1 - É assim o futebol: uma semana vai-se à frente, na outra passa-se para trás; numa semana joga-se bem e abre-se um sorriso onde cabem todas as esperanças, na outra desaba sobre nós um peso de chumbo e sai-se do estádio curvado à decepção; uma semana a culpa foi do árbitro, na outra foi ele quem nos salvou.
O regresso à normalidade que o FC Porto assegurara há oito dias foi de novo interrompido por mais um percalço caseiro, de todo fora das previsões. Porque tropeçou o FC Porto no Trofense? A meu ver, por três razões: falta de sorte, atitude do adversário e erros do treinador. Uma de cada vez.
Normalmente, quando um grande empata em casa a zero com uma equipa do fundo da tabela, já é clássico concluir que o melhor em campo foi o guarda-redes adversário. Não foi o caso do FC Porto-Trofense de anteontem: ao contrário do que sucedera contra o Benfica, o guarda-redes do Trofense, Paulo Lopes, não evitou nenhum golo nem chegou a fazer nenhuma grande defesa. Viu-se, sim, batido para golo um sem-número de vezes e de todas escapou ileso: duas vezes porque os companheiros o substituíram na linha de golo, outra vez porque um jogador do FC Porto substituiu ele os defesas já batidos do Trofense, outra porque a bola beijou o poste e mais umas quatro vezes porque Rolando falhou todos os cabeceamentos para golo, nos inúmeros cantos de que os portistas dispuseram. Esse facto, por si só, mostra que o Trofense chamou a si toda a sorte do jogo e não deixou nada para os da casa.
À sorte, o Trofense juntou uma atitude que pode e deve ser chamada de anti-jogo. Com todo o respeito pela cidade da Trofa, com toda a compreensão pelo modesto mas honesto Trofense e com toda a compreensão para com quem se bate com orçamentos de pigmeu contra equipas com orçamentos de gigante, o tipo de jogo posto em cena pelos da Trofa é daqueles que fazem com que haja jogos entre primodivisionários com 600 ou 400 ou 200 pessoas a assistir. Em 90 minutos de futebol, o Trofense, não só não dispôs de uma única ocasião de golo, como também não conseguiu construir um único ataque ou contra--ataque digno desse nome. Em contrapartida, os seus jogadores chamaram quatro vezes a maca para os levar, chegaram a ficar caídos três ao mesmo tempo e, quando o capitão foi expulso, já nos descontos, demorou exactamente 1'40'' a sair de campo. Compreendo que Tulipa estivesse contente com o resultado, não compreendo que estivesse «orgulhoso» dos seus jogadores. Quando em mais de metade dos jogos, há sempre uma equipa que só quer jogar para o 0-0, não há volta a dar às bancadas desertas e à morte a prazo do futebol como espectáculo ao vivo. Não sou só eu que sei porque fico em casa.
À falta de sorte e ao anti-jogo do Trofense, juntaram-se as infelizes decisões de Jesualdo Ferreira, para explicarem o resultado final. Felizmente, há muito pouco tempo elogiei aqui o trabalho dele e proclamei-me seu apoiante- com a ressalva de que seria critico, quando o entendesse justo. É o caso.
Recuemos um pouco: Jesualdo Ferreira (conforme o notei logo no início da época), não dispõe de extremos, porque os dispensou todos. O único extremo verdadeiro que tem, que é Candeias, vive afastado, a caminho de mais um empréstimo, por falta de oportunidades de crescimento, que o treinador não lhe dá. Não admira, pois, que Jesualdo, mesmo antes deste jogo, se queixasse das dificuldades de lateralização do futebol atacante da equipa, as quais, mais uma vez, foram gritantes contra o Trofense. E não admira também que Jesualdo tenha abdicado do seu preferido 4x3x3, em benefício de um arremedo de 4x4x2, pois que à falta de extremos se veio juntar a obrigação de meter em jogo Hulk- cuja genialidade ele foi o último dos portistas a ver. Mas, mesmo com Hulk a desequilibrar lá à frente, acontece contra as «equipas do autocarro» que a capacidade de penetração está seriamente diminuída: porque não há flanqueadores naturais e porque a penetração vertical, que era assegurada pelos passes de ruptura de Lucho González, desapareceu face ao prolongado desaparecimento em combate do argentino. Neste contexto, e sem querer lançar mão de Candeias, a Jesualdo só restaria uma opção e de risco: fazer regressar Lisandro às suas antigas funções de ponta-de-lança descaído sobre o flanco, por troca com Hulk, que é bem mais letal a arrancar de trás e do centro. Mas Jesualdo é um homem fidelíssimo às boas memórias: assim como não se atreve a prescindir de Lucho nem por um minuto e por mais confrangedora que seja a sua ausência do jogo, também não se atreve a pedir ao melhor marcador do campeonato passado que derive para o lado, em benefício de um recém--chegado.
Ao minuto 1 do jogo, o Hulk arrancou do flanco direito, onde Jesualdo o mandou desterrar, entrou na área, fintou um por dentro, outro por fora, e serviu o golo de bandeja a Meireles, que falhou o remate e viu Lisandro falhar a emenda. Essa simplicidade e crença no golo, que são a imagem de marca de Hulk, deveriam logo ter posto Jesualdo a pensar. Mas, não: havia muito tempo para chegar lá pela «via clássica». Porém, ao minuto 95, Guarin, na posição de ponta-de-lança, evitou o golo de Rodriguéz, fazendo de defesa do Trofense e, no minuto seguinte, a última imagem do jogo foi a de Hulk a acorrer à sua defesa para cortar um incipiente «ataque» do Trofense. O absurdo destas duas cenas é bem o espelho dos sucessivos erros cometidos por Jesualdo Ferreira.
É certo que o professor, em minha opinião, nunca se destacou por saber ler e emendar o jogo em andamento. Os seus méritos são outros, mas não esse: parece fazer substituições só por fazer, a ver se resultam, raramente adequadas ou no tempo certo. Mas, anteontem, exagerou. A meia hora do fim (longe ainda da fase do tudo ou nada) resolveu passar o Fucile para a esquerda e meter o inevitável Mariano a defesa-direito: com isso, obviamente, não ganhou nada do lado direito, mas perdeu o seu melhor flanquador até aí, visto que Fucile à esquerda vale metade do que vale à direita. Cinco minutos depois, meteu o Guarin para o lugar de Raul Meireles: perdeu clarividência no miolo e ganhou só confusão e trapalhadas, culminadas com o colombiano a fazer de salvador do Trofense, tamanha era a ânsia de se mostrar salvador do Porto. E, mais cinco minutos volvidos, meteu o Farías- que, sem nunca ter tocado na bola em vinte minutos, serviu para congestionar o ataque e obrigar o Lisandro e o Hulk a saírem dali. Mexer quando as coisas não vão bem, qualquer treinador sabe fazer; resistir a mexer só porque as coisas não vão bem, é seguramente mais complicado.
2 - O problema com Renteria são os golos certos, no resto ele até vai fazendo umas coisas jeitosas. Mas, quando o golo é quase imperdível e, sobretudo, se a oportunidade aparece no fim e se serve para alterar o resultado, o rapaz fica paralisado de terror. Ao minuto 85 do jogo da Luz, completamente isolado, posição frontal, bola na relva, ninguém ao lado e só o guarda-redes pela frente, ele acertou no Moreira. Mesmo assim, melhor do que há três anos atrás, naquele mesmo estádio e naquela mesma baliza, mas com a camisola do FC Porto, quando, até sem guarda-redes pela frente, ele acertou… em nada.
Se Renteria tem marcado, o Braga tinha, pelo menos, empatado o jogo, que era o mínimo que merecia e que a estatística da Sport TV resumiu: 60% de posse de bola contra 40% do Benfica; 36 ataques contra 31; 18 remates à baliza contra 8; 13 cantos contra 3; 5 oportunidades de golo contra 1. E Jorge Jesus escusava de ter acrescentado a outra estatística: golo do Benfica em off-side, penalty a favor do Benfica inexistente (bem mais óbvio foi idêntico lance a favor do Porto e que passou sem penalty, como notou Jesualdo Ferreira), e dois penalties a favor do Braga não assinalados. Destes, num não vi penalty, mas aquela entrada do Luisão de carrinho às pernas de Mateus, caramba, se não é penalty e ao menos cartão amarelo será o quê?
Mas, como acima escrevi, os árbitros erram, uma semana para um lado, outra semana para o outro. O problema é quando, no mesmo jogo, erram sempre para o mesmo lado, ou quando erram apenas uma vez e quem não soube ganhar se agarra a esse erro para justificar tudo. Ou quando se é tão lesto a gritar ao escândalo quando o árbitro erra contra nós, e a seguir se assobia para o ar, quando ele erra a nosso favor. Esta semana, garanto-vos que não vai haver benfiquistas a gritar fraude ou batota ou a declarar que esperam que os deixem ser campeões no campo.
Miguel Sousa Tavares, n' A Bola.
O regresso à normalidade que o FC Porto assegurara há oito dias foi de novo interrompido por mais um percalço caseiro, de todo fora das previsões. Porque tropeçou o FC Porto no Trofense? A meu ver, por três razões: falta de sorte, atitude do adversário e erros do treinador. Uma de cada vez.
Normalmente, quando um grande empata em casa a zero com uma equipa do fundo da tabela, já é clássico concluir que o melhor em campo foi o guarda-redes adversário. Não foi o caso do FC Porto-Trofense de anteontem: ao contrário do que sucedera contra o Benfica, o guarda-redes do Trofense, Paulo Lopes, não evitou nenhum golo nem chegou a fazer nenhuma grande defesa. Viu-se, sim, batido para golo um sem-número de vezes e de todas escapou ileso: duas vezes porque os companheiros o substituíram na linha de golo, outra vez porque um jogador do FC Porto substituiu ele os defesas já batidos do Trofense, outra porque a bola beijou o poste e mais umas quatro vezes porque Rolando falhou todos os cabeceamentos para golo, nos inúmeros cantos de que os portistas dispuseram. Esse facto, por si só, mostra que o Trofense chamou a si toda a sorte do jogo e não deixou nada para os da casa.
À sorte, o Trofense juntou uma atitude que pode e deve ser chamada de anti-jogo. Com todo o respeito pela cidade da Trofa, com toda a compreensão pelo modesto mas honesto Trofense e com toda a compreensão para com quem se bate com orçamentos de pigmeu contra equipas com orçamentos de gigante, o tipo de jogo posto em cena pelos da Trofa é daqueles que fazem com que haja jogos entre primodivisionários com 600 ou 400 ou 200 pessoas a assistir. Em 90 minutos de futebol, o Trofense, não só não dispôs de uma única ocasião de golo, como também não conseguiu construir um único ataque ou contra--ataque digno desse nome. Em contrapartida, os seus jogadores chamaram quatro vezes a maca para os levar, chegaram a ficar caídos três ao mesmo tempo e, quando o capitão foi expulso, já nos descontos, demorou exactamente 1'40'' a sair de campo. Compreendo que Tulipa estivesse contente com o resultado, não compreendo que estivesse «orgulhoso» dos seus jogadores. Quando em mais de metade dos jogos, há sempre uma equipa que só quer jogar para o 0-0, não há volta a dar às bancadas desertas e à morte a prazo do futebol como espectáculo ao vivo. Não sou só eu que sei porque fico em casa.
À falta de sorte e ao anti-jogo do Trofense, juntaram-se as infelizes decisões de Jesualdo Ferreira, para explicarem o resultado final. Felizmente, há muito pouco tempo elogiei aqui o trabalho dele e proclamei-me seu apoiante- com a ressalva de que seria critico, quando o entendesse justo. É o caso.
Recuemos um pouco: Jesualdo Ferreira (conforme o notei logo no início da época), não dispõe de extremos, porque os dispensou todos. O único extremo verdadeiro que tem, que é Candeias, vive afastado, a caminho de mais um empréstimo, por falta de oportunidades de crescimento, que o treinador não lhe dá. Não admira, pois, que Jesualdo, mesmo antes deste jogo, se queixasse das dificuldades de lateralização do futebol atacante da equipa, as quais, mais uma vez, foram gritantes contra o Trofense. E não admira também que Jesualdo tenha abdicado do seu preferido 4x3x3, em benefício de um arremedo de 4x4x2, pois que à falta de extremos se veio juntar a obrigação de meter em jogo Hulk- cuja genialidade ele foi o último dos portistas a ver. Mas, mesmo com Hulk a desequilibrar lá à frente, acontece contra as «equipas do autocarro» que a capacidade de penetração está seriamente diminuída: porque não há flanqueadores naturais e porque a penetração vertical, que era assegurada pelos passes de ruptura de Lucho González, desapareceu face ao prolongado desaparecimento em combate do argentino. Neste contexto, e sem querer lançar mão de Candeias, a Jesualdo só restaria uma opção e de risco: fazer regressar Lisandro às suas antigas funções de ponta-de-lança descaído sobre o flanco, por troca com Hulk, que é bem mais letal a arrancar de trás e do centro. Mas Jesualdo é um homem fidelíssimo às boas memórias: assim como não se atreve a prescindir de Lucho nem por um minuto e por mais confrangedora que seja a sua ausência do jogo, também não se atreve a pedir ao melhor marcador do campeonato passado que derive para o lado, em benefício de um recém--chegado.
Ao minuto 1 do jogo, o Hulk arrancou do flanco direito, onde Jesualdo o mandou desterrar, entrou na área, fintou um por dentro, outro por fora, e serviu o golo de bandeja a Meireles, que falhou o remate e viu Lisandro falhar a emenda. Essa simplicidade e crença no golo, que são a imagem de marca de Hulk, deveriam logo ter posto Jesualdo a pensar. Mas, não: havia muito tempo para chegar lá pela «via clássica». Porém, ao minuto 95, Guarin, na posição de ponta-de-lança, evitou o golo de Rodriguéz, fazendo de defesa do Trofense e, no minuto seguinte, a última imagem do jogo foi a de Hulk a acorrer à sua defesa para cortar um incipiente «ataque» do Trofense. O absurdo destas duas cenas é bem o espelho dos sucessivos erros cometidos por Jesualdo Ferreira.
É certo que o professor, em minha opinião, nunca se destacou por saber ler e emendar o jogo em andamento. Os seus méritos são outros, mas não esse: parece fazer substituições só por fazer, a ver se resultam, raramente adequadas ou no tempo certo. Mas, anteontem, exagerou. A meia hora do fim (longe ainda da fase do tudo ou nada) resolveu passar o Fucile para a esquerda e meter o inevitável Mariano a defesa-direito: com isso, obviamente, não ganhou nada do lado direito, mas perdeu o seu melhor flanquador até aí, visto que Fucile à esquerda vale metade do que vale à direita. Cinco minutos depois, meteu o Guarin para o lugar de Raul Meireles: perdeu clarividência no miolo e ganhou só confusão e trapalhadas, culminadas com o colombiano a fazer de salvador do Trofense, tamanha era a ânsia de se mostrar salvador do Porto. E, mais cinco minutos volvidos, meteu o Farías- que, sem nunca ter tocado na bola em vinte minutos, serviu para congestionar o ataque e obrigar o Lisandro e o Hulk a saírem dali. Mexer quando as coisas não vão bem, qualquer treinador sabe fazer; resistir a mexer só porque as coisas não vão bem, é seguramente mais complicado.
2 - O problema com Renteria são os golos certos, no resto ele até vai fazendo umas coisas jeitosas. Mas, quando o golo é quase imperdível e, sobretudo, se a oportunidade aparece no fim e se serve para alterar o resultado, o rapaz fica paralisado de terror. Ao minuto 85 do jogo da Luz, completamente isolado, posição frontal, bola na relva, ninguém ao lado e só o guarda-redes pela frente, ele acertou no Moreira. Mesmo assim, melhor do que há três anos atrás, naquele mesmo estádio e naquela mesma baliza, mas com a camisola do FC Porto, quando, até sem guarda-redes pela frente, ele acertou… em nada.
Se Renteria tem marcado, o Braga tinha, pelo menos, empatado o jogo, que era o mínimo que merecia e que a estatística da Sport TV resumiu: 60% de posse de bola contra 40% do Benfica; 36 ataques contra 31; 18 remates à baliza contra 8; 13 cantos contra 3; 5 oportunidades de golo contra 1. E Jorge Jesus escusava de ter acrescentado a outra estatística: golo do Benfica em off-side, penalty a favor do Benfica inexistente (bem mais óbvio foi idêntico lance a favor do Porto e que passou sem penalty, como notou Jesualdo Ferreira), e dois penalties a favor do Braga não assinalados. Destes, num não vi penalty, mas aquela entrada do Luisão de carrinho às pernas de Mateus, caramba, se não é penalty e ao menos cartão amarelo será o quê?
Mas, como acima escrevi, os árbitros erram, uma semana para um lado, outra semana para o outro. O problema é quando, no mesmo jogo, erram sempre para o mesmo lado, ou quando erram apenas uma vez e quem não soube ganhar se agarra a esse erro para justificar tudo. Ou quando se é tão lesto a gritar ao escândalo quando o árbitro erra contra nós, e a seguir se assobia para o ar, quando ele erra a nosso favor. Esta semana, garanto-vos que não vai haver benfiquistas a gritar fraude ou batota ou a declarar que esperam que os deixem ser campeões no campo.
Miguel Sousa Tavares, n' A Bola.
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