DIZEM que todos os dias se podia ver no campo do porto chileno de Talcahuano, com o corpo no ar, de costas para a terra barrenta, disparando, em frenético movimento de tesoura, pesada bola de cautchú para desconchavada baliza de madeira velha. Chamava-se Rámon Unzaga – mas, segundo Eduardo Galeano, por insondável mistério, não ganhou a fama que devia: de verdadeiro inventor do mais acrobático remate que o futebol tem. Anos mais tarde, em 1927, quando o Colo-Colo veio em digressão à Europa, David Arellano exibiu o golpe de Unzaga em Espanha – e cronistas, embasbacados, celebraram, enfim, o esplendor da desconhecida pirueta e deram-lhe o nome de la chilena. E depois de vários desses golos voadores, Arellano morreu em Valladolid, num choque fatal com um defesa...
Esquecido foi ficando o mártir – e a acrobacia. Até que surgiu quem lhe deu mais encanto e lhe mudou o signo – para pontapé de bicicleta: Leónidas da Silva, brasileiro que, no Mundial de 38, pôs repórter da revista Match convencido de que lhe contara em jogo seis pernas que se entrelaçavam de forma diabólica entre a bola e adversários – e que, para além disso, desafiando a gravidade, fazia golos assim tão bonitos que os guarda-redes saíam, românticos, do fundo das violadas redes, para lhe dar parabéns...
Domingo, no Funchal, houve espírito de Unzaga, Arellano e Leónidas em Cristian Rodriguez. É óbvio que me deslumbrei com a sua obra-prima, desenho de sonho e eternidade, em voo da estátua súbita, como talvez lhe chamasse, poético, Drummond se a visse – mas não foi isso que, na noite da magia à solta, me pôs mais em êxtase. Foi Hulk, o monumento ao jogador que ele é – o golo ao cair do pano, naquele jeito assombroso de sair dos problemas em que parece que, cego, se vai meter, para depois fazer perfeitamente com a bola aquilo que mais ninguém imaginaria que fizesse – como Pelé, Maradona, Cristiano Ronaldo, Messi, a gente dessa sublime dimensão para onde ele corre, fulgurante...
António Simões n' A Bola.
Esquecido foi ficando o mártir – e a acrobacia. Até que surgiu quem lhe deu mais encanto e lhe mudou o signo – para pontapé de bicicleta: Leónidas da Silva, brasileiro que, no Mundial de 38, pôs repórter da revista Match convencido de que lhe contara em jogo seis pernas que se entrelaçavam de forma diabólica entre a bola e adversários – e que, para além disso, desafiando a gravidade, fazia golos assim tão bonitos que os guarda-redes saíam, românticos, do fundo das violadas redes, para lhe dar parabéns...
Domingo, no Funchal, houve espírito de Unzaga, Arellano e Leónidas em Cristian Rodriguez. É óbvio que me deslumbrei com a sua obra-prima, desenho de sonho e eternidade, em voo da estátua súbita, como talvez lhe chamasse, poético, Drummond se a visse – mas não foi isso que, na noite da magia à solta, me pôs mais em êxtase. Foi Hulk, o monumento ao jogador que ele é – o golo ao cair do pano, naquele jeito assombroso de sair dos problemas em que parece que, cego, se vai meter, para depois fazer perfeitamente com a bola aquilo que mais ninguém imaginaria que fizesse – como Pelé, Maradona, Cristiano Ronaldo, Messi, a gente dessa sublime dimensão para onde ele corre, fulgurante...
António Simões n' A Bola.
1 comentário:
Excelente, teres colocado aqui o artigo do A.Simões, jornalista que é uma pequena ilha de isenção, no imenso mar, vermelho encardido, que é A Bola.
Eu no meu blog, também já fiz um post com um artigo dele e leio sempre os seus artigos que e ainda bem, são publicados no mesmo dia do M.S.Tavares.
Um abraço
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