1 PAOLO MALDINI despediu-se de San Siro, e para a semana despede-se do futebol, depois de 24 anos de carreira no seu clube de sempre: o Milan. Abandona como titular da equipa que serviu durante quase um quarto de século e a um mês de fazer 41 anos de idade — o que, uma vez mais, deveria ser objecto de reflexão de toda a gente ligada profissionalmente ao futebol, para tentarem entender a razão pela qual as carreiras de jogador em Itália são tão notavelmente longas. É simplesmente brilhante que um jogador que já ganhou sete títulos de campeão de Itália, cinco de campeão europeu e três de campeão mundial de clubes, que foi o mais internacional de sempre da squadra azzurra (pela qual disputou 126 jogos e duas finais do Mundial), acabe ainda como titular num dos maiores clubes europeus, à beira dos 41 anos de idade!
Mas, para além de todos os seus registos, Paolo Maldini foi também um jogador brilhante — brilhante de raça, de técnica, de inteligência de jogo. Com ele nasceu verdadeiramente o conceito do lateral ofensivo, varrendo todo um flanco e que ainda conseguiu reconverter-se em central. A acrescentar a tudo isso, possui três qualidades que fazem toda a diferença: estilo, personalidade e cultura. Ah, e essa coisa que já não se usa e que faz o infortúnio dos «empresários» de jogadores: o amor à camisola — sempre a mesma.
2 Por cá, fizeram-se as despedidas de mais uma época. Uma época cinzenta e desinteressante, com mau futebol como regra geral, má prestação europeia dos clubes portugueses como regra também geral, embora com excepções, e a vergonha dos salários em atraso. Houve, como é habitual, festas e dramas, na hora da despedida.
Na segunda festa do título no Dragão, o que mais me chamou a atenção foi uma coisa um bocado indefinível e que talvez seja necessário ser adepto do clube para o entender: há, no povo azul-e-branco, uma cultura de vitória entranhada, que não há em mais lado nenhum. Não é feita de arrogância nem de falsa humildade, mas de um orgulho tranquilo, que é o resultado do contrato estabelecido tacitamente entre um público fiel mas exigente e uma equipa profissional a sério, desde o roupeiro ao presidente. Isso não existe em qualquer outro clube português, e é por isso que só nos sabemos porque ganhamos tão mais que os outros. E, enquanto eles (em boa verdade, cada vez menos), se entretêm a gritar que foi batota, nós agradecemos que assim continuem a pensar. Porque, enquanto o fizerem, jamais acharão o caminho para a vitória.
Num jogo profundamente aborrecido, Jesualdo Ferreira achou que podia caçar leões com fisga. Chega a ser comovente a insistência dele em tentar convencer-se que jogadores como o Mariano ou o Farías podem assegurar as despesas do ataque portista e ganhar jogos. Agora, que toda a gente elogia Jesualdo, eu — que sempre o defendi desde o primeiro dia — estou muito à vontade para destoar neste ponto: penso que ele é um treinador que protege as suas escolhas pessoais até ao limite, mas para o qual, em contrapartida, quem não está no seu grupo eleito, não tem uma hipótese. E uma das coisas que ele sempre preteriu aos seus eleitos foi a aposta nos jovens jogadores. Por isso é que, esta época, o Candeias e o Rabiola não tiveram uma verdadeira oportunidade, embora tenham mostrado o suficiente para se perceber que qualquer deles é bem melhor que um Mariano ou um Farías. Por isso é que foram enxotados como extra-numerários jovens como o Ibson, o Vieirinha, o Leandro Lima, o Hélder Barbosa, embora qualquer pessoa veja facilmente que qualquer deles é bem melhor e com bem maior margem de melhoria que um Guarín ou um Tomás Costa.
Enfim, foi pena mais uma aposta na pólvora seca, porque podia-se ter terminado o campeonato e feito a festa com uma vitória fácil frente a uma equipa que nunca mostrou merecer empatar o jogo.
3 O Belenenses lá foi para a segunda divisão, porque não há milagres quando não se sabe gerir e se usa os clubes apenas como plataforma de promoção social ou mediática. Agora, os novos dirigentes azuis esperam ser repescados, se o Estrela da Amadora, o Leixões ou o Setúbal não conseguirem pagar numa semana o que devem aos jogadores, ao fisco e à segurança social — e se eles o conseguirem… É o roto que espera que o nu morra de frio primeiro do que ele.
E o Boavista lá foi para a terceira divisão (segunda, em linguagem politicamente correcta), prosseguindo a descida descontrolada de uma ladeira que não se sabe onde terminará. O estádio do Bessa na terceira divisão — eis o nosso retrato! E, como castigo póstumo do major, o Boavista desce aos infernos na companhia do Gondomar, a outra menina dos olhos de Valentim Loureiro.
Em contrapartida, o União de Leiria, campeão crónico do menor número de espectadores no estádio quando ainda há pouco estava na primeira divisão, já está de regresso. Um regresso que augura mais do mesmo: falta de público, falta de sustentabilidade económica, incapacidade de sobrevivência financeira sem o apoio crónico da autarquia. As imagens da festa da subida do União, em Aveiro, eram, aliás, eloquentes. Uns duzentos ou trezentos corajosos adeptos faziam a festa no relvado, enquanto em fundo se viam as bancadas do Estádio de Aveiro (um dos seis novos estádios feitos para o Euro-2004) absolutamente desertas e a tentar disfarçar o non sense de tudo aquilo graças às pinturas «trompe l'oeil» que o arq.º Tomás Taveira muito avisadamente inventou para ali e para Alvalade, para Coimbra, para Faro. Se desportivamente, a recuperação do União em direcção à subida foi uma notável proeza com a assinatura de Manuel Fernandes, o sentido útil disso pode ser bem ilustrado pela cena cómica do próprio treinador da vitória: assim que o árbitro apitou para o fim do jogo, ele lançou-se a correr pelo campo, mas, ao fim de meia-dúzia de passos, parou, agachado e com um esgar de dor, com uma ruptura muscular. Pareceu premonitório.
4 Bonita, sim, foi a despedida de Quique Flores da Luz. Acho que nunca saberemos verdadeiramente se foi ele ou não o principal culpado da época decepcionante do Benfica. Sabemos, claro, que era o bode expiatório mais à mão. Não discuto se Rui Costa e Luís Filipe Vieira tinham ou não justificadas razões para mais uma vez levarem o Benfica a desfazer-se do treinador, ao fim de uma simples época de experiência. Mas sei que o fizeram de uma forma muito pouco digna e que talvez explique em parte porque nada corre bem há tanto tempo naquela casa. Ao invés, Quique despediu-se como um senhor, que sempre mostrou ser, nesta sua brevíssima passagem pelo futebol português. As esperanças estão agora colocadas em Jorge Jesus, que pode ser muito melhor treinador do que Quique ou ter mais sorte, logo se verá. Mas uma coisa há onde Jesus não chega aos calcanhares do espanhol: em atitude e elegância na forma de estar, junto à linha e fora dela.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
Mas, para além de todos os seus registos, Paolo Maldini foi também um jogador brilhante — brilhante de raça, de técnica, de inteligência de jogo. Com ele nasceu verdadeiramente o conceito do lateral ofensivo, varrendo todo um flanco e que ainda conseguiu reconverter-se em central. A acrescentar a tudo isso, possui três qualidades que fazem toda a diferença: estilo, personalidade e cultura. Ah, e essa coisa que já não se usa e que faz o infortúnio dos «empresários» de jogadores: o amor à camisola — sempre a mesma.
2 Por cá, fizeram-se as despedidas de mais uma época. Uma época cinzenta e desinteressante, com mau futebol como regra geral, má prestação europeia dos clubes portugueses como regra também geral, embora com excepções, e a vergonha dos salários em atraso. Houve, como é habitual, festas e dramas, na hora da despedida.
Na segunda festa do título no Dragão, o que mais me chamou a atenção foi uma coisa um bocado indefinível e que talvez seja necessário ser adepto do clube para o entender: há, no povo azul-e-branco, uma cultura de vitória entranhada, que não há em mais lado nenhum. Não é feita de arrogância nem de falsa humildade, mas de um orgulho tranquilo, que é o resultado do contrato estabelecido tacitamente entre um público fiel mas exigente e uma equipa profissional a sério, desde o roupeiro ao presidente. Isso não existe em qualquer outro clube português, e é por isso que só nos sabemos porque ganhamos tão mais que os outros. E, enquanto eles (em boa verdade, cada vez menos), se entretêm a gritar que foi batota, nós agradecemos que assim continuem a pensar. Porque, enquanto o fizerem, jamais acharão o caminho para a vitória.
Num jogo profundamente aborrecido, Jesualdo Ferreira achou que podia caçar leões com fisga. Chega a ser comovente a insistência dele em tentar convencer-se que jogadores como o Mariano ou o Farías podem assegurar as despesas do ataque portista e ganhar jogos. Agora, que toda a gente elogia Jesualdo, eu — que sempre o defendi desde o primeiro dia — estou muito à vontade para destoar neste ponto: penso que ele é um treinador que protege as suas escolhas pessoais até ao limite, mas para o qual, em contrapartida, quem não está no seu grupo eleito, não tem uma hipótese. E uma das coisas que ele sempre preteriu aos seus eleitos foi a aposta nos jovens jogadores. Por isso é que, esta época, o Candeias e o Rabiola não tiveram uma verdadeira oportunidade, embora tenham mostrado o suficiente para se perceber que qualquer deles é bem melhor que um Mariano ou um Farías. Por isso é que foram enxotados como extra-numerários jovens como o Ibson, o Vieirinha, o Leandro Lima, o Hélder Barbosa, embora qualquer pessoa veja facilmente que qualquer deles é bem melhor e com bem maior margem de melhoria que um Guarín ou um Tomás Costa.
Enfim, foi pena mais uma aposta na pólvora seca, porque podia-se ter terminado o campeonato e feito a festa com uma vitória fácil frente a uma equipa que nunca mostrou merecer empatar o jogo.
3 O Belenenses lá foi para a segunda divisão, porque não há milagres quando não se sabe gerir e se usa os clubes apenas como plataforma de promoção social ou mediática. Agora, os novos dirigentes azuis esperam ser repescados, se o Estrela da Amadora, o Leixões ou o Setúbal não conseguirem pagar numa semana o que devem aos jogadores, ao fisco e à segurança social — e se eles o conseguirem… É o roto que espera que o nu morra de frio primeiro do que ele.
E o Boavista lá foi para a terceira divisão (segunda, em linguagem politicamente correcta), prosseguindo a descida descontrolada de uma ladeira que não se sabe onde terminará. O estádio do Bessa na terceira divisão — eis o nosso retrato! E, como castigo póstumo do major, o Boavista desce aos infernos na companhia do Gondomar, a outra menina dos olhos de Valentim Loureiro.
Em contrapartida, o União de Leiria, campeão crónico do menor número de espectadores no estádio quando ainda há pouco estava na primeira divisão, já está de regresso. Um regresso que augura mais do mesmo: falta de público, falta de sustentabilidade económica, incapacidade de sobrevivência financeira sem o apoio crónico da autarquia. As imagens da festa da subida do União, em Aveiro, eram, aliás, eloquentes. Uns duzentos ou trezentos corajosos adeptos faziam a festa no relvado, enquanto em fundo se viam as bancadas do Estádio de Aveiro (um dos seis novos estádios feitos para o Euro-2004) absolutamente desertas e a tentar disfarçar o non sense de tudo aquilo graças às pinturas «trompe l'oeil» que o arq.º Tomás Taveira muito avisadamente inventou para ali e para Alvalade, para Coimbra, para Faro. Se desportivamente, a recuperação do União em direcção à subida foi uma notável proeza com a assinatura de Manuel Fernandes, o sentido útil disso pode ser bem ilustrado pela cena cómica do próprio treinador da vitória: assim que o árbitro apitou para o fim do jogo, ele lançou-se a correr pelo campo, mas, ao fim de meia-dúzia de passos, parou, agachado e com um esgar de dor, com uma ruptura muscular. Pareceu premonitório.
4 Bonita, sim, foi a despedida de Quique Flores da Luz. Acho que nunca saberemos verdadeiramente se foi ele ou não o principal culpado da época decepcionante do Benfica. Sabemos, claro, que era o bode expiatório mais à mão. Não discuto se Rui Costa e Luís Filipe Vieira tinham ou não justificadas razões para mais uma vez levarem o Benfica a desfazer-se do treinador, ao fim de uma simples época de experiência. Mas sei que o fizeram de uma forma muito pouco digna e que talvez explique em parte porque nada corre bem há tanto tempo naquela casa. Ao invés, Quique despediu-se como um senhor, que sempre mostrou ser, nesta sua brevíssima passagem pelo futebol português. As esperanças estão agora colocadas em Jorge Jesus, que pode ser muito melhor treinador do que Quique ou ter mais sorte, logo se verá. Mas uma coisa há onde Jesus não chega aos calcanhares do espanhol: em atitude e elegância na forma de estar, junto à linha e fora dela.
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
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