De adolescente aspirante a treinador para treinador líder destacado do campeonato, a pergunta saiu assim: "André, que conselhos daria a quem quer ser um treinador de sucesso?" Villas-Boas, supondo que era esse o desejo de quem perguntava, nem pestanejou na resposta. "Recomendo-te a não seguires esse caminho".
Depois de o metralhar à queima-roupa, lá tentou explicar o porquê desse aviso espontâneo, acabando, provavelmente sem se dar conta, atraiçoado no final da própria explicação. "Há uma exigência emocional e mental desgastante", prosseguiu, ainda em jeito de reforço da ideia. "Mas as recompensas da vitória são óptimas", deixou escapar. É esse "mas" compensador, que o próprio André Villas-Boas espera sentir em forma de título daqui a algumas jornadas, justificação suficiente para enfrentar os desafios. Aliás, vencer pode tornar-se também num bom desafio. "Não se deve alimentar muito o ego; é preciso manter os pés na terra e ver que há espaço para a evolução". Uma receita de sucesso simples e bem menos secreta do que a da Coca-Cola, patrocinadora oficial do torneio apadrinhado pelo treinador portista e que ontem o levou ao relvado do Dragão para a apresentação formal.
Por detrás de Villas-Boas, num cartaz gigantesco que servia de fundo às fotos, sobressaía o desafio lançado aos participantes. "Mostra que és craque", lia-se. Uma boa deixa para saber se Villas-Boas também se sentia desafiado a mostrar que era craque nesta primeira época a lutar pelo campeonato. "Eu, craque? Não, como treinador não sou nada de especial."
A lição de humildade foi rematada com uma palavra perigosa, ou não fosse o nome do meio de José Mourinho. José "Especial" Mourinho, comparação que persegue o treinador portista. Assim, quase sem querer, ou até sem se aperceber disso, porque não pareceu propositado, Villas-Boas acabava por descolar mais um rótulo de possíveis semelhanças. Não se sente especial. "Gostava de poder crescer como treinador e se puder transmitir este meu sentimento a estes jovens, melhor ainda. Para se chegar ao topo é preciso trabalhar arduamente, ter classe e determinação", acrescentou, dizendo-se longe desse patamar de excelência, apesar de o ambicionar. Os princípios que o orientam são fáceis de resumir: "A generosidade é melhor do que a indiferença e a coragem melhor do que a cobardia" .
Chegados aqui, engana-se quem achar que Villas-Boas conseguiu escapar a mais uma pergunta sobre José Mourinho. Ela lá surgiu, feita outra vez pelo treinador adolescente. "Ser adjunto do Mourinho foi fundamental. Quero acreditar que o que faço é bom e que um dia também terei sucesso. Mourinho foi uma das pessoas mais importantes da minha vida profissional."
Há boas razões para André Villas-Boas se sentir nas nuvens. Afinal de contas, é líder com oito pontos de vantagem, ainda não perdeu no campeonato e a meta do título parece estar já ali, ao dobrar da esquina. O que muito boa gente não saberá é que, mesmo que não estivesse no banco do FC Porto com este percurso imaculado, a ideia de andar nas nuvens, fora da órbita terrestre até, não estava descartada. A revelação surgiu ontem, em jeito de memória de infância resgatada no baú das profissões desejadas quando lhe faziam a pergunta obrigatória: o que queres ser quando cresceres? "Quis ser tudo. Jogador de futebol, piloto, astronauta. É o normal. Desde que sejam profissões bem pagas, vamos sonhando", disse, com sorrisos à mistura. Apesar de tudo, disse também, a ideia de ser treinador acabou por formatar-se bem cedo, sem relatos - conhecidos, pelo menos... - de que, na altura, Bobby Robson o tenha aconselhado a desviar-se desse caminho desejado e consumado. Pelo contrário. Como se sabe, Robson abriu-lhe mesmo as portas do FC Porto. "Ser treinador foi uma ideia muito precoce, tinha 17 ou 18 anos". Agora, aos 33, está muito perto de realizar precocemente outro sonho.
Hugo Sousa n' O Jogo.
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