1 Luís Filipe Viera vai então ser reconduzido presidente do Benfica esta sexta-feira, tendo previamente garantida a vitória com uma manobra eleitoral ao estilo Hugo Chávez. Afastados os opositores que o poderiam assustar com o golpe palaciano da antecipação das eleições, devidamente denunciados como oportunistas ou testas-de -ferro dos Filipes de Espanha os que se atreveram a contestar publicamente a propaganda pessoal montada ao seu serviço, Vieira vai assim tranquilamente para um terceiro mandato, em que, todavia, o benefício da dúvida junto dos sócios há muito se esgotou.
Seis treinadores em sete anos, alguns 40 jogadores contratados, 25 milhões investidos no plantel no ano passado e, contas feitas, apenas um título de campeão (e sem convencer ninguém), um quarto lugar e um terceiro nas duas últimas épocas, dois anos consecutivos fora da Champions. O presidente do Benfica sabe bem que, se voltar a falhar este ano, o clima se lhe tornará tão insuportável, que talvez se tornem inevitáveis novas eleições antecipadas, mas então contra a sua vontade. Por isso, ele declarou já que não lhe venham falar do aumento do défice, que o deixem gastar dinheiro à vontade — ou então, não lhe exijam títulos. Já vai em 16 milhões de contratações esta época e ameaça não ficar por aí, ao mesmo tempo que promete não vender ninguém (esta, uma promessa fácil de cumprir, porque, na verdade, não vejo ninguém ali, nem o Luisão, que desperte o interesse de um clube disposto a pagar dinheiro que se veja pelas vedetas sobejantes dos 50 milhões investidos no ano passado: eu, pessoalmente, não quereria, para o plantel do FC Porto, um só dos que constituiem o do Benfica. Um só).
Quer isto dizer que apenas uma de duas hipóteses se colocam a médio prazo para o presidente do Benfica: ou se sagra campeão este ano, garantindo também o acesso à Champions, e, nesse caso, o aumento do défice será facilmente esquecido e perdoado por uma massa associativa sedenta de títulos a sério; ou falha uma vez mais o campeonato e estará sentado à frente de uma SAD vencida e arruinada.
Quer isto dizer, também, que prevejo uma época de conflitos sem fim, com um clima de cortar à faca — de que já foi eloquente exemplo o jogo com o Sporting para decidir o título dos juniores. Para agravar as coisas, Vieira, Rui Costa e o Benfica apostam tudo em Jorge Jesus, que é um treinador de conflito fácil e verbo incontinente. Neste capítulo, ele entrou à Mourinho, copiando o discurso do Grande Zé, quando ele chegou ao FC Porto e declarou «para o ano somos campeões». Lembro-me bem que, na altura, caíram os guardiões da «verdade desportiva» em cima de Mourinho, achando até suspeito que ele anunciasse a vitória por antecipação. Mas o mesmo dito pelo treinador do Benfica é aceitável e até mais do que recomendável. Acontece, porém, um pequeno detalhe: não é Mourinho quem quer, e Jorge Jesus não é. Pode ser que vença logo no ano de estreia, mas não vão ser favas contadas, como foi para Mourinho triunfar no FC Porto e em três anos colocá-lo no topo da Europa.
Adivinho, pois, um Benfica crescentemente impaciente, para dentro e para fora, a protestar contra tudo e todos quando as coisas não lhe correrem de feição e convencido, como de costume, que lhe basta alinhar vedetas como Aimar ou Saviola ou outras tidas como tais, para que o mundo lhe caia aos pés e todos se disponham a prestar-lhe vassalagem. Desde que Fernando Martins deixou de ser presidente do Benfica e o Benfica deixou de ganhar, que a cultura de vitória (que antes decorria naturalmente de uma supremacia visível) passou a assentar numa espécie de «direito natural» à vitória, como se os outros não existissem, não competissem e não tivessem também o direito de vencer. E, nesse aspecto, mais milhão menos milhão investido, mais mandato presidencial e mais propaganda pessoal feita, não vejo que nada se tenha susbstancialmente alterado agora.
A ver vamos. Mas aposto que o campeonato que aí vem — a menos que, surpreendentemente, o FC Porto desabe, o Sporting se mostre excepcionalmente limitado e o Benfica comece a vencer e a convencer logo de entrada — vai ter momentos irrespiráveis pela pressão benfiquista em vencer a qualquer preço.
2 Fernando Mendes — o único futebolista português que jogou nos cinco clubes campeões nacionais — esteve à beira de lançar uma granada em pleno coração do futebol português. «Jogo Sujo» — o livro que ele agora lançou, em parceria com o jornalista Luís Aguillar — era para ser uma denúncia documentada, com nomes e datas, do universo escondido do doping no futebol profissional. Mas, afinal e segundo ele confessou ao «Expresso» recuou, a conselho do seu advogado. Manteve as denúncias, mas escondeu os nomes dos clubes, dos médicos, dos treinadores, dos responsáveis daquilo que ele define como «histórias que merecem ser contadas».
Mesmo assim, quando fala das experiência de doping num clube que «tinha um líder carismático e uma grande equipa» — e depois de excluir das suspeitas Benfica, Sporting e FC Porto — toda a gente, como ele aliás diz, sabe de que clube está a falar. Então, vou eu dizer o nome que ele não se atreveu a dizer, o nome para que apontam todas as suspeitas levantadas no seu livro: está a falar do Boavista. Do Boavista que foi campeão nacional, na virada deste século.
Não é surpresa para ninguém, aliás. Quem estivesse atento ao futebol, via claramente coisas muito estranhas naquele Boavista, e à boca grande comentava-se isso no meio e alguma imprensa deu conta, timidamente, de inquéritos policiais que desaguavam em massagistas e farmácias cujos nomes faziam parte do mesmo enredo. Mas nunca se passou daqui — das suspeitas não confirmadas, das revelações em off-the record, das conversas nas tribunas presidenciais dos estádios. Ou seja, tudo acabou como de costume: em suspeitas.
E houve duas razões para que acabasse assim. Por um lado, porque havia um consenso politicamente correcto (e que eu próprio subscrevia) de que o «histórico» Boavista — que, no tempo de Pedroto, estivera à beira de ganhar um campeonato ao Benfica — já merecia a honra de ser campeão nacional. Por outro lado, porque, nesse ano em que finalmente o foi, o Boavista só teve um rival na corrida e até ao fim: o FC Porto. Muito cedo, nessa época, Benfica e Sporting ficaram arredados da luta pelo título e esta ficou restringida aos dois maiores clubes da cidade do Porto. Tivessem as coisas sido diferentes, tivesse um dos grandes de Lisboa disputado o campeonato até ao fim contra o Boavista, e certamente que o penoso silêncio que cobriu as suspeitas de que todos falavam ter-se-ia tornado numa gritaria ensurdecedora. Mas, não, tal como as coisas aconteceram a nível de resultados, houve um consenso em considerar aquele campeonato uma luta de compadres do Porto e um desejo assumido de que o Boavista evitasse mais um título para os azuis-e-brancos. O Boavista acabaria por se sagrar campeão com um ponto de avanço sobre o FC Porto — graças, em medida decisiva, ao jogo do Bessa, onde Vítor Pereira teve a mais infeliz actuação da sua carreira e ofereceu a vitória de bandeja aos do Bessa. O único consolo do FC Porto foi acabar o campeonato a dar 4-0 ao novo campeão, no Estádio das Antas. Quanto à substância da história, um manto de silêncio politicamente correcto desceu sobre o assunto. Até hoje.
Talvez, em coerência com a sua actuação de há um ano atrás em relação ao FC Porto, o CD da Liga devesse chamar Fernando Mendes a depor e esclarecer o que nunca foi esclarecido. Por uma questão de justiça histórica. Para que, das duas uma: ou as suspeitas fiquem enterradas de vez, ou sejam confirmadas em factos e deles se extraiam as consequências devidas. Eu sei que seria esperar demais, mas sugerir não ofende.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
Seis treinadores em sete anos, alguns 40 jogadores contratados, 25 milhões investidos no plantel no ano passado e, contas feitas, apenas um título de campeão (e sem convencer ninguém), um quarto lugar e um terceiro nas duas últimas épocas, dois anos consecutivos fora da Champions. O presidente do Benfica sabe bem que, se voltar a falhar este ano, o clima se lhe tornará tão insuportável, que talvez se tornem inevitáveis novas eleições antecipadas, mas então contra a sua vontade. Por isso, ele declarou já que não lhe venham falar do aumento do défice, que o deixem gastar dinheiro à vontade — ou então, não lhe exijam títulos. Já vai em 16 milhões de contratações esta época e ameaça não ficar por aí, ao mesmo tempo que promete não vender ninguém (esta, uma promessa fácil de cumprir, porque, na verdade, não vejo ninguém ali, nem o Luisão, que desperte o interesse de um clube disposto a pagar dinheiro que se veja pelas vedetas sobejantes dos 50 milhões investidos no ano passado: eu, pessoalmente, não quereria, para o plantel do FC Porto, um só dos que constituiem o do Benfica. Um só).
Quer isto dizer que apenas uma de duas hipóteses se colocam a médio prazo para o presidente do Benfica: ou se sagra campeão este ano, garantindo também o acesso à Champions, e, nesse caso, o aumento do défice será facilmente esquecido e perdoado por uma massa associativa sedenta de títulos a sério; ou falha uma vez mais o campeonato e estará sentado à frente de uma SAD vencida e arruinada.
Quer isto dizer, também, que prevejo uma época de conflitos sem fim, com um clima de cortar à faca — de que já foi eloquente exemplo o jogo com o Sporting para decidir o título dos juniores. Para agravar as coisas, Vieira, Rui Costa e o Benfica apostam tudo em Jorge Jesus, que é um treinador de conflito fácil e verbo incontinente. Neste capítulo, ele entrou à Mourinho, copiando o discurso do Grande Zé, quando ele chegou ao FC Porto e declarou «para o ano somos campeões». Lembro-me bem que, na altura, caíram os guardiões da «verdade desportiva» em cima de Mourinho, achando até suspeito que ele anunciasse a vitória por antecipação. Mas o mesmo dito pelo treinador do Benfica é aceitável e até mais do que recomendável. Acontece, porém, um pequeno detalhe: não é Mourinho quem quer, e Jorge Jesus não é. Pode ser que vença logo no ano de estreia, mas não vão ser favas contadas, como foi para Mourinho triunfar no FC Porto e em três anos colocá-lo no topo da Europa.
Adivinho, pois, um Benfica crescentemente impaciente, para dentro e para fora, a protestar contra tudo e todos quando as coisas não lhe correrem de feição e convencido, como de costume, que lhe basta alinhar vedetas como Aimar ou Saviola ou outras tidas como tais, para que o mundo lhe caia aos pés e todos se disponham a prestar-lhe vassalagem. Desde que Fernando Martins deixou de ser presidente do Benfica e o Benfica deixou de ganhar, que a cultura de vitória (que antes decorria naturalmente de uma supremacia visível) passou a assentar numa espécie de «direito natural» à vitória, como se os outros não existissem, não competissem e não tivessem também o direito de vencer. E, nesse aspecto, mais milhão menos milhão investido, mais mandato presidencial e mais propaganda pessoal feita, não vejo que nada se tenha susbstancialmente alterado agora.
A ver vamos. Mas aposto que o campeonato que aí vem — a menos que, surpreendentemente, o FC Porto desabe, o Sporting se mostre excepcionalmente limitado e o Benfica comece a vencer e a convencer logo de entrada — vai ter momentos irrespiráveis pela pressão benfiquista em vencer a qualquer preço.
2 Fernando Mendes — o único futebolista português que jogou nos cinco clubes campeões nacionais — esteve à beira de lançar uma granada em pleno coração do futebol português. «Jogo Sujo» — o livro que ele agora lançou, em parceria com o jornalista Luís Aguillar — era para ser uma denúncia documentada, com nomes e datas, do universo escondido do doping no futebol profissional. Mas, afinal e segundo ele confessou ao «Expresso» recuou, a conselho do seu advogado. Manteve as denúncias, mas escondeu os nomes dos clubes, dos médicos, dos treinadores, dos responsáveis daquilo que ele define como «histórias que merecem ser contadas».
Mesmo assim, quando fala das experiência de doping num clube que «tinha um líder carismático e uma grande equipa» — e depois de excluir das suspeitas Benfica, Sporting e FC Porto — toda a gente, como ele aliás diz, sabe de que clube está a falar. Então, vou eu dizer o nome que ele não se atreveu a dizer, o nome para que apontam todas as suspeitas levantadas no seu livro: está a falar do Boavista. Do Boavista que foi campeão nacional, na virada deste século.
Não é surpresa para ninguém, aliás. Quem estivesse atento ao futebol, via claramente coisas muito estranhas naquele Boavista, e à boca grande comentava-se isso no meio e alguma imprensa deu conta, timidamente, de inquéritos policiais que desaguavam em massagistas e farmácias cujos nomes faziam parte do mesmo enredo. Mas nunca se passou daqui — das suspeitas não confirmadas, das revelações em off-the record, das conversas nas tribunas presidenciais dos estádios. Ou seja, tudo acabou como de costume: em suspeitas.
E houve duas razões para que acabasse assim. Por um lado, porque havia um consenso politicamente correcto (e que eu próprio subscrevia) de que o «histórico» Boavista — que, no tempo de Pedroto, estivera à beira de ganhar um campeonato ao Benfica — já merecia a honra de ser campeão nacional. Por outro lado, porque, nesse ano em que finalmente o foi, o Boavista só teve um rival na corrida e até ao fim: o FC Porto. Muito cedo, nessa época, Benfica e Sporting ficaram arredados da luta pelo título e esta ficou restringida aos dois maiores clubes da cidade do Porto. Tivessem as coisas sido diferentes, tivesse um dos grandes de Lisboa disputado o campeonato até ao fim contra o Boavista, e certamente que o penoso silêncio que cobriu as suspeitas de que todos falavam ter-se-ia tornado numa gritaria ensurdecedora. Mas, não, tal como as coisas aconteceram a nível de resultados, houve um consenso em considerar aquele campeonato uma luta de compadres do Porto e um desejo assumido de que o Boavista evitasse mais um título para os azuis-e-brancos. O Boavista acabaria por se sagrar campeão com um ponto de avanço sobre o FC Porto — graças, em medida decisiva, ao jogo do Bessa, onde Vítor Pereira teve a mais infeliz actuação da sua carreira e ofereceu a vitória de bandeja aos do Bessa. O único consolo do FC Porto foi acabar o campeonato a dar 4-0 ao novo campeão, no Estádio das Antas. Quanto à substância da história, um manto de silêncio politicamente correcto desceu sobre o assunto. Até hoje.
Talvez, em coerência com a sua actuação de há um ano atrás em relação ao FC Porto, o CD da Liga devesse chamar Fernando Mendes a depor e esclarecer o que nunca foi esclarecido. Por uma questão de justiça histórica. Para que, das duas uma: ou as suspeitas fiquem enterradas de vez, ou sejam confirmadas em factos e deles se extraiam as consequências devidas. Eu sei que seria esperar demais, mas sugerir não ofende.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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