1 Não me venham cá com o mercado e as suas durae lex, sed lex: o valor da transferência de Cristiano Ronaldo para o Real Madrid é um escândalo e, quanto à suposta verdade inelutável do mercado, aí está a maior crise económica planetária dos últimos oitenta anos para mostrar como o mercado pode ser desregulado pelo excesso de ambição e falta de regras.
Como Ronaldo é português, fatalmente vem ao de cima o espírito nacionalista, a que eu chamo saloio, e que nos impede de ver as coisas como as veríamos se fosse um jogador estrangeiro. Nenhum jogador de futebol vale 94 milhões de euros. Nenhum. O que o Real Madrid fez, numa semana em que gastou 160 milhões de euros a comprar Káká e Ronaldo, é não apenas indecoroso face aos valores em si, como é também insustentável, financeira e desportivamente. Há anos atrás, quando se lançou na política de aquisição dos «galácticos», que lhe valeu a presidência do Real, Florentino Perez financiou-a através da venda do património imobiliário do clube, no centro da cidade, e numa daquelas manobras em compadrio com a autarquia local, que tão bem conhecemos também por cá. Mas, agora, que esse património já não existe, como vai Florentino Pérez financiar estas compras, que elevam para 500 milhões de euros o endividamento do Real Madrid? É verdade que os direitos televisivos em Espanha são astronómicos (até ver…) e que o merchandising resultante da venda dos direitos de imagem dos jogadores pode atingir montantes fabulosos. Mas isso não chega. Pode ser até, como ele disse, que, dentro de um ano, haja um milhão de espanhóis com a camisola de Ronaldo, comprada nas lojas do clube: continua a não chegar — são, no máximo, 30 milhões de euros. Por isso, a pergunta que todos fazem em Espanha é como é que o Real Madrid vai conseguir amortizar estas loucuras do seu presidente e, pior ainda, o que sucederá se não conseguir?
Desportivamente, toda a gente percebe facilmente que, com negócios destes, a concorrência fica mais do que distorcida, fica falseada. E não são as lágrimas de crocodilo do Sr. Platini que impedem que tal seja verdade. Há uma dúzia de clubes europeus que disputam a Liga dos Campeões cronicamente e em condições que, à partida, lhes dão toda a vantagem. Há muito que deixaram de ser clubes nacionais, para se transformarem em multinacionais, detidos por princípes árabes sem saber o que fazer ao dinheiro, especuladores da bolsa americana, senhores das mafias do leste europeu ou grandes construtores civis, como Florentino Pérez. No extremo limite desta condição, temos o Liverpool, que disputou os quartos-finais da Champions este ano, com um treinador espanhol e sem um único jogador inglês como titular. Quem pode dizer ainda que se trata de um clube inglês e que representa o futebol das Ilhas? E temos — num patamar abaixo, na condição simultânea de compradores e vendedores — os grandes clubes portugueses: compram jovens esperanças brasileiras e sul-americanas para as revender mais tarde e bem mais caro, enquanto desprezam as jovens esperanças portuguesas, condenadas a expatriar-se para um terceiro patamar, o dos clubes gregos, romenos ou cipriotas.
Na origem do problema está a teimosia da UE em querer aplicar, sem nenhuma adaptação, as regras de livre circulação de trabalhadores no espaço europeu, como se não entendessem que uma competição europeia de clubes, com quotas de acesso por país, implica um mínimo de correspondência entre a filiação nacional de um clube e a composição da sua equipa. Por este andar, qualquer dia, poderemos ver um Corinthians ou um River Plate a domicilarem-se em Moscovo ou em Lisboa e disputarem os nossos campeonatos e a Liga dos Campeões Europeus.
2 Entretanto, parece que há um problema de adaptação do «Circo Ronaldo» às novas regras do marketing impostas pela sua recente filiação a Madrid. Los Angeles e Paris Hilton não ajudam muito a vender um milhão de camisolas em Espanha. Ele vai ter de passar férias em Palma de Maiorca ou Ibiza e arranjar aqueles instantâneos namoros de Verão (planeados ao detalhe pelo seu marketing de apoio) com vedetas da TV ou da canção espanhola. É só uma questão de mudar a agulha.
3 Cissokho é o primeiro grande negócio de Verão dos nossos clubes e, como não podia deixar de ser, feito pelo FC Porto. Este nem chegou a aquecer o lugar: chegou em Janeiro, parte em Julho. E tantos anos que o FC Porto esperou para ter um lateral-esquerdo digno do lugar e da função!
O negócio é, sem dúvida, das arábias: custou 300.000 euros, sai por 15 milhões. E tudo seria inatacável, se não subsistisse uma dúvida sobre quanto é que o FC Porto detinha do seu passe. Sabe-se que os 300.000 euros foi o que os azuis pagaram à partida por 60% do passe, comprado ao Vitória de Setúbal, e que o resto ficou nas mãos de uma empresa detida pelo empresário António Araújo — personagem não muito clara, do círculo íntimo de Pinto da Costa. Consta agora que, entretanto, o FC Porto terá comprado mais 20 ou 30% do passe ao Sr. António Araújo — mas não se sabe por quanto nem se isso aconteceu, de facto. O que não se percebe também é a razão pela qual, a um preço tão barato, o FC Porto não gastou logo mais 200.000 euros para ficar com a totalidade do passe. Hoje, o lucro da revenda seria todo seu, sem ter de dividir não se sabe quanto com mais alguém. Alguém que teve a grande sorte de ter o seu produto exposto na montra da Liga dos Campeões, à boleia da camisola do FC Porto.
Na rampa de saída estão agora Bruno Alves e Lisandro. Ambos serão perdas imensas na equipa, mas, como todos os anos sucede, é preciso vender os anéis para poder pagar os prejuízos crónicos da gestão corrente — tornados inevitáveis pela existência de uma folha de pagamentos que tem mais de 70 jogadores seniores a receberem ordenado do clube, dos quais 44 emprestados!
Na calha para substituir Bruno Alves está Nuno André Coelho que, ou muito me engano, ou rapidamente atingirá o estatuto dos grandes centrais que o FC Porto produz, como epidemia saudável, há vinte anos. Já Lisandro López vai ser bem mais difícil de substituir. Jogadores como ele custam… o mesmo que ele. E os que são baratos, ninguém pode garantir que consigam produzir metade do que ele produz ao fim de dois anos de aprendizagem.
Mas, para quem ainda pudesse ter dúvidas sobre a conveniência de continuar a contar com Jesualdo Ferreira para o futuro, aqui fica mais uma resposta. Não são apenas os três campeonatos consecutivos, as três fases de eliminatórias da Champions e uma Taça de Portugal que ele acumulou em três anos. É a capacidade notável que ele tem demonstrado de transformar jogadores que pareciam sem grande margem de progressão em estrelas cobiçadas pelos tubarões. Bruno Alves e Lisandro López são os casos mais notáveis. Mas também o são Cissokho, Fernando, Raul Meireles.
É certo que nem tudo são sucessos e por isso é que não vemos ninguém a cobiçar o Farías, o Mariano González ou o Freddy Guarin. Mas basta acertar duas apostas por ano para deixar a administração da SAD do clube tranquila. Imagine-se o que não seria o pânico se o FC Porto chegasse ao fim da época e não conseguisse fazer um grande negócio de Verão?
4 Não foi um grande negócio, mas foi uma grande e esperada golpada: a de Luís Filipe Viera, ao antecipar eleições para Julho, para poder ser reeleito sem problemas e sem riscos. E diz ele que não está agarrado ao poder! Que fará se estivesse!
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
Como Ronaldo é português, fatalmente vem ao de cima o espírito nacionalista, a que eu chamo saloio, e que nos impede de ver as coisas como as veríamos se fosse um jogador estrangeiro. Nenhum jogador de futebol vale 94 milhões de euros. Nenhum. O que o Real Madrid fez, numa semana em que gastou 160 milhões de euros a comprar Káká e Ronaldo, é não apenas indecoroso face aos valores em si, como é também insustentável, financeira e desportivamente. Há anos atrás, quando se lançou na política de aquisição dos «galácticos», que lhe valeu a presidência do Real, Florentino Perez financiou-a através da venda do património imobiliário do clube, no centro da cidade, e numa daquelas manobras em compadrio com a autarquia local, que tão bem conhecemos também por cá. Mas, agora, que esse património já não existe, como vai Florentino Pérez financiar estas compras, que elevam para 500 milhões de euros o endividamento do Real Madrid? É verdade que os direitos televisivos em Espanha são astronómicos (até ver…) e que o merchandising resultante da venda dos direitos de imagem dos jogadores pode atingir montantes fabulosos. Mas isso não chega. Pode ser até, como ele disse, que, dentro de um ano, haja um milhão de espanhóis com a camisola de Ronaldo, comprada nas lojas do clube: continua a não chegar — são, no máximo, 30 milhões de euros. Por isso, a pergunta que todos fazem em Espanha é como é que o Real Madrid vai conseguir amortizar estas loucuras do seu presidente e, pior ainda, o que sucederá se não conseguir?
Desportivamente, toda a gente percebe facilmente que, com negócios destes, a concorrência fica mais do que distorcida, fica falseada. E não são as lágrimas de crocodilo do Sr. Platini que impedem que tal seja verdade. Há uma dúzia de clubes europeus que disputam a Liga dos Campeões cronicamente e em condições que, à partida, lhes dão toda a vantagem. Há muito que deixaram de ser clubes nacionais, para se transformarem em multinacionais, detidos por princípes árabes sem saber o que fazer ao dinheiro, especuladores da bolsa americana, senhores das mafias do leste europeu ou grandes construtores civis, como Florentino Pérez. No extremo limite desta condição, temos o Liverpool, que disputou os quartos-finais da Champions este ano, com um treinador espanhol e sem um único jogador inglês como titular. Quem pode dizer ainda que se trata de um clube inglês e que representa o futebol das Ilhas? E temos — num patamar abaixo, na condição simultânea de compradores e vendedores — os grandes clubes portugueses: compram jovens esperanças brasileiras e sul-americanas para as revender mais tarde e bem mais caro, enquanto desprezam as jovens esperanças portuguesas, condenadas a expatriar-se para um terceiro patamar, o dos clubes gregos, romenos ou cipriotas.
Na origem do problema está a teimosia da UE em querer aplicar, sem nenhuma adaptação, as regras de livre circulação de trabalhadores no espaço europeu, como se não entendessem que uma competição europeia de clubes, com quotas de acesso por país, implica um mínimo de correspondência entre a filiação nacional de um clube e a composição da sua equipa. Por este andar, qualquer dia, poderemos ver um Corinthians ou um River Plate a domicilarem-se em Moscovo ou em Lisboa e disputarem os nossos campeonatos e a Liga dos Campeões Europeus.
2 Entretanto, parece que há um problema de adaptação do «Circo Ronaldo» às novas regras do marketing impostas pela sua recente filiação a Madrid. Los Angeles e Paris Hilton não ajudam muito a vender um milhão de camisolas em Espanha. Ele vai ter de passar férias em Palma de Maiorca ou Ibiza e arranjar aqueles instantâneos namoros de Verão (planeados ao detalhe pelo seu marketing de apoio) com vedetas da TV ou da canção espanhola. É só uma questão de mudar a agulha.
3 Cissokho é o primeiro grande negócio de Verão dos nossos clubes e, como não podia deixar de ser, feito pelo FC Porto. Este nem chegou a aquecer o lugar: chegou em Janeiro, parte em Julho. E tantos anos que o FC Porto esperou para ter um lateral-esquerdo digno do lugar e da função!
O negócio é, sem dúvida, das arábias: custou 300.000 euros, sai por 15 milhões. E tudo seria inatacável, se não subsistisse uma dúvida sobre quanto é que o FC Porto detinha do seu passe. Sabe-se que os 300.000 euros foi o que os azuis pagaram à partida por 60% do passe, comprado ao Vitória de Setúbal, e que o resto ficou nas mãos de uma empresa detida pelo empresário António Araújo — personagem não muito clara, do círculo íntimo de Pinto da Costa. Consta agora que, entretanto, o FC Porto terá comprado mais 20 ou 30% do passe ao Sr. António Araújo — mas não se sabe por quanto nem se isso aconteceu, de facto. O que não se percebe também é a razão pela qual, a um preço tão barato, o FC Porto não gastou logo mais 200.000 euros para ficar com a totalidade do passe. Hoje, o lucro da revenda seria todo seu, sem ter de dividir não se sabe quanto com mais alguém. Alguém que teve a grande sorte de ter o seu produto exposto na montra da Liga dos Campeões, à boleia da camisola do FC Porto.
Na rampa de saída estão agora Bruno Alves e Lisandro. Ambos serão perdas imensas na equipa, mas, como todos os anos sucede, é preciso vender os anéis para poder pagar os prejuízos crónicos da gestão corrente — tornados inevitáveis pela existência de uma folha de pagamentos que tem mais de 70 jogadores seniores a receberem ordenado do clube, dos quais 44 emprestados!
Na calha para substituir Bruno Alves está Nuno André Coelho que, ou muito me engano, ou rapidamente atingirá o estatuto dos grandes centrais que o FC Porto produz, como epidemia saudável, há vinte anos. Já Lisandro López vai ser bem mais difícil de substituir. Jogadores como ele custam… o mesmo que ele. E os que são baratos, ninguém pode garantir que consigam produzir metade do que ele produz ao fim de dois anos de aprendizagem.
Mas, para quem ainda pudesse ter dúvidas sobre a conveniência de continuar a contar com Jesualdo Ferreira para o futuro, aqui fica mais uma resposta. Não são apenas os três campeonatos consecutivos, as três fases de eliminatórias da Champions e uma Taça de Portugal que ele acumulou em três anos. É a capacidade notável que ele tem demonstrado de transformar jogadores que pareciam sem grande margem de progressão em estrelas cobiçadas pelos tubarões. Bruno Alves e Lisandro López são os casos mais notáveis. Mas também o são Cissokho, Fernando, Raul Meireles.
É certo que nem tudo são sucessos e por isso é que não vemos ninguém a cobiçar o Farías, o Mariano González ou o Freddy Guarin. Mas basta acertar duas apostas por ano para deixar a administração da SAD do clube tranquila. Imagine-se o que não seria o pânico se o FC Porto chegasse ao fim da época e não conseguisse fazer um grande negócio de Verão?
4 Não foi um grande negócio, mas foi uma grande e esperada golpada: a de Luís Filipe Viera, ao antecipar eleições para Julho, para poder ser reeleito sem problemas e sem riscos. E diz ele que não está agarrado ao poder! Que fará se estivesse!
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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