FC Porto. No primeiro ano, fiz 11 jogos e sofri apenas um golo, por sinal de penálti, mal assinalado, marcado pelo João Tomás, na altura no Braga. Fiz um bom final da temporada, e a prova disso é que no ano seguinte mantive a titularidade. Foi passando o tempo, e nunca tinha sido capitão, nem nunca tinha sido comentada essa possibilidade, nem tão-pouco tinha sido destacada a minha importância. Mesmo assim, nunca deixei de trabalhar. Algumas vezes colocaram em causa o meu trabalho, quase sempre sem eu ter culpa. Aliás, e em jeito de desabafo, por vezes um colega perdia um golo em frente à baliza e a culpa era do Helton. Mas pela minha personalidade e vontade de triunfar, por tudo aquilo que já passei no futebol - e não falo apenas do FC Porto, porque também conquistei títulos no Brasil -, nunca deixei de acreditar nas minhas qualidades. Nos momentos mais difíceis tive pessoas do meu lado que me ajudaram e que me diziam que, muitas vezes, algumas pessoas se esqueciam daquilo que eu já tinha feito. Voltando à pergunta sobre se a braçadeira de capitão me incentivou... Posso dizer que falei com uma pessoa à qual disse o seguinte: "Muito obrigado, o senhor fez-me voltar a gostar de jogar futebol..."
Mas quando foi isso? E quem é essa pessoa?
Isso não vou revelar....
Imagina-se a acabar a carreira no FC Porto?
Isso é um assunto interno... Ainda tenho 32 anos, mas porque não?
Falou-se recentemente da possibilidade de ir para o Fluminense. Gostava de regressar ao Brasil?
Bem, se fosse por vontade de alguns amigos, que são tricolores, de certeza que já lá estava [risos]. Mas tenho trabalho, contrato até 2012, sinto-me feliz no FC Porto e tenho a minha família adaptada à vida em Portugal. Neste cenário, só ponderava o regresso se os dirigentes do FC Porto me dissessem que não contavam mais comigo. Para já, a minha prioridade é o FC Porto e nem sequer penso no resto. É verdade que se comentou sobre a possibilidade de ir para o Fluminense, mas nunca passou disso mesmo.
Pinto da Costa considerou-o o melhor guarda-redes em Portugal. Concorda? E se não concordar, quem é o melhor guarda-redes do campeonato?
Fico feliz por ele ter dito isso, ainda para mais vindo do presidente. Mas temos de reconhecer que, neste caso, a opinião dele é suspeita [risos]. Não me considero o melhor; limito-me a trabalhar para ser o melhor. E não vou escolher ninguém, porque poderia falhar, apesar de considerar que tudo depende do momento. Reconheço que estou a atravessar um bom momento, mas a equipa também me tem ajudado muito.
Mas o Helton também foi, por exemplo, um dos melhores jogadores em campo em Paços de Ferreira...
Lá está, estamos aqui uns para os outros. É o nosso espírito. Aqui não são o Hulk, o Falcao ou o Varela que têm dado o máximo; são o Hulk, o Falcao, o Walter, o Ukra, o Castro, o Guarín, o Fernando, o Rolando, o Otamendi, o Maicon... Somos todos.
Vítor Baía afirmou que a melhor época do Helton foi quando ele ainda estava no FC Porto. Concorda?
É verdade que tive uma época brilhante quando ele esteve aqui. Foi uma pessoa que me ensinou a gostar do FC Porto, a lutar pelo FC Porto, que me fez ver muitas coisas. Ele, o Jorge Costa, o Pedro Emanuel... Estou muito grato por aquilo que aprendi com eles e não posso deixar de concordar que vivi uma grande época quando ele cá estava. Mas agora pretendo fazer ainda melhor. E isso depende de mim.
Ouviu o apito de Elmano Santos no penálti no jogo com o Setúbal?
Ainda estou para perceber o motivo pelo qual vi um cartão amarelo nesse jogo... Houve uma substituição na nossa equipa, num canto contra nós, mas o árbitro não deu tempo para o Sapunaru - que estava a entrar - chegar até à nossa área. Nunca tinha visto nada assim, e limitei-me a perguntar-lhe porque não o deixou posicionar-se na nossa área. Vi um amarelo por isso, sendo eu o capitão.
E no lance do penálti, ouviu o apito?
Não ouvi apito nenhum. Sinceramente.
Directos ao assunto: a vitória no campeonato está próxima?
Ora bem, vamos fazer contas. Faltam 16 jogos e cada um vale três pontos... Ou seja, ainda não ganhámos nada. Este campeonato está muito competitivo e, como já deu para perceber, qualquer equipa pode perder a qualquer momento.
Perguntado de outra forma: seria complicado perder o campeonato depois de uma primeira parte de temporada com apenas dois empates?
Temos a oportunidade de conquistar o título, mas não há jogos fáceis e os maus resultados podem suceder a qualquer momento. Já repararam que tem sido complicado assistir a goleadas? Isso é a prova da competitividade do campeonato. Não há equipas fracas e já tivemos jogos muito complicados com clubes de menor expressão. Felizmente, temos conseguido vencer, mas apenas porque estamos com um colectivo muito forte.
Na equipa que foi mais vezes utilizada, apenas o Moutinho não fazia parte do plantel da época passada. Afinal, a que se deve esta diferença de rendimento?
Confesso que não gosto de fazer comparações. Para mim, importa destacar os méritos desta equipa, embora reconheça que também podemos aprender com os erros, de forma a não os repetir. Para além disso, teria de falar de pessoas que não estão actualmente no clube, e isso não quero fazer. O importante é falar do presente, das pessoas que cá estão, do grupo actual - que é fantástico - e de tudo o que já conseguimos alcançar nestes primeiros meses de competição.
Tendo em conta os elogios, considera que este é o melhor grupo que encontrou no FC Porto?
Posso dizer que é um excelente grupo. Sem dúvida. Mas, cada um teve as suas virtudes e defeitos, não tendo sido por acaso que fomos tantas vezes campeões ao longo dos últimos anos.
Qual foi o momento mais importante desta época?
Todos reconhecemos a importância de começar a temporada com uma vitória, sobretudo frente ao campeão da época passada, e isto apesar de encararmos todas as equipas da mesma forma. Sabemos que há jogos e jogos, mas respeitamos todas as equipas, porque isso é um sinal de humildade. Costumo dizer que a humildade não se aprende na escola, mas que vem do berço. E, felizmente, pode dizer-se que a humildade passou um pouco por todos os berços aqui do clube.
E qual foi o jogo mais difícil até ao momento?
Tivemos dois jogos muito importantes, não só pela dificuldades impostas pelos adversários, mas também pelo estado do relvado. Foi em Coimbra, frente à Académica, e em Viena. Foram duas partidas muito complicadas, porque com aquelas condições climatéricas não conseguimos controlar todos os aspectos do jogo.
E nem sequer estava para jogar em Viena. Nessa partida, estava a preparar-se para assistir ao jogo sossegado no banco...
Bem, sossegados nunca estamos. Nem no banco, nem em casa, quando não somos convocados. Aliás, às vezes até é bem pior, porque a ansiedade é maior. De fora, vemos coisas que lá dentro nem nos apercebemos que estão a acontecer. Mas voltando a esse jogo, acabei por jogar devido a uma infelicidade do Beto. Ele queria muito jogar aquele jogo, para demonstrar em campo toda a dedicação que tinha vindo a colocar nos treinos. Foi uma situação chata para ele, mas também para mim, porque tive apenas cinco minutos para aquecer... Felizmente, correu tudo bem e conseguimos uma vitória importante.
E o jogo mais fácil, esta temporada, foi frente ao Benfica para o campeonato?
Fácil? Não, de maneira nenhuma. Não há jogos fáceis. Nesse encontro, limitámo-nos a não complicar e se marcámos tantos golos foi graças ao nosso empenho e qualidade. Mas, reconheço, foi um jogo memorável. Nunca o FC Porto tinha vencido o Benfica por aqueles números em jogos do campeonato...
Foi um momento de afirmação da superioridade do FC Porto no campeonato?
A equipa tem demonstrado um espírito muito bom. O grupo está em sintonia, mesmo aqueles que são menos utilizados ou até os que não são utilizados. Aliás, tenho de destacar o caso do Mariano que, por uma infelicidade, não foi inscrito para a primeira fase da época. As pessoas não sabem, mas o que ele tem feito é algo de verdadeiramente impressionante. Ele é um companheiro, um amigo, e a atitude dele no dia-a-dia tem sido impressionante, até pelo que ele representa no balneário. E estes actos servem para explicar muito do que se passa este ano, porque ele nem sequer tem jogado.
Conhece Dublin?
Não conheço, mas conto lá ir [risos]...
Mas então o FC Porto é mesmo candidato a vencer a Liga Europa?
Estamos a fazer o nosso trabalho e o melhor é deixarem-nos quietinhos, no nosso canto, a fazer o nosso trabalho. Lá mais para a frente se verá se somos ou não candidatos. Uma coisa é certa: temos os nossos objectivos e no FC Porto pensamos sempre em grande.
Considera o Roberto, do Benfica, um bom guarda-redes?
Não falo dos meus colegas de trabalho...
Faço então a pergunta de outra forma: é complicado para um guarda-redes sobreviver às críticas, tal como aconteceu com o Roberto no início da época?
E como aconteceu comigo no passado... É complicado. Muito complicado. Temos de gostar muito do que fazemos, porque, caso contrário, fica muito difícil superar determinadas situações.
E como se dá a volta a esses momentos?
Com trabalho. Não há outra forma. Não adianta pensar que chegamos a casa, fazemos um chazinho e que tudo vai melhorar. Não é assim que acontece.
E foi muito difícil reagir aos golos sofridos, por exemplo, frente ao Chelsea e Atlético de Madrid para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões?
Se tivermos a consciência tranquila de que fizemos o nosso melhor, não ficamos muito afectados, independentemente de quem critica. Aliás, às vezes essas críticas dão moral e ânimo, dependendo de quem vem... Se vierem de algumas pessoas... Bem, aí é que vai dar vontade de trabalhar ainda mais. Pensamos: "Ai ele não gostou do que eu fiz; legal, vou trabalhar ainda mais".
A selecção do Brasil é um caso encerrado para si?
É complicado falar sobre isso. Cada treinador tem as suas ideias e nem todos confiam nos mesmos jogadores. É normal. Sinceramente, nunca me preocupei com a selecção. E quando digo preocupar, estou a querer dizer que nunca foquei aquilo como primeiro plano. Ou seja, a selecção foi e será sempre a consequência do trabalho que faço no meu clube. Não adianta pensar na selecção se não estiver bem no clube.
Ficou surpreendido pelo facto de Hulk ter ficado de fora das últimas convocatórias?
Sou suspeito para falar, porque trabalho com ele todos os dias. É óbvio que temos de respeitar aqueles que vão no lugar dele, porque também são bons jogadores. Apesar disso, acredito que o Hulk ajudaria muito esta selecção, tal como tem ajudado o FC Porto. Ele está em grande forma e, conhecendo bem a selecção do Brasil, acho que é uma questão de tempo até se fixar em definitivo naquela equipa, até porque qualidade para isso não lhe falta.
Quem é o jogador do FC Porto que remata melhor? A pergunta parece ter uma resposta óbvia: Hulk. No entanto, Helton, que trabalha todos os dias com o plantel, faz questão de acrescentar mais nomes à lista. "Ora aí está uma pergunta difícil... O melhor... Bem, com esta bola todos os remates são complicados. Se piscar os olhos, já fui [risos]. Agora mais a sério: o Hulk, o Guarín, o Belluschi, o James... O James remata muito bem, cuidado com ele. Mas é complicado escolher só um, porque todos têm uma maneira diferente de bater na bola. Uma coisa é certa: eles fazem-me a vida negra nos treinos", contou.
A mudança de João Moutinho para o FC Porto apanhou de surpresa muitas pessoas ligadas ao futebol, mas Helton confessa que encarou a transferência com naturalidade. "Sinceramente, não pensei nada de especial quando vi a notícia nos jornais. Depois, quando o encontrei pela primeira vez, limitei-me a dizer-lhe que se precisasse de alguma coisa, estaria aqui para o ajudar. Nada mais." Apesar disso, o guarda-redes reconhece que não existe a tradição de haver trocas de jogadores entre os grandes, muito menos um capitão de equipa. "Sim, sim. Eu sei disso. Mas aconteceu e ainda bem para nós. Foi uma grande contratação e já tive a oportunidade de lhe agradecer pessoalmente por ele ter vindo para o FC Porto."
Helton realizou um sonho: no passado dia 13, apresentou, em plena Casa da Música, o novo CD do seu grupo musical, Ministério Shalom, perante cerca de 500 convidados, entre os quais a quase totalidade do plantel do FC Porto. "Foi um grande dia para mim e confesso que fiquei surpreendido por terem ido todos. Caramba, foi mesmo muito bom, ainda mais sendo a realização de um sonho. Houve até amigos que mudaram o dia das suas viagens para me irem ver. Foi fantástico". E no balneário, qual foi a reacção no dia seguinte? "Bem, tive de aguentar as brincadeiras do costume. Houve até quem dissesse que o bombo já estava ensinado [risos]".
Pedro Marques Costa
Imagina-se a treinar, por exemplo o FC Porto, na próxima época?
Eu, a treinar o FC Porto? Essa é boa [risos]. De onde surgiu essa ideia?
É apenas uma brincadeira para sublinhar o facto de André Villas-Boas só ter mais um ano do que o Helton...
Bem, vou falar por mim. Quando tive a certeza de que ele seria o nosso míster, procurei colocar em prática os ensinamentos da minha família, que sempre me ensinou a separar uma eventual amizade das questões profissionais. Isso significa que tenho de ter respeito pelas pessoas. Ele podia ser mais novo do que eu ou poderia ter o triplo da minha idade que eu iria tratá-lo sempre com respeito. Aliás, nunca o tratei por André; sempre que me dirijo a ele, digo "míster". E quando preciso de conversar com ele, muitas vezes na condição de capitão, bato à porta do seu gabinete e pergunto se posso entrar. Em nenhum momento pensei na sua idade, mas sim na pessoa e na sua qualidade. Para além disso, ele tem ambição, respeita os jogadores e oferece-nos liberdade.
Curiosamente, muitos jogadores têm utilizado a palavra "liberdade" quando falam de André Villas-Boas. Isso significa que não havia liberdade com Jesualdo Ferreira?
Eu falo apenas do André, do míster André...
E quais são as vantagens e as desvantagens de ter alguém tão novo a treinar uma equipa como o FC Porto?
Muitos poderiam ver a idade como uma desvantagem; eu, não. A idade muitas vezes não condiz com a mente. Existem pessoas mais velhas que muitas vezes não conseguem ser respeitados pelos mais novos. Quanto às qualidades - e não quero com isto dizer que as pessoas mais velhas não são assim -, destaco a forma como ele está sempre em sintonia com os jogadores, para além de conseguir passar mais rapidamente as ideias que tem. Se repararem, também não há muitos velhotes no nosso plantel [risos]...
Houve alguma palestra emblemática de André Villas-Boas?
No final de todas as palestras que ele faz, os jogadores param para pensar. Podem ter a certeza de que não há nenhuma que não seja assim, e isso é óptimo. Há uma coisa que este grupo tem: pensamento positivo. Nunca desistimos, mesmo quando parece que algo vai correr mal. Temos um grande espírito de grupo, e ninguém está preparado para abrir mão disso.
Pinto da Costa afirmou, numa entrevista a O JOGO, que sentia a equipa acomodada e que a chegada de Villas-Boas também serviu para abanar com o grupo. Concorda?
[pausa prolongada] É verdade que o míster André mexeu com este grupo. Ele tem ideias e métodos bem diferentes daquilo a que estávamos habituados. Na vida, temos de estar sempre à procura de novas formas de nos motivarmos. O incentivo passa por procurar algo diferente, mas sem fugir à base que, aqui no FC Porto, são as vitórias. Já viram há quantos anos estou aqui no FC Porto? Esta será a minha sexta época... E, durante este tempo, já fui quatro vezes campeão...
Já agora, a saída de Bruno Alves, o capitão, fragilizou de alguma forma o balneário?
O Bruno sempre teve uma grande postura no clube, sempre demonstrou seriedade, empenho e prazer pelo que fazia. Era uma referência para muitos que cá estavam, mas também para quem chegava. Se fragilizou o balneário? Não vemos as coisas desse modo. Sabemos que, se tivesse ficado, nos estaria a ajudar, mas aqueles que cá estão conseguiram ocupar, e bem, o espaço do Bruno. Obviamente estamos sempre ao lado dos amigos, sobretudo daqueles que nos ajudaram a ser felizes, mas entendo que ambas as partes têm de estar em sintonia. Nesse sentido, acredito que o que aconteceu foi bom para ele, mas também para o clube.
O facto de ser o capitão de equipa serviu para o incentivar?
Vou fazer uma retrospectiva da minha carreira no FC Porto. No primeiro ano, fiz 11 jogos e sofri apenas um golo, por sinal de penálti, mal assinalado, marcado pelo João Tomás, na altura no Braga. Fiz um bom final da temporada, e a prova disso é que no ano seguinte mantive a titularidade. Foi passando o tempo, e nunca tinha sido capitão, nem nunca tinha sido comentada essa possibilidade, nem tão-pouco tinha sido destacada a minha importância. Mesmo assim, nunca deixei de trabalhar. Algumas vezes colocaram em causa o meu trabalho, quase sempre sem eu ter culpa. Aliás, e em jeito de desabafo, por vezes um colega perdia um golo em frente à baliza e a culpa era do Helton. Mas pela minha personalidade e vontade de triunfar, por tudo aquilo que já passei no futebol - e não falo apenas do FC Porto, porque também conquistei títulos no Brasil -, nunca deixei de acreditar nas minhas qualidades. Nos momentos mais difíceis tive pessoas do meu lado que me ajudaram e que me diziam que, muitas vezes, algumas pessoas se esqueciam daquilo que eu já tinha feito. Voltando à pergunta sobre se a braçadeira de capitão me incentivou... Posso dizer que falei com uma pessoa à qual disse o seguinte: "Muito obrigado, o senhor fez-me voltar a gostar de jogar futebol..."
Mas quando foi isso? E quem é essa pessoa?
Isso não vou revelar....
Imagina-se a acabar a carreira no FC Porto?
Isso é um assunto interno... Ainda tenho 32 anos, mas porque não?
Falou-se recentemente da possibilidade de ir para o Fluminense. Gostava de regressar ao Brasil?
Bem, se fosse por vontade de alguns amigos, que são tricolores, de certeza que já lá estava [risos]. Mas tenho trabalho, contrato até 2012, sinto-me feliz no FC Porto e tenho a minha família adaptada à vida em Portugal. Neste cenário, só ponderava o regresso se os dirigentes do FC Porto me dissessem que não contavam mais comigo. Para já, a minha prioridade é o FC Porto e nem sequer penso no resto. É verdade que se comentou sobre a possibilidade de ir para o Fluminense, mas nunca passou disso mesmo.
Pinto da Costa considerou-o o melhor guarda-redes em Portugal. Concorda? E se não concordar, quem é o melhor guarda-redes do campeonato?
Fico feliz por ele ter dito isso, ainda para mais vindo do presidente. Mas temos de reconhecer que, neste caso, a opinião dele é suspeita [risos]. Não me considero o melhor; limito-me a trabalhar para ser o melhor. E não vou escolher ninguém, porque poderia falhar, apesar de considerar que tudo depende do momento. Reconheço que estou a atravessar um bom momento, mas a equipa também me tem ajudado muito.
Mas o Helton também foi, por exemplo, um dos melhores jogadores em campo em Paços de Ferreira...
Lá está, estamos aqui uns para os outros. É o nosso espírito. Aqui não são o Hulk, o Falcao ou o Varela que têm dado o máximo; são o Hulk, o Falcao, o Walter, o Ukra, o Castro, o Guarín, o Fernando, o Rolando, o Otamendi, o Maicon... Somos todos.
Vítor Baía afirmou que a melhor época do Helton foi quando ele ainda estava no FC Porto. Concorda?
É verdade que tive uma época brilhante quando ele esteve aqui. Foi uma pessoa que me ensinou a gostar do FC Porto, a lutar pelo FC Porto, que me fez ver muitas coisas. Ele, o Jorge Costa, o Pedro Emanuel... Estou muito grato por aquilo que aprendi com eles e não posso deixar de concordar que vivi uma grande época quando ele cá estava. Mas agora pretendo fazer ainda melhor. E isso depende de mim.
Ouviu o apito de Elmano Santos no penálti no jogo com o Setúbal?
Ainda estou para perceber o motivo pelo qual vi um cartão amarelo nesse jogo... Houve uma substituição na nossa equipa, num canto contra nós, mas o árbitro não deu tempo para o Sapunaru - que estava a entrar - chegar até à nossa área. Nunca tinha visto nada assim, e limitei-me a perguntar-lhe porque não o deixou posicionar-se na nossa área. Vi um amarelo por isso, sendo eu o capitão.
E no lance do penálti, ouviu o apito?
Não ouvi apito nenhum. Sinceramente.
Directos ao assunto: a vitória no campeonato está próxima?
Ora bem, vamos fazer contas. Faltam 16 jogos e cada um vale três pontos... Ou seja, ainda não ganhámos nada. Este campeonato está muito competitivo e, como já deu para perceber, qualquer equipa pode perder a qualquer momento.
Perguntado de outra forma: seria complicado perder o campeonato depois de uma primeira parte de temporada com apenas dois empates?
Temos a oportunidade de conquistar o título, mas não há jogos fáceis e os maus resultados podem suceder a qualquer momento. Já repararam que tem sido complicado assistir a goleadas? Isso é a prova da competitividade do campeonato. Não há equipas fracas e já tivemos jogos muito complicados com clubes de menor expressão. Felizmente, temos conseguido vencer, mas apenas porque estamos com um colectivo muito forte.
Na equipa que foi mais vezes utilizada, apenas o Moutinho não fazia parte do plantel da época passada. Afinal, a que se deve esta diferença de rendimento?
Confesso que não gosto de fazer comparações. Para mim, importa destacar os méritos desta equipa, embora reconheça que também podemos aprender com os erros, de forma a não os repetir. Para além disso, teria de falar de pessoas que não estão actualmente no clube, e isso não quero fazer. O importante é falar do presente, das pessoas que cá estão, do grupo actual - que é fantástico - e de tudo o que já conseguimos alcançar nestes primeiros meses de competição.
Tendo em conta os elogios, considera que este é o melhor grupo que encontrou no FC Porto?
Posso dizer que é um excelente grupo. Sem dúvida. Mas, cada um teve as suas virtudes e defeitos, não tendo sido por acaso que fomos tantas vezes campeões ao longo dos últimos anos.
Qual foi o momento mais importante desta época?
Todos reconhecemos a importância de começar a temporada com uma vitória, sobretudo frente ao campeão da época passada, e isto apesar de encararmos todas as equipas da mesma forma. Sabemos que há jogos e jogos, mas respeitamos todas as equipas, porque isso é um sinal de humildade. Costumo dizer que a humildade não se aprende na escola, mas que vem do berço. E, felizmente, pode dizer-se que a humildade passou um pouco por todos os berços aqui do clube.
E qual foi o jogo mais difícil até ao momento?
Tivemos dois jogos muito importantes, não só pela dificuldades impostas pelos adversários, mas também pelo estado do relvado. Foi em Coimbra, frente à Académica, e em Viena. Foram duas partidas muito complicadas, porque com aquelas condições climatéricas não conseguimos controlar todos os aspectos do jogo.
E nem sequer estava para jogar em Viena. Nessa partida, estava a preparar-se para assistir ao jogo sossegado no banco...
Bem, sossegados nunca estamos. Nem no banco, nem em casa, quando não somos convocados. Aliás, às vezes até é bem pior, porque a ansiedade é maior. De fora, vemos coisas que lá dentro nem nos apercebemos que estão a acontecer. Mas voltando a esse jogo, acabei por jogar devido a uma infelicidade do Beto. Ele queria muito jogar aquele jogo, para demonstrar em campo toda a dedicação que tinha vindo a colocar nos treinos. Foi uma situação chata para ele, mas também para mim, porque tive apenas cinco minutos para aquecer... Felizmente, correu tudo bem e conseguimos uma vitória importante.
E o jogo mais fácil, esta temporada, foi frente ao Benfica para o campeonato?
Fácil? Não, de maneira nenhuma. Não há jogos fáceis. Nesse encontro, limitámo-nos a não complicar e se marcámos tantos golos foi graças ao nosso empenho e qualidade. Mas, reconheço, foi um jogo memorável. Nunca o FC Porto tinha vencido o Benfica por aqueles números em jogos do campeonato...
Foi um momento de afirmação da superioridade do FC Porto no campeonato?
A equipa tem demonstrado um espírito muito bom. O grupo está em sintonia, mesmo aqueles que são menos utilizados ou até os que não são utilizados. Aliás, tenho de destacar o caso do Mariano que, por uma infelicidade, não foi inscrito para a primeira fase da época. As pessoas não sabem, mas o que ele tem feito é algo de verdadeiramente impressionante. Ele é um companheiro, um amigo, e a atitude dele no dia-a-dia tem sido impressionante, até pelo que ele representa no balneário. E estes actos servem para explicar muito do que se passa este ano, porque ele nem sequer tem jogado.
Conhece Dublin?
Não conheço, mas conto lá ir [risos]...
Mas então o FC Porto é mesmo candidato a vencer a Liga Europa?
Estamos a fazer o nosso trabalho e o melhor é deixarem-nos quietinhos, no nosso canto, a fazer o nosso trabalho. Lá mais para a frente se verá se somos ou não candidatos. Uma coisa é certa: temos os nossos objectivos e no FC Porto pensamos sempre em grande.
Considera o Roberto, do Benfica, um bom guarda-redes?
Não falo dos meus colegas de trabalho...
Faço então a pergunta de outra forma: é complicado para um guarda-redes sobreviver às críticas, tal como aconteceu com o Roberto no início da época?
E como aconteceu comigo no passado... É complicado. Muito complicado. Temos de gostar muito do que fazemos, porque, caso contrário, fica muito difícil superar determinadas situações.
E como se dá a volta a esses momentos?
Com trabalho. Não há outra forma. Não adianta pensar que chegamos a casa, fazemos um chazinho e que tudo vai melhorar. Não é assim que acontece.
E foi muito difícil reagir aos golos sofridos, por exemplo, frente ao Chelsea e Atlético de Madrid para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões?
Se tivermos a consciência tranquila de que fizemos o nosso melhor, não ficamos muito afectados, independentemente de quem critica. Aliás, às vezes essas críticas dão moral e ânimo, dependendo de quem vem... Se vierem de algumas pessoas... Bem, aí é que vai dar vontade de trabalhar ainda mais. Pensamos: "Ai ele não gostou do que eu fiz; legal, vou trabalhar ainda mais".
A selecção do Brasil é um caso encerrado para si?
É complicado falar sobre isso. Cada treinador tem as suas ideias e nem todos confiam nos mesmos jogadores. É normal. Sinceramente, nunca me preocupei com a selecção. E quando digo preocupar, estou a querer dizer que nunca foquei aquilo como primeiro plano. Ou seja, a selecção foi e será sempre a consequência do trabalho que faço no meu clube. Não adianta pensar na selecção se não estiver bem no clube.
Ficou surpreendido pelo facto de Hulk ter ficado de fora das últimas convocatórias?
Sou suspeito para falar, porque trabalho com ele todos os dias. É óbvio que temos de respeitar aqueles que vão no lugar dele, porque também são bons jogadores. Apesar disso, acredito que o Hulk ajudaria muito esta selecção, tal como tem ajudado o FC Porto. Ele está em grande forma e, conhecendo bem a selecção do Brasil, acho que é uma questão de tempo até se fixar em definitivo naquela equipa, até porque qualidade para isso não lhe falta.
Quem é o jogador do FC Porto que remata melhor? A pergunta parece ter uma resposta óbvia: Hulk. No entanto, Helton, que trabalha todos os dias com o plantel, faz questão de acrescentar mais nomes à lista. "Ora aí está uma pergunta difícil... O melhor... Bem, com esta bola todos os remates são complicados. Se piscar os olhos, já fui [risos]. Agora mais a sério: o Hulk, o Guarín, o Belluschi, o James... O James remata muito bem, cuidado com ele. Mas é complicado escolher só um, porque todos têm uma maneira diferente de bater na bola. Uma coisa é certa: eles fazem-me a vida negra nos treinos", contou.
A mudança de João Moutinho para o FC Porto apanhou de surpresa muitas pessoas ligadas ao futebol, mas Helton confessa que encarou a transferência com naturalidade. "Sinceramente, não pensei nada de especial quando vi a notícia nos jornais. Depois, quando o encontrei pela primeira vez, limitei-me a dizer-lhe que se precisasse de alguma coisa, estaria aqui para o ajudar. Nada mais." Apesar disso, o guarda-redes reconhece que não existe a tradição de haver trocas de jogadores entre os grandes, muito menos um capitão de equipa. "Sim, sim. Eu sei disso. Mas aconteceu e ainda bem para nós. Foi uma grande contratação e já tive a oportunidade de lhe agradecer pessoalmente por ele ter vindo para o FC Porto."
Helton realizou um sonho: no passado dia 13, apresentou, em plena Casa da Música, o novo CD do seu grupo musical, Ministério Shalom, perante cerca de 500 convidados, entre os quais a quase totalidade do plantel do FC Porto. "Foi um grande dia para mim e confesso que fiquei surpreendido por terem ido todos. Caramba, foi mesmo muito bom, ainda mais sendo a realização de um sonho. Houve até amigos que mudaram o dia das suas viagens para me irem ver. Foi fantástico". E no balneário, qual foi a reacção no dia seguinte? "Bem, tive de aguentar as brincadeiras do costume. Houve até quem dissesse que o bombo já estava ensinado [risos]".
Pedro Marques Costa
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